08 julho, 2011

Portugal e Renfe rectifican e garanten a continuidade da conexión Vigo-O Porto

Os Gobernos ceden á presión social e manteñen o servizo de tren, que mañá faría a súa última viaxe

ALBERTO BLANCO Os Gobernos portugués e español dan marcha atrás e garanten agora o mantemento da conexión ferroviaria entre Vigo e O Porto desde mañá, cando estaba previsto que operase o último tren. Do mesmo xeito que ocorreu en 2005, cando se expuxo tamén a cancelación deste servizo, a presión social e política volveu a conseguir que o único tren que conecta Galicia con Portugal continúe funcionando.

Esta decisión tomouse a última hora de onte e despois de que Comboios de Portugal fose o primeiro en dar o brazo a torcer e anunciase a súa disposición de chegar co tren ata Tui e non só ata Valença do Minho. "O fin e a saída do catro trens, dous por sentido, que cubrían o traxecto O Porto-Vigo pasa a ser Tui, de forma que se posibilite un incremento na mobilidade de pasaxeiros, principalmente permitindo unha ligazón do territorio nacional por vía férrea coa rede de transportes colectivos de Galicia", anunciaron fontes oficiais de Comboios de Portugal.
Desta forma, a empresa pública lusa deixou a "pelota" no tellado de Renfe, á que ademais lle volveu a propor que se fixese cargo do déficit do tren no tramo galego para garantir a súa continuidade ata Vigo. "No caso de que Renfe reconsidere e acepte a proposta inicial de CP de asumir a totalidade da responsabilidade da ligazón entre Tui e Vigo, estaremos dispostos a continuar garantindo cos trens portugueses o transporte desde Vigo ata a fronteira", explicaron as mesmas fontes.
Renfe moveu ficha horas despois. "Dado que Comboios de Portugal reconsiderou a súa posición, manteremos o servizo ata Vigo nas mesmas condicións que ata agora", informaron fontes oficiais da operadora española.
Con todo, a empresa non quixo aclarar onte se esta decisión significa que pagará os 235.000 euros de déficit da liña que lle reclamou Portugal para poder mantela. Tampouco desvelou se a fórmula na que se manterá a ligazón continuará sendo a de que o tren portugués siga chegando ata Vigo, ou se Renfe fretará trens desde a cidade olívica a Tui para que os pasaxeiros poidan facer transbordos. "A partir de mañá [por hoxe] informarase as condicións nas que se continuará prestando o servizo", setenció un portavoz oficial da compañía.
Antes de que Renfe manifestase a súa disposición a manter a liña, Comboios de Portugal adiantou que polo menos desde Tui seguirían saíndo os dous trens que o facían ata agora. Incluso a empresa non descarta que algún dos outros convois que chegan a Valença do Minho pero que non cruzan a fronteira, poidan estenderse tamén ata a localidade pontevedresa. "Adicionalmente, estudaremos a demanda que xeren os nosos servizos en Tui e, se fose xustificable, estenderiamos outros trens que terminan en Valença ata a localidade galega", dixeron.
Aínda que esta rectifición garante que Vigo continúe estando conectada por ferrocarril con Portugal, non dá resposta aínda ás esixencias de cidadáns, empresarios e políticos de ambos os lados do Miño de modernizar o servizo para facelo máis competitivo. As máis de tres horas que emprega o tren en cubrir o traxecto entre Vigo e O Porto fan que sexa pouco atractivo e deficitario.
[Faro de Vigo]

Nota do RoP: Mais uma vez, Rui Rio revelou a sua falta de talento para liderar uma cidade com a importância do Porto. Não contribuiu em nada para resolver este problema, bem pelo contrário.

Um sonho que virou pesadelo

 Esta noite, sonhei que vivia num país onde a proximidade entre eleitores e eleitos, era bem mais autêntica do que aquela que os beijinhos e abraços dos candidatos deixam transparecer  em campanha eleitoral. Era tão natural essa aproximação, que me fez acreditar na existência de uma verdadeira Democracia. Sonhei que tinha convidado as três figuras mais importantes do Estado [Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Procurador Geral da República], a assistirem, na minha companhia, aos noticiários das televisões portuguesas e a passarem os olhos pela imprensa diária, sobretudo a desportiva. Pelo sim, pelo não, pedi-lhes que, por uns minutos, fizessem um esforço de concentração para depois emitirem as suas opiniões sobre o que tinham observado. Surpreendentemente, todos aceitaram o convite. Fiquei pasmado. Nunca pensei que a consideração por um simples cidadão como eu,  merecesse tais atenções da parte de tão distintas personalidades. Cheguei a pensar que estava a sonhar. E estava. Mas eu, é que julgava que não.

