24 agosto, 2012

A vigarice continua

«Em entrevista à TVI, o economista António Borges e  antigo vice-presidente do PSD considerou que esta é uma “hipótese muito atraente”, por dar a um operador privado “melhores condições” para gerir a empresa.

O Estado deixa de ficar com responsabilidades” na gestão, mas “não perde completamente” a possibilidade de, mais tarde, vir a recuperar a concessão.»

Nota de RoP:
Quando os ouço falar de responsabilidades, já não sei se deva rir, ou chorar. Público ou privado, o bordel vai continuar. 

Ah, e nós, os traídos do 25 de Abril, vamos continuar a descontar na factura da electricidade para a panela destes ordinários.  

23 agosto, 2012

Regionalização = Mais Democracia e menos Centralismo


Regionalização poderia vir a introduzir uma nova componente no nosso sistema de Democracia representativa, que são as autarquias regionais. Estas autarquias que teriam legitimidade democrática própria, poderiam vir a assumir atribuições e competências actualmente concentradas na Administração Central que ou nem sequer ainda estão desconcentradas, ou que, se o estão, estão a ser exercidas regionalmente por organismos não eleitos da burocracia do Estado Central.

Por esta razão, a regionalização poderia constituir um aprofundamento do nosso sistema de Democracia representativa.

A alternativa é, pois, entre uma situação em que as decisões públicas que dizem mais directamente respeito às regiões são tomadas a nível central muitas vezes por burocratas não legitimados pelo voto popular, e uma situação em que essas decisões são tomadas a nível regional por órgãos eleitos pelas populações a quem dizem mais directamente respeito as decisões em causa.

Para quem seja defensor do aprofundamento da Democracia representativa a escolha entre estas duas alternativas é clara: descentralizar.

Podendo constituir-se como, um passo em frente no sentido da descentralização das decisões públicas, a regionalização poderia corresponder a "menos Terreiro do Paço" ou seja, menos centralismo.

Se as decisões públicas a tomar se referem a problemas que dizem respeito essencialmente a determinada região, na maior parte dos casos essas decisões serão melhores se forem tomadas por quem está mais próximo das respectivas populações, foi eleito pelo seu voto, voto esse que também pode destituir os decisores políticos em questão se o seu desempenho não for satisfatório para as populações que representa.

regionalização, poderia deste modo descentralizar o sistema de Democracia representativa e também poderia contribuir para fortalecer as organizações da sociedade civil que, de formas variadas, trabalham no terreno em prol do desenvolvimento local e regional.

Estas organizações, pela sua localização e pela sua dimensão, têm geralmente muitas dificuldades de acesso ao poder central. As autarquias regionais, a exemplo do que já acontece com muitos municípios, seriam interlocutores mais próximos e mais sensíveis aos seus problemas e aos seus projectos.
 
[De: António Almeida Felizes/Blogue Regionalização]

22 agosto, 2012

Verdades e legalidades à moda do Benfica

Volvidos 38 anos a ver assassinar a liberdade de expressão, que é afinal a migalha que nos resta de uma Democracia traída, estou ainda por saber qual foi a importância para o país da constituição de governos eleitos com a legitimidade do voto popular. É que, a legitimidade em si não confere qualidade aos votos do povo, o que significa que nem a liberdade  chega para tornar um povo consciente dos seus deveres e direitos cívicos, em suma, um povo ciente do que quer, e quem quer, para o governar.

