É já longo o hábito adquirido de ler diariamente jornais . Iniciou-se no Porto, na minha cidade natal, com o "JN", depois o "Primeiro de Janeiro", o "Comércio do Porto", e por fim o "Norte Desportivo". Mais tarde, já em Lisboa, no princípio dos anos 70, pouco antes do 25 de Abril de 1974, seleccionei o "República", a seguir o "Diário de Lisboa", e por fim "O Jornal" e "O Jornal Novo". Era uma época rica nesta matéria, surgiam jornais, uns atrás dos outros. A democracia dava os primeiros passos, despontava a discussão política, e a imprensa proliferava como nunca, particularmente em Lisboa.
Liam-se artigos de diferentes tendências políticas, e a credibilidade do jornalismo ainda respirava alguma saúde, à excepção de um pasquim chamado "O Diabo", fundado por Maria Armanda Falcão, mais conhecida por Vera Lagoa, uma reaccionária extremista que só a tolerância de uma democracia incipiente tolerava. Havia jornais para todos os gostos e tendências, uma fartura que com o avançar do tempo se foi degradando, tal como a actividade política, e com ela a democracia que julgávamos finalmente conquistada. Os partidos abandonaram as ideologias, passando a defender as suas teses através de promessas que sabiam nunca cumprir, até chegarmos ao deboche político que hoje conhecemos.
Foi assim que se foi perdendo a ilusão de algum dia chegarmos a ver um Portugal próspero e civilizado, económica e socialmente justo. Naturalmente dir-me-ão que é mentira, que agora o país está "muito" melhor, que os pobres do interior já não se limitam a comer um naco de pão com sardinha, que há auto-estradas, enfim, um paraíso. Claro que para os que enriqueceram corruptamente (e continuam a enriquecer assim), tudo foi conquistado a pulso, com o suor do trabalho, mas isso é música em que já ninguém acredita, ou quer ouvir. Todos sabemos que a falta de vergonha impera, e nos mais poderosos, naqueles que deviam estar na cadeia em vez de desafiar o próprio poder judicial, provando definitivamente o grau de libertinagem a que chegou o próprio Estado.
Andam a iludir o povo com Comissões pró Regionalistas, procurando mais uma vez enganá-lo. Há ainda quem acredite que agora alguma coisa será feita. Desde já começam mal, ou seja, deixam a nu o rabinho da ratoeira, outra vez com o veneno do referendo. Claro que o primeiro foi mal explicado, que as regiões quadro foram confusas, divisionistas de per si, que nunca devia ter sido aprovadas. Mas, foi preciso tantos anos para chegarem a essa conclusão? Ou dói-lhes a consciência saber que nos andam a roubar, a tratar com desprezo? Ou será que o Sr. Costa quer apenas garantir uma maioria absoluta? Que "esperto" que é o rapaz. Vem vender-nos o patuá, para saberes como acreditamos em ti e na tua legião de serviçais.
E agora, que garantias nos dão de tudo o que vier a ser decidido se mesmo pouco antes das próximas legislativas continuam a discriminar o resto do país, económica e socialmente? Serão porventura gente habituada a respeitar a Constituição? A Lei? Serão mesmo? Então, porque é que a alteraram, se nela nada constava sobre o referendo para avançar com a Regionalização? Quem nos diz que não voltam a fazer o mesmo? A Lei? O que é que significa um documento constitucional para suas Exas."? Mas o que vale a Lei para os políticos? E para a própria Justiça, o que vale? Valerá a prisão de Rui Pinto, ou a liberdade de Vieira? Serão estas jogadas meliantes, a justiça nacional? Que vergonha.
Seria mais indicado que gozassem a família, não nós. Que respeitassem quem é respeitável, que não brincassem com gente séria. Qualquer dia acordam, e quando forem ao espelho deparam com um verme pela frente. Era bom que se assustassem.
Pois se ainda acreditasse na palavra dos políticos, esta seria uma boa razão para regressar ao hábito de votar, mas primeiro quero ver para crer. Lamento, mas eu não arrisco. Se me enganar, cá estarei para me redimir.