Confortavelmente sentados, liguei a televisão e pedi-lhes uma última vez para estarem atentos. Tive o cuidado de os poupar àquelas maratonas com opinion makers e com peritos multifacetados, para não os indispor e prejudicar a avaliação que iam ter de fazer.

Passei de pronto para os noticiários desportivos, que era o que me interessava tratar. E, claro, como não podia deixar de ser, os noticiários abriram quase todos ao mesmo tempo com o glorioso "Benfica! Uma, duas, três vezes, sempre com o Benfica a abrir os espaços noticiosos desportivos. Como se não bastasse, a seguir, impingiram-nos uma verdadeira biografia do Fábio Coentrão. As entrevistas aos amigos, colegas, ex-colegas e familiares, foram exploradas à náusea, só porque o rapaz tinha sido transferido para o Real Madrid e... era benfiquista. Terminado o folclore do costume, as televisões lá resolveram mudar de cenário. Dessa vez, para falar do Sporting, e só mais tarde e, por último, do FCPorto. Do Sporting de Braga, que até foi finalista vencido da Liga Europa, nem uma palavra.

Quando os meus ilustres convidados já se preparavam para abandonar o estúdio improvisado, pedi-lhes mais um pequeno favor. Que passassem os olhos pelos jornais desportivos. O que, aceitaram pacientemente... Finalmente, perguntei-lhes: o que é que V. Exas. pensam, do que acabam de ver? Acham sério, democrático, que o FCPorto, campeão nacional, seja remetido por todas as televisões e jornais para um plano terciário ou que nem sequer seja noticiado? Acham correcto, que se faça isto ao clube português que nos últimos 30 anos mais prestígio trouxe a Portugal?

Como era de prever,o senhor Presidente Cavaco foi o primeiro a falar. Tentou pôr água na fervura - com aquele ar de paizinho afectado, que o caracteriza -, dizendo que o Benfica era um grande clube, que tinha muitos adeptos, e que se tinha de "compreender" os aspectos comerciais dos jornais e das operadoras de televisão, etc. Os outros dois convidados, mantinham-se calados, em respeitável e protocolar silêncio.

-Desculpe, senhor Presidente, mas o senhor está-me a dizer que o Benfica, porque "é" o maior clube português, merece estatuto e tratamento especial? E o que é que V. Exa. me diz do direito à livre concorrência dos outros clubes? Estão proibidos de ultrapassar os feitos desportivos do Benfica?

- Bem, já  conquistou 2 Campeonatos Europeus, ganhou muitos campeonatos nacionais, troféus... O Eusébio...

- E daí, senhor Presidente? O FCPorto, também não tem vencido campeonatos,  troféus nacionais e internacionais? V. Exa. por acaso ignora que o FCPorto já ultrapassou o Benfica em número de títulos? Que é considerado o 3º. melhor clube do mundo no ranking da IFFHS [Federação Internacional de História e Estatística de Futebol]?

- Bem, mas o Benfica...

- O senhor Presidente não sabe que o FCPorto também teve os seus Eusébios, os seus Fernandos Gomes, Jardeis, Decos, Ricardos Carvalhos, Luchos, Lisandros e mais recentemente, os seus Falcões? Todos eles jogadores de top, cobiçados pelos clubes mais ricos do Mundo? 

- Sim, é verdade, mas o Benfica tem mais adeptos, sabe...

- Então, V. Exa. está-me a tentar dizer que esse, é um facto imutável? Que nenhum outro clube pode almejar ultrapassar o Benfica em número de simpatizantes? Que isso é a negação do próprio desporto?

- Humm, bem, poder pode, mas...

- Mas, o quê, Senhor Presidente? Não é politicamente oportuno admiti-lo?

- Olhe, meu amigo, ao fim e ao cabo, estas coisas não passam de futebol, e o que é preciso é fair-play.

- Futebol esse, melhor dizendo, futebol Clube do Porto esse, que tem feito entrar mais divisas no país em 10 anos, que muitas outras empresas em 30! O senhor Presidente é economista e desdenha este importante facto?  

- Não era o que eu queria dizer. É futebol, sabe...

- Posso fazer-lhe uma pergunta frontal Sr. Presidente?

- É claro, estamos em Democracia.

- Era capaz de transferir o seu distanciamento do futebol para a política?

- Mas eu, não me distancio do futebol, apenas tenho coisas mais importantes com que me preocupar. Até fui ao estádio de Oeiras [perdão], ao estádio Nacional, entregar a Taça ao FCPorto.

