25 abril, 2014

Mensagem da Associação 25 de Abril


Passados 40 anos depois da madrugada que deu origem a “o dia inicial inteiro e
limpo/onde emergimos da noite e do silêncio/e livres habitamos a substância do
tempo” qual o tempo que hoje nos é dado?

Cada dia que passa, assistimos à destruição do positivo que foi construído, em
resultado da acção libertadora de há 40 anos!

O país está vendido, em grande parte e a pataco, ao estrangeiro!
A emigração de muitos portugueses consuma-se, levando consigo muito do saber e
da capacidade indispensáveis à desejada recuperação de Portugal!
Os roubos permanentes a que os portugueses são sujeitos, da parte dos que deviam
protegê-los e prover pelo seu bem-estar estão a destruir a esperança no futuro!
A ausência de uma justiça igual para todos provoca o descrédito do que deveria ser
um Estado de Direito!

Os detentores do poder assumem-se, cada vez mais, como herdeiros dos vencidos
em 25 de Abril de 1974!

As desigualdades, consumadas no aumento do enriquecimento dos que já têm tudo e
no cada vez maior empobrecimento dos mais desfavorecidos, transforma a nossa
sociedade num barril de pólvora que apenas será sustentável numa nova ditadura
opressiva, com o desaparecimento das mais elementares liberdades.

O medo, pelo futuro, cada vez mais, propaga-se em variados sectores da sociedade!
Como há já alguns anos, manifestamos a nossa indignação face aos acontecimentos
que se estão vivendo em Portugal e configuram, sem a menor dúvida, um enorme e
muito grave descrédito dos representantes políticos, um logro à confiança dos
cidadãos e um desprestígio para o nosso País.

A Democracia baseia-se num pacto social, onde os cidadãos elegem os que
consideram os mais indicados para gerir os assuntos públicos e para os representar
durante um período de tempo previamente acordado.

A Democracia não é, nem pode ser jamais, a concessão a uns quantos de uma
patente de pilhagem para se enriquecerem durante quatro anos ou mais!

A Democracia tem o seu fundamento na confiança que os representados têm nos
seus representantes e na lealdade destes perante quem os elegeu.
Quando essa confiança é traída e essa lealdade desaparece, o prestígio e a
legitimidade moral da classe política desmoronam-se e o cimento da Democracia
apodrece.

Tudo isto tem-se agravado, cada ano que passa.
Porque continuamos a considerar que a antecâmara do totalitarismo surge quando
num Estado de Direito a classe política perde o seu prestígio, porque se transforma
numa espécie de casta que deixa de servir os interesses de todos para servir apenas
os seus próprios interesses.

E, porque queremos lutar pela manutenção da Democracia, que apenas será viável
pela reafirmação dos valores de Abril, proclamamos a imperiosa necessidade de:
Assunção de um compromisso nacional na defesa e manutenção do Estado Social
que legitimamente satisfaça as necessidades básicas, erradique a pobreza “vergonha
de nós todos”, e abra um caminho de esperança e de luz para o sector mais
desprotegido da sociedade portuguesa que lhe possibilite o acesso à formação,
educação e emprego.

Assunção de um compromisso nacional para a promoção de um duradouro programa
de educação e investigação científica, para qualificação dos jovens nas áreas
fundamentais da globalização.

Assunção de um compromisso nacional para a promoção de um programa duradouro
do sistema judicial, de forma a tornar a justiça mais célere e mais próxima dos
cidadãos, sem descriminação entre pobres e ricos.

Assunção de um compromisso nacional duradouro de um programa de emprego
agregador e integrador dos vários saberes e competências acumuladas, que incentive
o regresso de milhares de “cérebros” forçados à emigração, que incorpore jovens
licenciados, agregue adequados programas de formação para jovens que
abandonaram os estudos, e para trabalhadores activos que necessitem actualizar e
melhorar saberes e competências.

Assunção de um compromisso nacional e duradouro de um programa de
desenvolvimento económico sustentável à adopção dos objectivos enunciados para a
manutenção do Estado Social e dos programas de educação, justiça e emprego.
O governo e a cobertura que lhe é dada pelo Presidente da República protagonizam
os fautores do “estado a que isto chegou” razão pela qual não serão eles a quem
possa continuar a confiar-se os destinos de Portugal.