Pessoalmente, prezo muito a liberdade, mas não me importava nada que ao longo destes anos tivesse tido um ou mais governantes com coragem para dizer ao povo algo como isto: «a liberdade é demasiado importante para ser maltratada, por isso, há que a merecer. E para a merecer não vale fazer batota. Por conseguinte, meus senhores, quem fizer batota terá de ser responsabilizado». Mas, para o recado passar, teriam de acrescentar isto: «Pela parte do Governo tudo faremos para não vos defraudar. Seremos os primeiros a servir-vos de exemplo, ou seja, a não fazer batota. Finalmente, teriam de dar garantias com isto: «em caso de incumprimento ao prometido, facultaremos ao povo mecanismos legais simples e céleres, para nos destituir  e eleger novo Governo».   "Olha, lá está este outra vez a sonhar", estarão alguns agora a pensar. Pois é. Lá dizia o outro que o sonho comanda a vida, e entre ser comandado pelo sonho ou por vigaristas bem falantes eu prefiro o sonho.

Se na história recente pós Abril/74 tivéssemos tido líderes à altura, com uma visão correcta da democracia, talvez hoje fossemos poupados a espectáculos degradantes, como termos assassinos no Conselho de Estado, deputados que surripiam gravadores a jornalistas, já para não falar das grandes negociatas ou do enriquecimento ilícito de um razoável número de políticos. É que, semelhantes comportamentos, além de reprováveis, têm o inconveniente de contaminarem toda a sociedade.

Se a liberdade privilegiasse a seriedade e reprimisse a fraude, seria impossível ouvirmos coisas como as que proferiu o empresário do jogador Luisão do Benfica aos jornalistas acerca de um eventual castigo pela agressão sobre um árbitro num jogo recente com uma equipa alemã. Disse ele que (sic) «elementos do Benfica garantiram ao jogador haver poucas possibilidades de ser castigado». E acrescentou:  «ele apenas se limitou a defender um colega. Ia a correr e chocou contra o árbitro. Não tinha intenção de o fazer».  «Foi só um encontrão, estão a fazer uma tempestade num copo de água. Ele está tranquilo e focado no trabalho, no seu dia a dia. Sabe separar as coisas, um jogador da sua envergadura consegue suportar isto».

Ter o desplante de negar o que aconteceu, com imagens que não deixam a menor dúvida, é atentar cobardemente contra o direito à liberdade de expressão e contra quem preza os bons costumes. Mas nem sequer é o empresário o maior irresponsável, são os dirigentes do clube, a comunicação social que neste caso se demite de fazer pedagogia, e o próprio jogador.

Imagine agora o leitor que vai na rua descansado e depara com um tipo a uma distância de uns 10 metros que desata a correr na sua direcção, provoca o choque consigo  [inadvertidamente, ou não, para o caso é irrelevante] e você cai inanimado. O que diria quem assistiu a esta cena se no fim dissessem que você caiu de propósito, que simulou o desmaio pervertendo completamente a verdade dos factos? Como é possível então colocar em dúvida a intenção do jogador? E como é possível que alguém do Benfica adiante prognósticos sobre decisões do foro da Justiça? E como é possível que os jornalistas não se indignem com a situação? E como é possível ainda tudo isto passar despercebido e sem merecer comentários das instituições do Estado e das autoridades desportivas nacionais? 

Ah, mas que espanto o meu... É possível sim senhor, porque vivemos num país medíocre, onde a depravação moral dos líderes há muito bateu no fundo. Estamos entregues a nós próprios. Em "liberdade"...

Astérix, Obélix e o facebook



Como nos deliciosos livros de Goscinny e Uderzo, quando se fala no facebook eu sinto-me habitante de uma pequena aldeia gaulesa. Como aquela onde Astérix, Obélix, Assurancetourix e quejandos resistiam aos invasores romanos.

Convém que logo nesta abertura esclareça que o domínio em que me sinto assim é exclusivamente o domínio pessoal, da minha privacidade. Bem ao contrário, nas minhas atividades profissionais e empresariais, dou-lhe a corda correspondente à utilidade e capacidade que lhe reconheço como poderoso instrumento de marketing e comunicação.

