12 junho, 2014

Não chega ver bem, às vezes é preciso ver mais largo

Como vem sendo habitual, por altura dos campeonatos da Europa e do Mundo, o país fica totalmente dominado pelo patriotismo do pontapé na bola, tendo como testa de ferro do(s) governos(s) essa máquina dopante chamada comunicação social. Sou insuspeito, porque até gosto bastante de futebol. Agora, o que não sou capaz é de me deixar levar por esta onda de paranóia e de nacionalismo demagógico que a toda-poderosa e centrifugadora Lisboa, e seus agentes de propaganda, se encarregam de espalhar pelo resto do país, incluindo o Porto (o que muito me desgosta, diga-se)...

Já se adivinha a resposta: o futebol, por ser popular, é um grande catalisador de esperança e alegria, por isso, e só por isso, os nossos amigos da imprensa, da rádio e da televisão nos moem o siso com a selecção e o Ronaldo, de manhã, à noite, e pela madrugada fora. Boa gente esta, sempre disponível para nos servir com o blábláblá do costume.

Às vezes, nem sei se deva acreditar no que reza a história de Portugal, se ela não estará mesmo invertida... O que nela consta, é que fomos nós, os portugueses, quem colonizamos o Brasil. Mas custa a acreditar. Por duas razões. Uma, é por saber que foi o português falado e escrito pelos ex-colonizados que vingou para se chegar a um acordo ortográfico com o país ex-colonizador, de onde emergiu a língua-mãe. Nem ingleses, nem franceses, nem espanhóis, que saibamos, se lembraram de tal ideia, com os países outrora colonizados. Só nós mesmo. A segunda razão, é de ordem política e intelectual.

Com a realização do Campeonato do Mundo a caber este ano ao Brasil, e sabendo como os brasileiros são fanáticos pelo futebol, nem isso os impediu de se manifestarem, nalguns casos até com violência, contra o evento, por estarem descontentes com o governo e pelas dificuldades económicas e sociais que o país atravessa. E não foram meia-dúzia de gatos pingados, ou uma classe profissional específica, foram centenas de milhares de brasileiros, um pouco por todo o Brasil! Por cá, basta colocar um microfone à frente de uma pessoa para a ouvir soltar os mais disparatados e imbecilóides adjectivos de "orgulho" pátrio. É com este povo que os políticos se promovem e governam. É deste povo que eles gostam: manipulável e festivaleiro. É este mesmo povo que foi facilmente convencido a pagar uma crise com a "peta" de ter vivido acima das suas posses...

É por deturpações deste tipo, que hoje publico, discordando, do pequeno detalhe (a sombreado) do artigo abaixo reproduzido de Daniel Deusdado. Do resto, até concordo com muito que lá escreveu. E explico porquê, embora já o tenha feito em inúmeros postes. A avaliação do abstencionismo não pode continuar a ser radicalizada com o discurso populista e discriminador que reduz uma opção com diferentes fundamentações a um exército de preguiçosos irresponsáveis. O abstencionismo, tem de ser encarado definitivamente também, sob o ponto de vista de protesto, de repulsa mesmo, pelos meios democráticos vigentes por não darem quaisquer garantias aos eleitores. Haverá melhor argumento que esse? Estarão 61,2% dos portugueses contaminados pela preguicite aguda e os restantes servidores dos aparelhos partidários inchados de integridade e sentido cívico? E se os abstencionistas lhes disserem que são eles os principais responsáveis por termos os governantes de merda que temos, e por andarem a pagar uma dívida que não é a deles? O que terão para dizer?

Dou um pequeno exemplo: a guerra pelo poder no PS, entre A. Costa e AJ Seguro. Se me perguntarem qual é a minha impressão pessoal sobre os dois, só posso cingir-me a isso mesmo, a uma vaga opinião pessoal, ou seja, àquilo que penso sobre cada um, e pouco mais. E nem sequer me estou a referir a programas, a ideias precisas sobre governação, que neste caso concreto também não existem, de parte a parte.

