David Pontes |
Ao fim de algumas semanas, a "crise política" nem cola nem descola. Os socialistas querem acelerar o relógio para ver se isto passa, diluído no calor do verão e num multiplicar de relatórios e contrarrelatórios. Em contraponto, a Oposição à Direita quer mantê-los bem amarrados a Pedrógão Grande e a Tancos, ampliando o desgaste causado ao Executivo por dois monumentais falhanços do Estado, que poderão ter o seu quê de conjuntural, mas têm muito mais de estrutural.
Só que enquanto Marcelo estiver disponível para ocupar o lugar do primeiro-ministro em férias, desdobrando-se em visitas e reuniões, não creio que a situação se venha a agudizar. Mais, temo que o atual estado de efervescência política acabe por fazer perigar o que de bom poderia sair destas crises: o impulso para refletir seriamente sobre medidas de fundo a tomar nos dois dossiês que desgraçadamente ficaram a nu - a floresta e o estado das Forças Armadas.
Apuraremos ainda mais nesta arte, refinada ao longo de muitos anos, de empurrar com a barriga os problemas, numa atitude que não sei se é de simples inconsciência, de impotência ou até de autodefesa. Um exercício sério obrigar-nos--ia a encarar de frente as reais limitações de um país pobre como somos, mas preferimos não as ver. Assim poderemos voltar a ser campeões da Europa e da Eurovisão e esquecer todas as outras derrotas do dia a dia.
Deixem que vos dê um outro exemplo deste nosso padrão comportamental. Será difícil encontrar paixão maior entre nós do que aquela que desperta o futebol, no país dos três diários desportivos e dos milhares de horas de debate televisivo. Seria de supor que quando sob este desporto pesa a suspeita séria de que aquilo que está na sua essência é ferido, a verdade na competição, um sobressalto percorreria tão vivida paixão. Mas não é assim.
No último mês, o F. C. Porto tem vindo a revelar uma série de emails que, do grave ao ridículo, levantam fundadas dúvidas sobre as relações entre o Benfica e a arbitragem e a forma como tentará condicionar determinados agentes desportivos. Mas hoje, como no passado, alguém acreditará que aquilo que os emails indiciam será questionado até às últimas consequências? Não. Dois ou três inquéritos contraditórios, e meia bola e força, que a ética não quer ter nada a ver com quem prefere ganhar a ser melhor. Mesmo que seja preciso viver uma mentira. No futebol, como no país.
* SUBDIRETOR