"Imperdoável" é o nome de um belo "western" de Clint Eastwood, ator e
realizador premiado com vários "prémios" por este filme extraordinário
de 1992, que conta a história da indignação de uma prostituta
desfigurada cobardemente por um "cowboy" que consegue escapar à justiça
graças a um xerife que o protege em retribuição de uma velha amizade.
Escandalizadas, as prostitutas resolvem quotizar-se para oferecer uma
valiosa recompensa pela captura do desprezível bandido, que de outra
forma ficaria impune. Toda a mitologia fabricada em Hollywood de
"cowboys" indómitos e de heroicos "justiceiros" é "desmontada" ao longo
deste filme cujo revisitação não poderia ser mais oportuna! Imperdoável é
o comportamento de um grupo de personalidades públicas que persistem na
tentativa de pressionar as decisões do Tribunal Constitucional, grupo a
que recentemente se vieram somar as figuras de José Manuel Durão
Barroso e de José Pedro Aguiar-Branco.
O primeiro é ainda presidente da Comissão Europeia, cargo a que
acedeu quando "saltou" da chefia do Governo português para o governo da
União, depois de ter feito declarações bombásticas sobre o estado do
país cujo governo se preparava para abandonar. Ficou célebre a sua
proclamação, já lá vão mais de dez anos, de que Portugal estava "de
tanga". Disse, e foi-se embora. Mas esta semana, em Bruxelas, segundo a
edição de ontem do "Jornal de Notícias", "durante uma conferência de
imprensa, ao lado do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, no final de
um encontro entre o Governo português e o colégio de comissários",
Durão Barroso anunciou que a eventual inconstitucionalidade do Orçamento
de Estado para 2014 "pode pôr em risco o regresso de Portugal aos
mercados" e obrigar à substituição das medidas ali previstas pelo
Governo, por outras ainda mais penosas para os portugueses e mais
prejudiciais para o crescimento da economia. Claro que o presidente da
Comissão logo se apressou a desmentir a menor intenção de interferir com
a independência dos tribunais...
O outro é o atual ministro da
Defesa que, dois anos e meio depois de ter iniciado as suas lides
governamentais, descobriu a urgência da reforma do Estado e da revisão
da Constituição, como remédio contra a "tentação de um Estado
totalitário"! Para o ministro da Defesa, o "que cria as promiscuidades
(...), as clientelas (...) e as dependências" que enfraquecem a
sociedade e dão corpo à ameaça totalitária não é a impunidade daqueles
que obtiveram ganhos absurdos e se aproveitaram da Sociedade Lusa de
Negócios, do BPN e mil e um outros estratagemas para lançar mão de
isenções, subvenções estatais, cargos públicos, funções privadas e
acessos privilegiados aos "fundos europeus"! Nem sequer a circunstância
de permanecerem impunes e de continuarem a ocupar relevantes posições na
República. Nada disso! A "ameaça totalitária", segundo José Pedro
Aguiar-Branco, esconde-se na ideia do chamado "Estado social" - ou seja,
no subsídio de desemprego, no rendimento social de inserção, na
segurança social, na proibição do despedimento sem justa causa, na
saúde, na educação, no abono de família... Infelizmente, o ministro não
teve oportunidade de nos esclarecer com algum rigor sobre quais os
aspetos da Lei Fundamental que gostaria de ver revistos e abandonou a
sessão "sem prestar declarações aos jornalistas".
É claro que
estes comportamentos subversivos do Estado de direito e do princípio
constitucional da separação dos poderes - gravemente atentatórios da
independência do poder judicial e do exercício imparcial da missão
específica do Tribunal Constitucional de "fiscalização da
constitucionalidade das leis" - eram facilmente prevenidos se o
Presidente da República requeresse o controlo preventivo da
constitucionalidade deste Orçamento. Não resistimos, enfim, a evocar
"Kid", o terrível bandido que se associa a Clint Eastwood na caça ao
"prémio" oferecido pelas prostitutas, e que por fim confessa que é míope
e que nunca matou ninguém...
[do JN]