- Que me diria o Sr. Presidente, se alguém argumentasse que o PSD não podia ter o mesmo tempo de antena, nem ultrapassar em votos o PS partindo do mesmo pressuposto, porque era o partido com mais eleitores na história da democracia nacional?

- Essa, meu amigo, é uma comparação absurda. Nas eleições a alternância é fundamental para a saúde da democracia, com os clubes trata-se de paixão. Não são coisas comparáveis.

- Então, o Sr. Presidente admite que o FCPorto tem o direito de seguir o seu caminho de victórias e de continuar a aumentar o número de adeptos?

- Sim, sim, faz sentido!

- Então V. Exa. concorda que aquilo que os media em geral, e as televisões em particular, estão a fazer não é um trabalho sério, e a tratar o FCPorto como merecia?

- Ó meu amigo, as imagens que nos mostrou agora são pontuais. Hoje, falam do Benfica, amanhã do FCPorto, e depois do Sporting. É assim, não exagere com o seu portismo.

- Quer perder uma aposta senhor Presidente? Quer confirmar o que me está a dizer?

- Eu não aposto, nem no Euromilhões, meu amigo.

- Pudera, os que mais apostam, são os que menos têm, Excelência! Mas será que o senhor estará disponível 
 para  acabar com o mito da clubite e ligar a televisão todos os dias, durante os próximos mêses [para não enjoar], para confirmar o mau jornalismo que se faz em Portugal e o modo faccioso como promove o Benfica e tenta denegrir o FCPorto?

- Bem, bem, meu caro, está-se a fazer tarde e eu ainda tenho uma declarações a fazer ao país. Estamos a atravessar uma crise social e económica gravíssima, e há coisas muito mais importantes a tratar do que de rivalidades futebolísticas.

- Claro Sr. Presidente, espero é que não acuse o FCPorto e o Sr. Pinto da Costa de serem responsáveis por esta crise. Eu diria que esse é um barrete que encaixa na perfeição na cabeça dos políticos, incluindo na sua [com todo o respeito, por V.Exa.].

- Meu caro, agora  temos de ir. Há mais vida para além do futebol.

- Desculpe Sr. Presidente, mas V. Exa. não chegou a dizer-me o que pensa deste jornalismo... Está bem, ou não está? O que pensa do assunto? Não acha ser preciso mudar alguma coisa?

- Acho que o senhor está a exagerar, que vê as coisas de forma demasiado emotiva

- Lá isso é verdade, Sr. Presidente, às vezes fico tão revoltado que me apetece entrar pelo écran da televisão e partir a cara a certos comentadores e jornalistas.

- Isso que o senhor está a dizer é muito grave, é preciso alguma contenção e bom senso.

- V. Exa. vai-me perdoar novamente, mas insensato é o silêncio, a cumplicidade passiva, como o senhor e o senhor Procurador Geral, estão a lidar com esta situação, que já é antiga. O que a comunicação social anda a fazer ao FCPorto e à sua respeitável massa de adeptos, é uma autêntica provocação, uma declaração de guerra, um atentado à paz social! Ainda não se deu conta disso, senhor Presidente?

- O senhor já ultrapassou todos os limites, é melhor conter-se.

- Percebido, excelência! Fica o registo. Se um dia, isto descambar em violência, quero saber em que alicerces irá suportar a sua previsível indignação. Nessa altura, espero encontrar-me fisicamente longe de V. Exa., porque a minha indignação será mais genuína que a sua, e posso até confundí-lo com um desses miseráveis fazedores de fretes que tão mal têm feito à classe dos jornalistas. 

De súbito, o senhor Presidente perdeu o ar de avozinho e gritou pela guarda,  para me dar ordem de prisão. Mas, infelizmente, acordei.

07 julho, 2011

Trinta e seis "Tzadikim"*

Na última da notável série de entrevistas "Beleza e consolação", em tempos transmitida pela SIC, a questão em cima da mesa (uma mesa onde se sentava gente como, entre outros, Steiner, Martha Nussbaum, Coetzee, Soyinka, Germaine Greer, Tatyana Tolstaya...) era: "Por que vale a pena viver?". De todas as respostas, ficou-me na memória a de Steiner: "O único motivo que me ocorre é o meu cão". Já não me lembro se Jane Goodall estava presente, mas estou certo de que a sua resposta seria semelhante.

Ontem tive uma demorada conversa com um velho amigo que, nas últimas décadas, apenas encontrara ocasionalmente. Ao fim de 44 anos de vida profissional em tribunais, o meu amigo estava inteiramente descrente do Mundo e dos seres humanos em geral (e do Mundo e seres humanos dos tribunais em particular). E falou-me longamente da maldade.

