23 junho, 2019

Marcelo não tira conclusões sobre Pedrogão?

Daniel Deusdado


Há três temas decisivos para o nosso futuro que não têm contado com o Presidente. Comecemos pela floresta. Marcelo fez um justo ultimato ao Governo exigindo meios de socorro eficazes de forma a que não morram pessoas com os incêndios florestais. Desde aí o Governo concentrou-se, no essencial, a despejar todo o dinheiro que for preciso para evitar novas catástrofes humanas. Mas isto não resolve o problema na origem porque a floresta não se altera num ano, nem em dez.
Só Marcelo pode colocar a urgente mudança do perfil do território no centro das questões essenciais para Portugal. Mas sobre isto... quase zero. Não tem o poder executivo, sim, mas não pode fazer de conta que a floresta é um desígnio nacional. Não é.
Muita gente está a lutar por uma verdadeira mudança, mesmo que isso seja contra uma rentabilidade imediata. Ainda por cima, há um sistema de gestão no Ministério da Agricultura e nos fundos europeus de "business as usual", como se nada tivesse acontecido nesta tragédia em que se transformou o território nacional.
Além disso, há milhões para comunicar, via marketing, as virtudes de uma floresta de monocultura. Em cima disto, os prémios de arte e os textos supostamente jornalísticos sobre o "papel" (vejam-se as iniciativas da Navigator) literalmente compram (por omissão, obviamente) o silêncio dos mais importantes órgãos de comunicação nacional sobre estes temas. Como sobreviver a esta ditadura?
Nesta matéria, a posição do Presidente é de um enorme vazio porque só ele pode refazer este equilíbrio. A nossa paisagem está cada vez mais pobre e perigosa, mas a situação serve na perfeição o negócio da indústria das celuloses. E esta paga o que for preciso para fazer prevalecer a opinião de que é uma indústria fortemente exportadora e geradora de emprego, neutralizando qualquer reflexão sobre as consequências.
O resultado é deixar-nos a todos as centenas de milhões de despesa da Proteção Civil e um facto consumado: uma floresta sempre pronta a explodir. Na semana em que passam dois anos sobre Pedrógão, de que lado está o Presidente?
2. Marcelo tem um passado cinzento de proximidade com a banca e por isso não tem coragem de entrar a fundo nos temas que marcam a agenda. A total perda de controlo nacional da banca (a Caixa é já e apenas uma caricatura) joga pouco com a ideia repetida pelo Presidente de que, quando querem, os portugueses são dos melhores do mundo. Depois da tragédia da supervisão no Banco de Portugal, e face ao papel ridículo das empresas de auditoria neste descalabro, somos realmente bons em quê no mundo financeiro?
3. A sustentabilidade poderia ser a grande vocação diária do Presidente, fosse qual fosse o setor na agenda. Há uma ciclópica mensagem de mudança em todas as tarefas diárias, desde a saúde aos transportes, do apoio social ao trabalho industrial, dos serviços ao mar. O Presidente poderia fazer essa pedagogia do dia-a-dia com pequenos e grandes exemplos.
Não há planeta sem outra consciência e outra atitude. Muitos portugueses já compreenderam isso e não necessitam dos políticos para encontrar esse desígnio. Por isso mesmo, Marcelo escusava de ter ouvido a constatação da falta "desígnio" da sua Presidência durante o 10 de Junho quando tem esta responsabilidade intransferível. Mas o Presidente acaba por ficar disperso pelo todo e pelo nada, como se ele próprio fosse a missão. Será ele capaz de se reinventar para algo maior do que a espuma do tempo e do abraço?

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