10 dezembro, 2014

Porto, Norte e a Liberdade

O Norte, e o Porto em particular, são um verdadeiro caso de estudo. Por incrível que pareça, uma região e uma cidade que sendo agora muito mais discriminadas que no tempo de Salazar, conseguiram um feito invulgar, que é manter-se frequentemente no top do que melhor se faz em Portugal. 

A cidade do Porto, não é só o FCPorto, Serralves ou a Casa da Música. O Porto é agora a atracção turística do momento. Fala-se até que o Porto está na moda, termo que me desagrada pelo carácter efémero da expressão. O Porto está implantado no Douro, essa região maravilhosa, banhado por um rio com o mesmo nome, que sobe da foz (no Porto), serpenteia entre a Régua, Vila Nova de Foz Côa e Miranda do Douro, até se estender à nascente na Serra de Urbião, em Espanha. Um rio, em cujas margens escarpadas se produzem os vinhos de mesa mais premiados internacionalmente, além do icónico e inegualável Vinho do Porto.

O Porto, tem também Manoel de Oliveira, o realizador de cinema mais famoso do país, apesar de ser menos considerado em Portugal - um país que se deixou vergar à prepotência centralista da capital - do que em França, terra onde é habitualmente homenageado.  O Porto tem Sobrinho Simões, na ciência, e também Rui Reis, o cientista português com mais mais prémios internacionais, e um conjunto razoável de outras figuras ligadas a todas as áreas sociais e culturais que é desnecessário elencar. No empreendedorismo, não faltam casos de sucesso entre jovens recém-licenciados, apesar da falta de apoios financeiros. Criatividade não falta.

Mas o Porto, como outras cidades do Norte, tem colhido os mais altos louvores em áreas tão importantes como a Educação, a Cultura e a Saúde. Já nos habituamos com a fama das Universidades do Porto, do Minho e de Aveiro. Na área da saúde, apesar das crises económicas e da implícita redução de recursos, o Porto tem sido destacado pela boa gestão dos seus centros hospitalares. O hospital de S. João foi um dos pioneiros a angariar louvores, agora é o de Santo António, aquele que conseguiu maiores consensos como o melhor hospital do país, seguido do Hospital de Santa Maria Maior em Barcelos, também do Norte. Naturalmente, que tudo isto tem de ser lido à luz da realidade, sem exageros.

No campo da educação, as escolas do Norte, nomeadamente a Nossa Senhora do Rosário, e o Colégio Luso Francês, ambos do Porto, têm igualmente alternado entre si os primeiros lugares do ranking dos melhores estabelecimentos de ensino do país.

Todos estes louvores, devem ser avaliados por um prisma de competência, pela dedicação de quem dirige e trabalha nas respectivas áreas, e não propriamente pelos apoios que o Estado lhes faculta, porque, note-se,  em alguns casos nem sequer existem.

Assim mesmo, é para a região de Lisboa que se têm concentrado paradoxalmente as atenções dos sucessivos governos, para onde são desviados fundos europeus destinados a outras regiões, por serem as mais pobres e as menos beneficiadas...

O Norte, principalmente o Norte, tem boas razões para afirmar que a revolução de Abril só o prejudicou. Não em termos de competencias - porque isso prova-o o que atrás está escrito, e porque depende mais das próprias pessoas do que do regime -, mas em termos de autonomia regional. Esta liberdade de expressão em que vivemos, que muitos misturam e confundem erradamente com Democracia, dopou completamente a capacidade de autonomia das regiões.

Em termos de centralização, hoje o Norte sofre mais que no tempo da ditadura. Sendo assim, é caso para perguntarmos para que nos serve uma democracia que consegue oprimir e discriminar uma região bem mais que sofreu em ditadura?

A resposta improvável até poderia resvalar para a ditadura, mas ninguém de bom senso a deseja. Mas também não pode continuar a concentrar-se na solução menor de uma democracia vulnerável escrita com minúsculas.


09 dezembro, 2014

Polifonia territorial desafinada



Mais tardiamente do que a maioria dos países da Europa, Portugal atravessou nas últimas décadas um processo de suburbanização. Os núcleos históricos das principais cidades esvaziaram-se, de forma menos ruidosa do que as regiões rurais, ao mesmo tempo que em volta dos centros urbanos foram nascendo novas colunas de prédios e dinâmicas sociais. A imagem de um território marcado pela dicotomia litoral-interior é simplista: entre os dois polos existe uma diversidade de modelos de transição, em que se encontra de tudo um pouco - parques industriais paredes- -meias com habitações, espaços rurais resistentes entre autoestradas e polos urbanos, cidades que cresceram demasiado depressa e tentam acomodar-se o melhor que podem.
Não será por acaso que hoje se olha para o movimento de revitalização da Baixa do Porto (págs 18 e 19) com um léxico emprestado a programas de repovoamento do interior. As realidades são distintas, mas um denominador comum: falta gente. Por motivos diferentes, urbano e rural dão sinais de um país que não tem sabido crescer equilibrado e que tem na demografia e ordenamento do território problemas sérios.
Prestes a começar um novo ciclo de financiamento comunitário, seria bom ter fé na capacidade das recentemente criadas comunidades intermunicipais para repensar as estratégias de desenvolvimento e o reequilíbrio de um país que fala a muitas vozes. A polifonia pode ser dissonante - e é-o quando, apesar de tanto se falar em sinergias e redes, cada parceiro tenta sempre fazer sobrepor a sua voz à do vizinho.
O desenvolvimento de um país passa pela sua capacidade de ter as pessoas nos sítios certos. Cidades com gente lá dentro. E um território equilibrado, com ideias e dinâmicas próprias onde quer que seja.
Inês Cardoso

  


(do JN)