O que pretendo dizer é que nem eu, nem ninguém deve votar por impressões, por intuições ou simpatias. Tudo isto até pode estar incluído no "pacote" eleitoral, mas a escolha tem, deve passar - agora mais do que nunca -, por garantias, por compromissos de honra efectivos, coisa que os políticos não parecem estar dispostos a assumir.

Ao que vejo, para os jornalistas, este é também um assunto tabu. Afinal, quem tem medo do compromissos sérios? Os políticos? Ou também os jornalistas?
      

6 de junho de 1944 parece ter sido há uma eternidade


 

1. Os desembarques das tropas Aliadas na Normandia, com início a 6 de junho de 1944, custaram 250 mil vidas - de soldados aliados , alemães e de civis franceses. O trajeto das tropas até Paris, arrasando os alemães e algumas cidades francesas com bombardeamentos pelo caminho, representaram a morte de mais 150 mil pessoas. Os documentários do National Geographic e do canal História na última semana deixam-nos de boca aberta não para os números apenas (porque esses são conhecidos) mas para a coragem e dor de ambos os lados, com o medo, a coragem e a rendição em imagens da época que simbolizam documentos preciosíssimos para a memória coletiva da humanidade.

2. O maior ataque militar da história da humanidade, liderado pelos generais norte-americano Eisenhower e pelo inglês Montgomery, consistiu neste feito logístico de fazer avançar perto de seis mil embarcações nesse dia, com 160 mil homens a bordo. Muitos daqueles homens não estiveram fora do barco mais do que meia dúzia de segundos. Quem estava dentro dos barcos sabia da elevadíssima probabilidade de "sair e morrer", sobretudo os primeiros pelotões. Estavam ali, ao lado, visíveis, os corpos a boiar em redor, o sangue a tingir o mar, os gritos dos feridos, os estrondos absolutos da artilharia de ambas as partes. E, mesmo assim, aqueles homens não deixaram de sair dos navios, e por serem tantos, os alemães não conseguiram abatê-los a todos.

3. Os Aliados conseguiram rasgar as linhas nazis até Paris, onde chegaram e expulsaram os alemães a 19 de agosto de 1944. Olha-se para a vitória e ela não parece ter resultado de um maior poder Aliado no terreno mas sim de um dado essencial: os soldados alemães sentiam que não tinham razão para aquela guerra. A sua rendição era quase sempre uma questão de espera. Por mais que se puxe pelos valores da "pátria", da honra pessoal ou de uma filosofia política que incuta a superioridade sobre os outros, há um momento em que o ser humano não consegue enganar-se a si mesmo. E, enquanto os Aliados percebiam que a missão valia a sua vida, os generais e tropas alemãs foram intuindo, ao longo do tempo, a insanidade a que estavam sujeitos. Matar inimigos em tempo de guerra é uma coisa; matar homens judeus, apenas por serem judeus, pode parecer a mesma coisa mas é diferente; quando a purga de Hitler obrigou os seus exércitos a executarem cidade a cidade, vila a vila, aldeia a aldeia, também as mulheres e crianças judias, os homossexuais, os deficientes, etc., começa a dar-se um salto gigante: um processo coletivo demencial em que a razão tem de ser posta de lado em função de obediência a uma bandeira, uma farda. Nem o "bom alemão", a lutar pela sua família e pelo seu povo, perde o sentido humano eternamente.

4. É neste ponto que estamos hoje. A memória humana é cada vez mais vácua. A multiplicidade de informação já impede o discernimento entre o essencial e o acessório. O Mundo está parecido com um passatempo frívolo. A "vida garantida" pelas democracias do Estado Social - pela qual tanta gente morreu - parece eterna. Daí os abstencionistas vitalícios, os novos nazis ou estalinistas sem Estaline. Daí a obediência servil ao mais forte - o Estado, o mercado, um qualquer dono da nossa vida. Pensarmos, enquanto sociedade, que a indiferença, o silêncio ou a abstenção é um valor em si, é abrir caminho aos demagogos. E nada mais fácil do que a economia para a alimentar, como aliás fez Hitler. Por isso 6 de junho de 1944 parece ter sido há uma eternidade na Europa, olhando-se para os resultados das eleições para o Parlamento Europeu ou para a rutura de um projeto europeu cada vez mais dividido entre fortes e fracos. Os meus filhos ou netos partirão para uma qualquer guerra (seja de que tipo for), consequência apenas desta falta coletiva de memória? Putin, Le Pen, o hermetismo alemão, a ingovernabilidade crescente da Ásia, o interminável fanatismo islâmico, mas também a demencial exploração dos recursos naturais e a emissão de CO2, todos eles, são factos sem recuo? Estou cada vez mais convencido de que a chave para se sair desta pré-loucura não passa pela economia. É hora da história.

