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ANTÓNIO BARRETO |
É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou
quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum
impera.
A linguagem é automática.
A preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção.
vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A
submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de
inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos
no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe
trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os
alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos
noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem
estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as
visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer
serviço.
Por tudo e nada, sai um
directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol
maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com
camião: sai um directo, com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no
meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e
humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal
dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de
um só fôlego para dar emoção!
Repetem-se quilómetros de
filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o
reino da preguiça e da estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos
mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais
quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e
artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas
competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas,
deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e
candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser
o secretário de Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega.
Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de
pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há
decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por
uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e
predador.
Assassinatos de
familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros
homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer
tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser
interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que
rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e
ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões
e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece
ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os
partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de
menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for
comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo
pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o
pluralismo dos papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros.
Como os canais de
televisão.
ANTÓNIO BARRETO
Nota de RoP:
Dos raríssimos políticos que gostava de ouvir, era o Dr. António Barreto, já lá vão uns bons anos. Apenas uma vez não gostei do que disse num programa de Tv. E não gostei, por uma simples razão: por ter criticado os hábitos de vida dos suiços, muito civilizados, e asseados. Considerou aquela forma de viver muito certinha, enfim, uma chatice, comparada com a vida tradicionalmente anárquica dos portugueses, desorganizados e alérgicos a regras.
Percebi que estava a ironizar, mas achei que foi infeliz, sendo um tipo inteligente como é. Porque fazer uma comparação daquelas publicamente, num estúdio de televisão, sabendo que ia ser visto por milhares de portugueses, um povo indisciplinado, foi algo infeliz. Não sei quantos anos já passaram, mas o que sei é que estamos bem pior agora que nesse tempo. Em civismo, e educação, regredimos. Aliás como ele próprio acaba por reconhecer neste excelente comentário.