Sempre que dou conta desta minha "lacuna" na conversa com amigos e amigas de várias idades e estratos, sou alvo de alguma chacota e de piadas recorrentes que já não me fazem "mossa" alguma. Aliás, ultimamente, sou eu que tenho rido mais (e melhor, segundo se diz de quem ri por último) nas oportunidades, cada vez mais frequentes, de confrontar esses meus amigos e amigas mais moderninhos com as tristes consequências da exposição pessoal no facebook e atividades similares.

Julgo que atingimos o limite da nossa luta pela liberdade. Neste mundo moderno, claro, porque ainda existem lugares no Mundo em que povos inteiros lutam pela liberdade contra terceiros, que é a tradicional luta que conhecemos há séculos.

Voltando ao Astérix, desde os tempos dos romanos que a luta pela liberdade é entre quem oprime e que se sente oprimido. Contra terceiros de má-fé, portanto...

O que se passa agora é que já não são terceiros quem ameaça a nossa liberdade, mas antes a primeira pessoa: nós, os nossos comportamentos, as nossas faltas de cuidado, os nossos desleixos, o nosso deixa andar, o nosso Maria-vai-com-as-outras, as nossas ansiedades de em tudo querer ser da linha da frente, a nossa vontade de voar, mesmo quando nos faltam as asas ou a cama é curta.

Talvez por ser um óbvio ululante, esta ameaça "interna" à nossa liberdade é capaz de ser a mais difícil de combater. Contra a força dos outros e contra os argumentos dos outros, melhor ou pior, com mais força ou menos força, sabemos que é preciso lutar e sabemos como é preciso fazê-lo. Neste caso em que a força ou a falta dela é nossa e os argumentos mais convincentes ou menos convincentes são nossos também, é que a porca torce o rabo.

Aceitamos facilmente como dogma que na net ou no facebook nós é que decidimos o que dizemos ou mostramos e a quem o fazemos. Achamos que dominar o monstro e a tecnologia é "canja" porque a (nossa) inteligência humana vence sempre qualquer máquina.

Os meus pais já ultrapassaram os 80 anos à velocidade da luz e nunca quiseram ser gauleses, neste mundo que tem rodado a uma velocidade que nem todos conseguem acompanhar. Mas tenho a certeza de que não estariam, não estão, preparados para sofrer um choque como o que deve ter sentido aquele pai lisboeta a quem enviaram um mail com imagens da filha, nua, em brincadeiras com amigas, que pelos vistos saiu de uma partilha supostamente privada de um facebook para as avenidas e autoestradas, sem portagens e sem controlo, da Internet.

Por mim, que só posso falar por mim, estou em condições de garantir aos meus pais que, pelo menos no que me toca e neste particular, podem continuar a viver descansados. Simultaneamente, tudo farei para tentar que a minha querida filha, que ainda há pouco tempo aprendeu a ler, me possa dar este mesmo descanso. Sabendo eu que muitos destes acidentes acontecem mais por falta de informação do que por falta de formação.

Nota de RoP:

Gerir um blogue constitui desde logo uma responsabilidade. Em primeiro lugar, para o seu administrador, depois para os cooperantes e por último para os comentadores, cabendo no entanto ao seu proprietário a principal responsabilidade por tudo o que publica, incluindo a  aprovação ou eliminação de comentários. Mas, é simples de controlar. Já sobre o Facebook e outras redes socias do género, tenho sérias dúvidas. Tem uma exposição excessiva e uma objectividade muito relativa.

O que o texto de Manuel Serrão aqui relata vem de certo modo ao encontro do meu cepticismo com estas redes sociais, e não creio que seja exagerado receá-las, porque embora possamos "dominar o monstro" [como diz Serrão] a ameaça interna à nossa liberdade é real. Basta um descuido, como o da rapariga que se "deixou" filmar na intimidade, provavelmente sem imaginar o que lhe estavam a fazer.

