Não sou dos que vê na figura de Mário Soares um ícone notável da democracia nacional, nem dos que alinharam no côro lançado pela chamada "boa imprensa", que um dia o baptizou de dinossauro político sem nunca explicar muito bem a relevância da alcunha...
Estou à vontade para falar, porque foi nele e no seu partido, que votei nas primeiras eleições constituintes de 1976 que conferiu ao PS a victória final [com 35% dos votos]. Portanto, dei assim o meu contributo pessoal para reforçar o PS e para Mário Soares ser quem é.
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Mário Soares |
Se Soares teve fortes responsabilidades pela entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia [hoje já não é opinião unânime que tenha sido boa ideia], também não soube dar o melhor rumo ao país, sobretudo na consolidação da democracia. Lembro-me dele a desautorizar, perante as câmeras de televisão, um agente da autoridade que procurava pacificamente fazer o seu trabalho de ordenar a multidão numa rua [ó sr. guarda, desapareça!], e de produzir declarações mais polémicas que sensatas, como quando afirmou que a tolerância não tinha limites... Se a estes episódios juntarmos o processo de descolonização, perceberemos que não foi propriamente um sucesso o serviço público prestado pelo Dr. Mário Soares.
Longe de querer privá-lo de virtudes próprias, do seu passado de lutador anti-fascista, e do seu ar bonacheirão [que engana, mas também conta], penso que Mário Soares é talvez um homem secretamente frustrado por saber que não é a grande referência nacional que sempre almejou ser. Digamos que Soares olhou para a política como um hobby de burguês antigo, completamente desenquadrado da realidade do seu tempo. Fascinava-se pelos jogos da política, mas nunca a soube usar para servir o povo a contento. A vaidade toldou-lhe os objectivos mais sérios.
Hoje, com o cansaço dos seus quase 90 anos, já liberto de cumplicidades políticas e sociais, Soares profere
afirmações públicas que sendo sempre polémicas, não deixam por isso de ser menos respeitáveis e pertinentes. Duvido que, enquanto cidadão, Mário Soares seja mais integro que eu, mas sei que para a opinião pública tem mais peso a opinião de um famoso [bom, ou mau] do que a de um discreto cidadão, mesmo que diga exactamente o mesmo e com mais antecedência. Para o caso isso agora não interessa. O que importa, é que, não seria agora, que Soares está na fase de gozar da tolerância generalizada que ia tratá-lo como um senil, porque nunca como hoje, Soares disse coisas tão lúcidas, frontais e pragmáticas: o governo de Passos Coelho está efectivamente cheio de delinquentes, e Cavaco Silva já não devia ser Presidente da República, pelo menos, desde que rebentou o escândalo do BPN/SLN. Já devia ter sido julgado. Acontece, é que Mário Soares não é nenhum exemplo de coerência.
Mário Soares, errou ao não perceber que Democracia desregrada e sem Justiça, é uma democracia doente, e que a autoridade efectiva pressupõe o respeito integral pelas Leis. Mário Soares foi um facilitista, faltou-lhe pulso em certos momentos, e nesse aspecto, influenciou negativamente as regras do jogo democrático. Talvez hoje esteja arrependido [não sei] de dizer a frase quiçá mais demagógica que pude ouvir: a tolerância, não tem limites. Tem sim, senhor Mário. A tolerância ilimitada, tem um nome: anarquia.