Bidonville |
Sou port(o)guês, não lisbonário, e a partir do momento em que concedemos ao Brasil o privilégio de adaptarmos a nossa língua [mãe] ao português escrito nesse país, também nós temos o direito de criar a nossa própria ortografia particular, concorde-se, ou não, é irrelevante.
O programa da RTP, "Assim se fala em bom português", é o que mais gozo me dá contrariar. E eu, vou contrariá-lo até morrer, escrevendo sempre conforme me ensinaram. O efeito instantâneo que esse programa em mim provoca, é mudar logo de canal, mas às vezes opto por ver até onde vai a insolência de quem anda a difundí-lo para melhor os conhecer. Quanto mais insistem em desrespeitar os professores que nos ensinaram a escrever de uma determinada maneira sem preocupações com outras normas ortográficas, viessem elas do Brasil ou de Timor-Leste, mais eu vinco o meu port(o)guês "arcaico". O inglês também é falado de modo variado em imensos países anglófonos (incluindo os Estados Unidos) e nem por isso a ortografia foi objecto de qualquer alteração legal. Mas isso, são os ingleses, que têm uma ideia mais plausível do que é o orgulho nacional, ainda que nem sempre pelas melhores razões, diga-se.
O programa da RTP, "Assim se fala em bom português", é o que mais gozo me dá contrariar. E eu, vou contrariá-lo até morrer, escrevendo sempre conforme me ensinaram. O efeito instantâneo que esse programa em mim provoca, é mudar logo de canal, mas às vezes opto por ver até onde vai a insolência de quem anda a difundí-lo para melhor os conhecer. Quanto mais insistem em desrespeitar os professores que nos ensinaram a escrever de uma determinada maneira sem preocupações com outras normas ortográficas, viessem elas do Brasil ou de Timor-Leste, mais eu vinco o meu port(o)guês "arcaico". O inglês também é falado de modo variado em imensos países anglófonos (incluindo os Estados Unidos) e nem por isso a ortografia foi objecto de qualquer alteração legal. Mas isso, são os ingleses, que têm uma ideia mais plausível do que é o orgulho nacional, ainda que nem sempre pelas melhores razões, diga-se.
Por falar em orgulho, passada a euforia natural da conquista do Euro de futebol, que até a mim que não vou em palhaçadas me comoveu - não ao ponto de ir festejar para a rua com a bandeirinha na mão -, há coisas que me ultrapassam, que não consigo entender quando oiço certos portugueses pronunciarem essa poderosa palavra. Orgulho. A língua portuguesa, já alguém disse, é muito traiçoeira, mas esta é uma daquelas palavras que merecem ponderação acrescida antes de ser dita, até porque comporta pelo menos três traduções: vaidade, desdém, ou honra.
Entendo bem os emigrantes, até porque eu próprio vivi e trabalhei em França ainda muito novo, embora pouco mais de três anos. Vivi em Paris, Lille, Tours e outras cidades menos relevantes, com tempo e oportunidades para me aperceber das dificuldades por que passaram esses nossos conterrâneos. Por aquela época havia um bairro em Paris conhecido por Bidonville (creio que não foi totalmente eliminado) que era praticamente só habitado por portugueses e magrebinos. Era constituído por minúsculas barracas com telhado chapado (como o da foto) sem quaisquer condições. Não foi o meu caso felizmente, porque tinha lá conhecimentos de amigos franceses, mas pude ver com os meus próprios olhos as privações porque passaram esses portugueses. Conheci gente muito boa, pura, corajosa, autêntica, mas também vi do pior, como é inevitável, nestas situações. Eram quase todos nortenhos, do interior, e muitos transmontanos.
Fálo-vos de um tempo em que não havia telemóveis para contactar a qualquer momento com a família, nem instrução primária para facilitar a adaptação ao país e à língua. A maioria dos emigrantes era analfabeta. Ajudei, tanto quanto pude os melhores, os que estavam lá para fugirem à miséria, aqueles cujo carácter não enganava ninguém, apesar da sua humildade. Foi lá que fiz as melhores amizades, aquelas que o tempo e as circunstâncias não são capazes de fazer esquecer.
Actualmente, os emigrantes já partem daqui com alguma formação básica, e outros até com formação superior, com meios que tornam a partida e a distância da terra mais toleràveis. Mesmo assim, a razão que os leva a sair do país é a mesma de outrora, se não pior: falta de trabalho, e de salários dignos. Ora, quando um povo - e falamos de milhões de pessoas - se vê reiteradamente empurrado, convidado mesmo, a emigrar, por quem tudo devia fazer para o integrar económica e socialmente no seu país, pergunto: de que tipo de orgulho estarão a falar os emigrantes? Do orgulho/desdém, do orgulho/vaidade, ou do orgulho/honra?
Actualmente, os emigrantes já partem daqui com alguma formação básica, e outros até com formação superior, com meios que tornam a partida e a distância da terra mais toleràveis. Mesmo assim, a razão que os leva a sair do país é a mesma de outrora, se não pior: falta de trabalho, e de salários dignos. Ora, quando um povo - e falamos de milhões de pessoas - se vê reiteradamente empurrado, convidado mesmo, a emigrar, por quem tudo devia fazer para o integrar económica e socialmente no seu país, pergunto: de que tipo de orgulho estarão a falar os emigrantes? Do orgulho/desdém, do orgulho/vaidade, ou do orgulho/honra?
Dos três tipos de orgulho atrás citados o que menos me custa aceitar é o da vaidade. A vaidade, porque, não podendo ser o desdém, também não pode ser o da honra. Porque, apesar do sentimento de orgulho comportar alguma ambiguidade, tanto os portugueses emigrantes como os residentes não podem honrar-se de viver num país que nem depois de 42 anos de democracia conseguiu passar a fasquia da mediocridade. Construímos novas pontes e auto-estradas, mas o salário mínimo nacional permanece dos mais baixos da Europa "comunitária". Essa honra, esse orgulho, os emigrantes foram-na buscar a França e a outros países, que não ao seu.
Por isso, seria bom não confundir a terra, a aldeia, a família e os amigos, com o país, porque isso é emocionalmente legítimo, mas intelectualmente impróprio. A vaidade pela victória da selecção nacional de futebol, espelha e encobre ao mesmo tempo, o que nos falta conquistar como país socialmente harmonioso e justo.
É de um país assim que devemos ambicionar, porque ainda estamos muito longe de o ter. De resto, e em síntese, o orgulho, com toda a sua complexidade interpretativa, é acima de tudo um sentimento de suprema dignidade. E a dignidade de um povo, para se levar a sério, não pode ficar refém da conquista de troféus desportivos, embora saibam sempre bem.
Por isso, seria bom não confundir a terra, a aldeia, a família e os amigos, com o país, porque isso é emocionalmente legítimo, mas intelectualmente impróprio. A vaidade pela victória da selecção nacional de futebol, espelha e encobre ao mesmo tempo, o que nos falta conquistar como país socialmente harmonioso e justo.
É de um país assim que devemos ambicionar, porque ainda estamos muito longe de o ter. De resto, e em síntese, o orgulho, com toda a sua complexidade interpretativa, é acima de tudo um sentimento de suprema dignidade. E a dignidade de um povo, para se levar a sério, não pode ficar refém da conquista de troféus desportivos, embora saibam sempre bem.