É por estas e outras que tenho eliminado todos os convites de "amizade" que me surgem na caixa do correio. Já estive registado e desactivei o registo várias vezes, e continuo a receber convites... Não percebo. Mas percebo menos que Cavaco Silva - e outras pessoas com teóricas altas responsabilidades - se preste a entrar nestas redes sociais sem perceberem que além de constituírem uma ameaça à privacidade das pessoas, podem servir para tudo menos para comunicar. Na minha opinião, a visibilidade do Facebook não passa de foguetório de brigas e cobardias, mais para destilar ódios que para esclarecer e estreitar relações Não sou cliente.  

21 agosto, 2012

Hipocrisia sazonal

De vez em quando, talvez para limparem a [má] consciência, determinados jornalistas, como este aqui, por exemplo, decidem quebrar o jejum das crónicas conformistas que normalmente escrevem e levantar o véu da hipocrisia que hoje se instalou ferozmente na política e na própria sociedade, para dizerem algumas verdades.

No caso em apreço, o autor referiu a Líbia, o Iraque e a China. Mas também podia falar de Angola, cujo presidente e respectiva prole, nomeadamente a sua filha mais velha, Isabel dos Santos, têm negócios relevantes com Portugal.

Só para citar alguns, sabe-se que detém importantes participações no banco Millenium BCP, BPI, BIC, e noutras empresas como a Galp Energia, a Zon Multimédia e mais recentemente uma parceria entre a Sonae e a empresa angolana Condis. Consta mesmo que é Isabel dos Santos quem anda a financiar o Benfica, e caso o rumor se confirme, podemos estar certos que não será pela nossa comunicação social que iremos sabê-lo...

Angola, queixou-se outrora do colonialismo português, mas agora goza da má fama de ser um dos países mais corruptos do continente africano. Levará o senhor jornalista em boa conta este lembrete? Veremos o que dizem os próximos artigos sobre as nossas relações com a mui nobre República Popular de Angola.

Vale isto por dizer, que quando se trata de dinheiro, a  "receita" da casa é mandar a moral de férias e tratar da vidinha, porque para os lusos homens as coisas da integridade são meramente sazonais, como ir a banhos para a praia recomenda o verão. Pelo menos as árvores, mesmo as de folha caduca, quando morrem, mantêem a integridade perene. E depois, certos homens têm muitas maneiras de "matar pulgas", que é como quem diz, de brincar à integridade, como, por exemplo, falar da violação dos direitos humanos de outros países [como a China], para se auto-proclamarem humanistas e afastarem as atenções de países que também não os respeitam [como Angola] mas metem cá muito dinheiro...

Portanto, é preciso ter mais cuidado quando falámos de hipocrisia. Porque nem a China nem a EDP estão sós nesta "cruzada" nem são mais hipócritas que os órgão de comunicação social [incluindo os estatais], cuja submissão ao poder económico é absoluto, ou não fossem eles fiéis serventuários do centralismo, tal é a proximidade física e ideológica com os órgãos do poder.

Em Portugal, e no Norte, o único jornal que foi capaz de vestir integralmente o "equipamento" regionalista foi o Grande Porto, e mesmo esse é um semanário, ainda pouco conhecido do público.

A integridade não é de facto para todos.

19 agosto, 2012

Iremos sofrer como o ano passado, ou é só o 1º. jogo?



Na época passada escrevi aqui no Renovar o Porto - e menos enfaticamente, na blogosfera portista -, que não acreditava na capacidade real de Victor Pereira para treinador do FCPorto.  Agora, não vou repetir o que escrevi nessa altura, mas pelos sinais que os primeiros jogos da equipa me dão, acrescidos dos que o treinador transmite cá para fora, quase que o podia fazer sem mudar muito o conteúdo. 