Aos 20 anos, a minha geração partilhava sonhos desmesurados e não se contentava com menos do que com o impossível: transformar o Mundo e mudar a vida. Hoje, a maior parte dela vive, com desprezível sucesso, da maldade. E, em vez da vida, importa-lhe a vidinha.

Depois do encontro com aquele amigo dos meus distantes 20 anos senti-me absurdamente bem. Os cabalistas dizem que o peso moral do Mundo assenta sobre os ombros de 36 "tzadikim", homens bons que ninguém, nem os próprios, conhece. Se assim for, eu acredito que soube ontem de mais um além de Steiner e de Jane Goddall.
[No JN]


*Tsadic, tzaddik ou tzadik (em hebraico: צדיק, "justo"; pl. צדיקים tzadikim; pronuncia alternativa, tsaddiq) é um título dado geralmente a personalidades no Judaísmo Ortodoxo considerada santa, tal como um mestre espiritual ou rebe. A raiz da palavra tsadic, é tzedek(צדק), que significa justiça ou integridade

06 julho, 2011

Cada macaco no galho próprio


Os tempos que correm são tão inintelegíveis e sinistros que me amplificam a compreensão sobre determinado tipo de reacções de alguns comentadores mais precipitados. A sobrecarga de informação negativa que nos entra pela casa, é tão avassaladora, que nos altera a disposição, por mais que tentemos evitá-lo. Porém - será bom lembrá-lo -, um blogue, sendo um espaço livre de comunicação e de opinião, não tem a obrigação de propor alternativas, ou muito menos soluções para os problemas do país, que são muitos, como sabemos. O que não quer dizer, que não o possamos fazer [e já o temos feito], em casos pontuais. Mas não é esse o nosso papel. Às vezes, as pessoas esquecem-se disso, e fazem certo tipo de comentários que mais parecem dirigidos a deputados ou  ministros. Ora, nós não somos, nem uma coisa, nem outra. 

O que nos devia incomodar a todos, era sim, esta paranóia que nos andam a impingir, 24 sobre 24 horas, com programas e debates, com participação de antigas figuras governativas, cujas competências técnicas, e sobretudo políticas, não foram para além do sofrível, face à ineficiência reflectida no nível de vida global  da população. Nunca fomos capazes de sair da cauda dos países mais atrasados da Europa, e quando nos tentaram fazer querer no contrário [estou-me a lembrar do oásis de António Guterres], era mentira. O que agora está a acontecer, a nível de endividamento público, começou há muitos anos, e desde então, não houve um único governo capaz de o impedir, ou no mínimo, de o assumir. Tudo estava bem. O Sócrates foi apenas um clone extremado daquilo que outros fizeram antes, incluindo o actual Presidente da República. 

Aquilo que tem orientado as minhas críticas, mais do que a discriminação concertada ao Norte, é a pobreza de uma Democracia que nos impede de intervir activa e eficazmente junto dos organismos públicos sem necessidade de passar pela militância política. Por outro lado, a vontade popular de intervir na coisa pública é diminuta, receosa mesmo, e ainda com muitos fantasmas do passado.

Num país á beira da bancarrota, é inexplicável e um tanto provocante para o povo, que haja tanta gente a dar pareceres sobre política económica e com tanto tempo disponível para gastar em televisão, sem contudo daí se retirar qualquer benefício concreto para a comunidade. Diariamente, somos bombardeados com todo o tipo de debates onde o grande público praticamente não tem lugar, a não ser [ e só em certos casos], como espectador. A oportunidade é invariavelmente dada aos infractores, àqueles que se distinguiram pela repetição de outras incompetências, quando o que se lhes exigiria era uma sóbria remissão ao silêncio, ou na melhor das hipóteses, a assunção dos próprios erros. Mas não. Continuam soberbos, a ser tratados pelos media como autênticas vedetas, como pessoas altamente qualificadas...que não são. 

Como querem então que sejam os bloguers, ou mesmo os jornalistas, a apresentar soluções? Não estaremos nós a inverter os papéis? Não tarda nada, pedem-nos que governemos gratuitamente. Só falta mesmo, é mandarem-nos levar a  «politólogos/ex-políticos» como Marques Mendes e Rebelo de Sousa, o cheque do ordenado aos estúdios de televisão, onde já estão a receber uma boa avença.

Haja lucidez, porque no ar anda  confusão a mais.

PS-Recomendo a leitura deste post. É um caso típico de um cidadão comum, mas lúcido e com ideias bem estruturadas, que de vez em quando não se limita a criticar: propõe. O que resta saber, é se num país cujos governos são autênticos mares de ignorância e desperdício, propor publicamente soluções inteligentes, não será o mesmo que dar pérolas a porcos... 