09 junho, 2014

Um dragão sem chama e sem maestro...

Há coisas verdadeiramente incompreensíveis no FCPorto dos últimos tempos...

Consta, à boca pequena, que o FCPorto se prepara para apoiar a candidatura à presidência da Liga do político, advogado e comentador desportivo, Fernando Seara. A ser verdade, por mais nebulosas que sejam as negociações nos bastidores do futebol, e por mais perspicaz que possa ser a estratégia do FCPorto para essa propagada "aliança", ninguém compreende uma coisa destas. Se não for verdade, como quero crer que não seja, mais uma vez o FCPorto permite com a táctica estafada do silêncio, que as especulações se difundam, até que todos acreditem no boato.

Nem sequer é o facto do referido candidato ser benfiquista que mais me inquieta, é sim a fraca personalidade do mesmo. Qualquer pessoa que tenha acompanhado um ou outro programa desportivo onde Seara faz os seus comentários não terá dúvida quanto à sua têmpera de intriguista e manipulador. E os portistas em particular, sabem-no melhor que ninguém. A confirmar-se o boato, ficarei muito decepcionado com Pinto da Costa, e pensarei duas vezes, se o deva apoiar ou não, caso no futuro ele volte a ser atacado por alguém ligado ao Benfica, ou à clã centralista que domina a comunicação social do país.

Pela blogosfera portista cresce o descontentamento com o FCPorto actual, tanto com os resultados desportivos, como com a política de comunicação que é praticamente inexistente, sobretudo quando se trata de defender a imagem do clube. Mesmo as victórias, que não têm sido propriamente uma rotina este ano em quase todas as modalidades (excepto o andebol), não devem servir de pretexto para dispensar que a verdade dos factos seja, como continua a ser, adulterada e devidamente reposta. É o prestígio e a honra do clube que está em causa , e quem diz do clube diz dos adeptos que sentem na pele os ataques que a comunicação social não pára de fazer. Isto, já para não falar da omissão de tudo o que concerne o FCPorto por mais relevante que seja. A este propósito devo salientar que os adeptos que mais sofrem com esta passividade - tão estranha ao ADN guerreiro de Pinto da Costa -, são precisamente aqueles que o acompanham e apoiam para todo o lado, e são quem mais sujeitos estão à barbárie dos rivais de Lisboa, descaradamente silenciada por uma comunicação social corrupta.

Assistimos impávidos e serenos [a direcção do FCP] ao cavalgar galopante sobre todas as regras desportivas por parte dos principais clubes rivais com o FCP com manifesto prejuízo para este, sem que a outrora implacável voz de Pinto da Costa se faça ouvir em tempo oportuno. Isto está a acontecer com uma frequência inaudita e preocupante, o que também contribui para afrouxar a combatividade dos atletas nos confrontos directos com os adversários como aconteceu ontem na final da Taça de Portugal, cuja federação permitiu a inclusão de um jogador castigado, coisa impensável se fosse com um atleta portista.

Enfim,  atletas, treinadores e simpatizantes rebentam de revolta e o senhor presidente parece não dar por isso. O que é que se passará?  A lei da rôlha estará de volta? O FCPorto, nomeadamente Pinto da Costa terá perdido o tal espírito guerreiro que ainda há dias evocou? Não é uma questão de pessimismo, é uma constatação: os portistas não estavam habituados a tanta moleza, quase submissão. Serão alheias a esta mudança de postura os resultados desportivos? Creio que não. Uma coisa, pode bem levar à outra... 