Antes de prosseguir com a minha premonição, insisto dizendo que nada de pessoal me move contra Victor Pereira, e que sei muito bem separar os sentimentos das competências. E, embora discorde daqueles que subestimam a opinião dos adeptos, chamando-lhes ironicamente "treinadores de bancada" - mas sem eles próprios se furtarem a fazer esse papel -, evitarei entrar em detalhes de ordem técnico-táctica na fundamentação das minhas opiniões. É pois, tempo de mostrar mais respeito pela opinião dos adeptos [nos quais eu me incluo], e de admitir que se tanto e tantos gostam de futebol, é porque alguma coisa devem perceber sobre o assunto. Isto, claro, descontando aqueles que vêm o futebol como uma doutrina fundamentalista que tudo justifica na procura cega e obsessiva de victórias. Como qualquer adepto, prefiro victórias a boas exibições, porque além de moralizarem servem para ofuscar os maus espectáculos, mas o padrão de exigência não pode nem deve ficar-se por aí. Em competição, é da condição humana querer mais e melhor, como reza, aliás, o lema olímpico: "mais rápido, mais longe e mais forte".

Ora não foi nada disso que vi este fim de tarde em Barcelos. O que vi, foi uma réplica angustiante do cenário do campeonato transacto. Uma equipa lenta, que continua refém das iniciativas individuais dos jogadores, sem uma marca forte do treinador, nem um estilo de jogo bem definido. Os lances são demasiadamente afunilados pelo meio, os laterais raramente sobem à linha a cruzar, e quando o fazem, as bolas são repetidas vezes dirigidas para a terra de ninguém tornando impossível rentabilizar o trabalho do ponta de lança que é marcar golos [confirma-o o único golo marcado à Académica por Jackson Martinez para a Taça]. Continuamos a observar má qualidade no tempo e na direcção dos passes, uma desesperante inépcia no remate, e os jogadores a atrapalharem-se uns aos outros na grande área. Tudo, insuficiências do passado recente...

A época ainda agora começou, estarão alguns já a zurzir [armando-se em mais portistas que eu]. Pois é, mas acontece que eu não sou masoquista, e não estou para destruir o meu sistema nervoso a ver jogos desta natureza. Já me bastou o ano passado. É certo que ganhámos o Campeonato, com seriedade e justiça, mas com muito pouco brio, convém admitir. O FCPorto, habituou-nos a funcionar como tónico contra as desconsiderações e sacanices dos governantes, e não como estímulo pró-depressivo. Se os próximos jogos forem uma continuidade do ano passado [e de hoje], deixo esse espectáculo para outros mais masoquistas. Eu passo.

Quem conhece o FCPorto, já sabe, tem de contar com arbitragens duvidosas. Na dúvida, o prejuízo reverte quase sempre contra nós. Não vale a pena queixarmo-nos dos árbitros no fim dos jogos se no princípio dissermos que não comentamos arbitragens. Se o FCPorto não jogar o suficiente para superar as asneiras dos árbitros, bem podemos arrumar as botas que não ganhámos nada. Há muitos anos que a sina é esta. Portanto, Victor Pereira só tem uma solução que é colocar os jogadores certos no lugar certo e ensinar-lhes a jogar em equipa [se souber]. Para já ainda não vi nada de especial. Ganhámos a super-taça, está bem. E o resto? Teremos este ano o mesmo futebol do ano passado? Se sim, eu não serei espectador.

Disse a época que passou que não me importaria de engolir sapos se Victor Pereira me surpreendesse pela positiva, é verdade. Mas, apesar de ganharmos o campeonato, ainda não estou convencido. Portanto, o sapo fica para o futuro, lá mais para diante. E, chegados lá, o que eu realmente queria era não ter razão, e que além de termos acumulado muitas victórias, tivéssemos também para recordar exibições convincentes. Eu gosto de futebol. Do bom, se não se importam.

