O novo presidente da Câmara do Porto pediu que lhe desejássemos boa
sorte. Sem duvidar que trabalhará muito para a ter, não deixaremos todos
de lha desejar. Enquanto tripeiros e enquanto nortenhos. Vi a
transmissão parcial da cerimónia na TV, ouvi e li com muita atenção o
discurso de tomada de posse do sr. presidente.
Pareceu-me uma tentativa muito honesta de manter um discurso mais fresco e uma direção de governo menos tradicional.
Com a elegância e o saber estar que lhe são inatos, o dr. Rui Moreira foi agradecido, inclusivo e esclarecido.
Agradeceu a herança imaterial da governação do dr. Rui Rio sem se escusar a mudar "o necessário".
Incluiu
o PS com à-vontade na sua nuclear independência para tornar o governo
municipal mais fácil mas sem se escusar à dificuldade de tentar integrar
os contributos mais válidos. Mas incluiu igualmente os que não se
aliaram porque, diz, na "Câmara do Porto cabem todos". É difícil mas
pode fazer a diferença.
Esclareceu que valoriza o poder local e o
seu saber fazer e, por isso, reclama descentralização acrescida desde
que acompanhada dos respetivos recursos.
Que não acredita na
capitalidade do Porto, decretada por direito divino mas que, ao
contrário, valoriza o desenho de círculos próximos ou afastados que
conjuguem territórios e interesses. Sem vértice.
Que reconhece a
importância do trabalho da Junta Metropolitana do Porto e da construção
de uma agenda supramunicipal "sem complexos".
Mas que lhe parece
que a evolução europeia aponta para a cidade como unidade
administrativa, social e económica mais relevante e que por isso, à
escala do Norte, estimulará a criação de uma Liga de Cidades que,
deduzo, como a Hanseática possa ser uma verdadeira aliança económica e
política.
Esclareceu ainda a sua firme vinculação aos princípios
norteadores da sua proposta. A saber, mais coesão, mais economia e mais
cultura que, conjugados ou per se, trarão sempre mais liberdade.
Podemos
ficar com dúvidas ou mesmo não perceber bem o alcance exato de algumas
ideias mas a verdade é que, desta vez, o sr. presidente da Câmara do
Porto se pareceu mais com um de nós.
A coerência e a consistência serão a prova de fogo.
É que o poder local e a valorização das suas competências devem ser defendidos.
No entanto, talvez não seja Lisboa o melhor parceiro. A Câmara de
Lisboa, pela dimensão, pela tradição e pela localização (tão perto do
Terreiro do Paço) não depende tão fortemente como todas as outras de
competências próprias para poder prestar um bom serviço aos seus
munícipes. Não precisa de competências acrescidas na saúde ou na
economia. Basta-lhe organizar umas quantas reuniões e fazer uns
telefonemas. Tem uma vocação de estrito governo de cidade muito assente
na imagem externa e na conveniência de serviços.
A presença do dr.
António Costa não fez por isso grande sentido a este propósito. Fez o
sentido que o dr. António Costa faz: um homem com poder próprio e com
influência em toda a Administração Central, seja ou não presidente de
Câmara!
O discurso sobre a supramunicipalidade transposta ou
sobreposta a uma Liga de Cidades tem de ser muito bem estudado. A
política de cidades europeias assenta sobretudo na procura de solução
para os problemas causados pela concentração de mais de 2/3 da população
europeia em cidades. A dimensão, a saturação das infraestruturas, as
exigências de mobilidade e o submergir das identidades são questões
absolutamente vitais, mas não sei se serão as que unem o Porto,
Bragança, Viana, Braga, Chaves ou Vila Real.
Talvez valesse a
pena perceber o que se quer afinal da Área Metropolitana do Porto antes
de ensaiarmos novas hipóteses de representação. Mesmo que não se saiba
bem qual é o papel destinado a um presidente independente.
Por
outro lado, será muito importante perceber que papel executivo é
reservado ao PS. A frescura e a eficácia da independência serão afetadas
por decisões que o dr. Manuel Pizarro terá forçosamente de fazer passar
junto do seu partido, pouco dado a consensos.
Já agora, e apenas
como cidadã (ainda que adepta incondicional), registar que não é
possível, sob qualquer pretexto, deixar de fora de uma cerimónia destas o
Futebol Clube do Porto, provavelmente a mais importante instituição na
internacionalização do Porto. E a internacionalização é, afinal, um dos
mais importantes instrumentos da moderna política de cidades.