08 junho, 2014

A nova agenda dos autarcas



É difícil imaginar o que seria o Portugal de hoje sem os quase quarenta anos de Poder Local democrático. Até às primeiras autárquicas, em 1976, o país era uma espécie de paisagem rural, onde a pacatez e a fome coabitavam num equilíbrio que quase parecia natural. Deste "mar de tranquilidade", destoavam a capital, o Porto e um pequeno núcleo urbano chamado Coimbra. Na generalidade do território, era comum ver crianças a caminhar para a escola de pés nus sobre estradas de terra. Para ter um dia os pés calçados era necessário abandonar a escola e ir atrás dos calos nas mãos.

A primeira geração de autarcas herdou um país onde a obra pública fora da capital praticamente inexistia, refém dos magros recursos resultantes de um modelo económico de baixíssimo valor acrescentado. Foram eleitos com base em programas de ação exclusivamente dedicados ao investimento tangível, procurando suprir défices infraestruturais e de equipamentos. O autarca-empreiteiro arregaçou as mangas e, através de uma profícua combinação de políticas de solos e fundos comunitários, mudou a face do país. O abastecimento de água, a eletrificação, o saneamento, o destino final dos resíduos, as estradas, as escolas, as piscinas, tudo isto que antes era desconhecido passou a existir. No teste do tangível, que fez sentido durante três décadas, os autarcas passaram confortavelmente, nalguns casos com distinção. E o país deve-lhes esse reconhecimento.
Todavia, os fatores de competitividade dos territórios alteraram-se radicalmente na entrada do século XXI. Com a infraestrutura realizada e a habitação construída, o modelo de atuação e de financiamento dos próprios municípios caducou. Trata-se agora de atrair residentes, estudantes, talento, turistas, eventos, capital, empresas e instituições. O perímetro de competição deixou de ser o imediato para se estender à região, ao país e, nalguns casos, ao Mundo. Os tangíveis betão e asfalto, outrora ganhadores, foram substituídos pelos intangíveis conhecimento, inovação e distinção.

É nesta alteração de paradigma que estão os desafios do presente e do futuro para os municípios. Porque sou sensível à centralidade da política autárquica no quadro da competitividade das cidades (e também dos territórios de baixa densidade), tenho observado atentamente os passos de alguns autarcas. E tenho percebido que, após a eleição de setembro último, há uma nova atitude.

Tomando esta região que vai do Porto a Viana, dá para perceber que os autarcas dedicam parte da agenda à economia e à inovação nos seus territórios, desdobrando-se em visitas a empresas, iniciativas envolvendo investidores, programas de incentivos à criação de emprego e à eficiência coletiva. Esta semana, por exemplo, foi ver Rui Moreira a mostrar que o Porto pode crescer em emprego e sofisticação das suas empresas, naquilo que designou por contraciclo com o país. Ou Paulo Cunha a lançar em Vila Nova de Famalicão o Finicia II, que permite o financiamento de pequenas e médias empresas. Ou Domingos Bragança a aderir ao programa de redes elétricas inteligentes da EDP e, assim, adicionar racionalidade energética a um casco histórico emblemático pela qualidade da sua reabilitação. Ou Ricardo Rio a nomear "embaixadores empresariais" de Braga. Ou ainda José Maria Costa a assinar um acordo de cooperação com o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, para promover a internacionalização das empresas de Viana do Castelo junto do mercado francês.

Os tempos em que o presidente de câmara ficava sentado na sua cadeira a receber a constelação de empreiteiros, que durante a semana congestionavam os serviços municipais, foram agora substituídos por tempos em que são os autarcas que circulam pelas empresas, na tentativa de compreender e apoiar os mecanismos de criação de emprego e de riqueza. É que sabem bem que se acabaram as chorudas taxas urbanísticas e que só através do valor acrescentado gerado no município poderão obter o financiamento necessário para cumprir as competências que lhes estão atribuídas. Essas e aquelas que o Estado central devia cumprir, mas não cumpre. Mas este caminho só será efetivo quando existir uma lei das finanças locais que garanta aos municípios instrumentos de trabalho adequados a tão grande alteração de paradigma.

[do JN]