O discurso e a tática



Subitamente, algumas vozes que antes se notabilizaram por denunciar os vícios do centralismo mudaram de opinião ou de tática, e apelidam esse mesmo discurso de doentio. Ora, continuo a acreditar que a hipercapitalidade é, essa sim, a principal doença do país. Continuo a ver, todos os dias, sintomas de um centralismo discriminatório que protege o umbigo do regime e aquilo que se avista do Terreiro do Paço, que esquece o resto do país e que olha o Norte e o Porto ora com sobranceria ora cobiçando aquilo que temos, e que já é muito pouco. Infelizmente, a situação não mudou. Bem pelo contrário porque, à medida que o país se torna mais pobre, cresce a tendência para fazer cortes cegos na periferia da capital do império. E, como se sabe, Portugal vive há muitos anos em crise, que não é alheia a esse centralismo devorador.

Não se trata pois de hipocondria ou, como um dirigente partidário local me sugeria há dias, de criar ruído e contaminar a opinião pública. Infelizmente, os factos impõem que se continue a fazer o mesmo discurso, que denuncia uma doença grave, que resiste à sucessão de governos por estar tão enraizada que se transformou num dos paradigmas do regime e do nosso débil modelo de desenvolvimento.

Não se trata, sequer, de fazer um discurso contra Lisboa, na medida em que o que se defende é útil para todo o país e, por isso, para a capital. Esse discurso contribuiu, aliás, para que o porto de Leixões tivesse mantido a sua autonomia, que estava ameaçada. Esse discurso serve para questionar o modelo de privatização da ANA, que pode ter consequências dramáticas para o nosso aeroporto. Da mesma forma, serve para questionar por que razão os compromissos assumidos quanto à reabilitação urbana do Porto têm sido adiados, por que razão continua a haver desvios no QREN que prejudicam o Norte, por que motivo o interior vai sendo despojado, através de uma cura de emagrecimento que não é aplicada com a mesma severidade à capital, por que critério de equidade se viabilizam as finanças da capital através negócios com o Estado a que os outros municípios não têm acesso, como é possível que não haja financiamento para as empresas exportadoras mas haja recursos para apoiar os especuladores e os grupos que têm influência nos corredores do poder.

É certo que, se não nos podemos resignar, também não podemos deixar de assumir as nossas responsabilidades. Não podemos ceder, é verdade, ao bairrismo bacoco ou tentar invocar, para o Porto, uma capitalidade alternativa que nunca nos será reconhecida quer por Lisboa quer pelo resto do país. O Porto deve mobilizar todos os seus méritos e talentos para defender soluções que, sendo relevantes para a cidade e região, também sejam benéficas para o todo nacional; deve liderar o debate estratégico sobre a subsidiariedade.

Concordo que deve ser menos queixoso e mais ousado, que deve ser insolente perante os poderes do centralismo, que deve saber olhar para tudo o que tem antes de reclamar por aquilo que não tem. Um Porto "que não espere pelos decretos para agir, pelas crises ministeriais para pedir, pelas crises para reagir", como disse Miguel Veiga. Mas, como eu escrevi no meu livro "Uma questão de carácter", já em 2009, "sendo essa a parte endógena da questão, ainda acredito que se a sua classe política assumir esse desafio, não precisará de dobrar a espinha para recuperar o seu indispensável protagonismo. Mas, na relação com esse poder central, o Porto não pode hesitar entre os estilos, não pode hoje suplicar por auxílio e, no dia seguinte, reclamar com veemência. Não pode aceitar o discurso de o que chega pela mão dos governantes é uma dádiva, não se pode ajoelhar para o agradecer. O Porto não pode tolerar que alguém, dentro das portas da cidade, tenha o topete de dizer que uma qualquer benesse é uma dádiva do Governo. Pelo contrário, é preciso que exija sempre o que lhe é justamente devido e logo que consegue o que exigiu, deve clamar que não foi mais do que uma questão de justiça". Creio que tudo o que escrevi há três anos continua a ser verdade.

Nota de RoP: 
Uma dessas vozes chama-se Carlos Abreu Amorim. Uma decepção deplorável. 

Quando um homem decide hipotecar a sua inteligência à ambição pessoal, sem pesar tudo o que disse contra o centralismo, só porque passou a militar num partido político, compromete inexoravelmente a própria honra.