A sugestão é melhor que a opção


Concordo 300% com a sugestão aqui apresentada para
 inserção de publicidade sobre as camisolas do FCPorto.
 Já o ano passado abordei aqui este assunto, pelos vistos,
sem sucesso. É visível e notória a diferença entre a opção
escolhida, com o emplastro inestético e de cor nem sempre
compatível com os tons das camisolas, uma com o fundo
preto e outra com um azul piscina quase esverdeado.



05 julho, 2011

Os vira-casacas


Está nos livros: onde existe uma grande dependência do Estado, mudanças no poder trazem consigo mudanças na opinião de muitos. Não antes, mas depois ou, pelo menos, a partir do momento em que se torna óbvia a derrota da "situação", como se dizia antigamente. O povo crismou-os: "vira-casacas". Os mesmos que até aí aplaudiam, servilmente, o poder descobrem, subitamente, o seu engano. Coerentes na sua vocação de bajuladores, continuam a aplaudir o poder. O novo. Encontramo-los entre os empresários, grandes ou pequenos, os gestores, públicos ou privados, os comentadores. Por toda a parte. Representam o pior da espécie humana, se é legítimo atribuir-lhes essa pertença pois falta-lhes coluna vertebral. Governo que se deixe rodear por eles, lhes dê ouvidos ou se deslumbre com os encómios em que se especializaram, está a meio caminho do autismo. A outra metade será da responsabilidade dos que vêem a política como se de um jogo de futebol se tratasse. Em conjunto, actuam sobre a componente narcisista que há em quase todos os homens públicos. Falam-lhes da história e de como esta os verá. São piores do que as sereias o eram para Ulisses. Alguma dessa gente já apareceu, ou reapareceu, em força, nestas duas semanas.

2. As medidas simbólicas que o Governo tomou foram erigidas, por eles, quase em reformas estruturais. Vai-se a ver e parece que os membros do Governo não pagam quando viajam pela TAP (vá-se lá saber a razão!) pelo que, para além do bom exemplo, a medida apenas granjeou a simpatia das tripulações da transportadora área nacional que, nesses voos, terão mais lugares em executiva para usufruírem das suas mordomias. A extinção dos cargos de governador civil e director-adjunto dos centros distritais de Segurança Social vão na direcção certa, conquanto o impacto nas contas seja diminuto. Quanto às poupanças decorrentes de um menor número de ministros e secretários de Estado, não são certas (depende de quanto vierem a custar os assessores) e podem ser pírricas se, com a constituição de superministérios, o Governo perder em eficácia numa altura em que era decisivo que funcionassem bem. Numa sociedade em que o simbólico tem importância, estas decisões são acertadas. Dão um sinal e apontam um sentido de mudança. Porém, se o Governo se deslumbrar com a amplificação que os seus zelotes lhe deram, corre o risco de repetir o percurso do anterior executivo.

3. Mesmo perante uma medida intrinsecamente má - o aumento de impostos associado à retenção do equivalente a metade do 14.º mês, isto é, cerca de 3,5% do rendimento - muitos não tiveram pejo em a elogiar. Como se uma medida pudesse ser boa ou má consoante a cor de quem a toma. A medida é má. Ponto final. Não há benefício da dúvida ou estado de graça que lhe valham. Porventura a menos má, em comparação com outras. Não sabemos, nada nos foi dito. Talvez se tenha tornado inevitável perante o propósito, que subscrevo, de dar um sinal de garantido empenhamento no cumprimento dos objectivos estabelecidos. Em excesso de zelo, alguns escribas e comentaristas invocaram como justificação a eventual derrapagem das contas públicas cujo estado teria sido ocultado. O Governo não o fez, não sabemos se para manter a promessa de Passos Coelho, se por saber não ser seguro que os resultados no 1.º trimestre comprometessem o objectivo de 5,9% para o défice anual. Saúda-se a honestidade intelectual, bem como se aceita que, por precaução, tenha posto mais peso nestas medidas (isto é, aumentado a percentagem e o âmbito da tributação).

4. Mais receita é uma forma de combater o défice. Errada - Portugal já tem uma carga fiscal excessiva. Inevitável - no curto prazo, não é fácil cortar significativamente nas despesas. Palpita-me que não ficaremos por aqui, nas receitas, e anseio por saber o que se vai fazer do lado da despesa e, em especial, no que toca ao estímulo à competitividade e emprego. Só então se poderá fazer uma análise séria.
[No JN]