Torna-se, por isso, urgente uma ampla mobilização nacional para sermos capazes de
aproveitando as armas da Democracia mostrar aos responsáveis pelo “estado a que
isto chegou” um cartão vermelho, que os expulse de campo!
Temos de ser capazes de expulsar os “vendilhões do templo”!
Os desmandos e a tragédia da actual governação não podem continuar!
Igualmente, temos de ser capazes de retornar às Presidências de boa memória de
Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio!

O 25 de Abril foi libertação e festa, passou por participação e desenvolvimento, mas
passou também por retrocesso e desilusão, fruto da corrupção e esbanjamento.
Hoje sofre revanchismo, roubo e destruição.
Que se consubstancia em despudorados ataques à saúde pública, à educação, à
segurança social, ao direito ao trabalho, ao direito a uma velhice sossegada, e aponta
para o fim das liberdades, da soberania e da democracia.
Temos de ser capazes de ultrapassar os sectarismos, temos de ter a capacidade de, contrariamente ao que normalmente acontece, e reconhecer o inimigo comum, mesmo
antes de sermos totalmente derrotados.
Vencendo o conformismo, temos de ser capazes de resistir de novo, reconquistar as
utopias, arriscar a rebeldia e renovar a esperança!
Recolocados os valores da madrugada libertadora, nessa altura, vencido o medo,
poderemos então retomar a esperança de continuar a construir Abril!


Viva Portugal!
Viva o 25 de Abril!
25 de Abril de Abril de 2014



23 abril, 2014

Afinal, quem é o dono do 25 de Abril?

O duelo a que temos assistido nos últimos tempos, entre militares e adeptos de partidos de direita e de esquerda, para tentar convencer a opinião pública de quem é realmente dono do 25 de Abril, apesar de disparatado, não é propriamente inocente.  Devo dizer a este propósito que por essa altura tinha 26 anos, encontrava-me a viver em Lisboa, e portanto não era propriamente uma criança para ter hoje muitas dúvidas sobre como as coisas se passaram.

Comecemos pelo princípio - passe a redundancia - e vejamos simplesmente quem foi o verdadeiro dínamo da revolução. Por esgotamento com a guerra colonial, ou por outra qualquer razão, foram os militares (um grupo de oficiais capitães, sobretudo) os principais responsáveis pela criação de condições para instalar a Liberdade e a Democracia em Portugal, e mais ninguém. Ponto. Dito isto, importa lembrar que outros oficiais de patente superior se lhes juntaram, com a adesão maciça do povo e de algumas figuras políticas como Àlvaro Cunhal, Mário Soares e Sá Carneiro, só para falar das mais proeminentes. Mas importa também dizer, que uns tempos antes do 25 de Abril já havia sinais de que alguma coisa estava para acontecer. Para não falar de todos esses sinais, recordo apenas um que nem sequer é revolucionário, nem tão pouco partiu de um capitão, mas que era também militar, que foi o livro Portugal e o Futuro do General António de Spínola, que adquiri e li, pouco tempo antes da revolução. 

Ora, o facto de Spínola ter escrito esse livro não significou que fizesse parte do complot dos capitães, mas que já o pressentia, e como conservador que era, tentou sabutá-lo procurando, por antecipação "sensibilizar" o regime vigente, propondo o fim da guerra colonial e a implantação de algumas reformas. Só que já não foi a tempo. Depois disso, e apesar de nomeado representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), em Março de 1976, Spínola foi secretamente para a Alemanha Federal negociar ilegalmente a compra de armas para um golpe violento de direita em Portugal. Foi o jornalista alemão Gunter Wallraff quem o denunciou no livro de sua autoria A Descoberta de uma Conspiração. Portanto, aqui não há inocentes, nem de esquerda nem de direita...

Sem inocentes, é certo, entre esquerda e direita, há no entanto diferenças marcantes. Em Portugal a direita orienta-se exclusivamente pela economia, por números, pelos mercados (materialismo e irracionalidade) e a esquerda sendo por tradição mais humanista tem pecado por falta de seriedade dos seus mentores, mas tem ideologias.

Tanto de um lado como de outro o problema maior são os homens. Se a seguir ao 25 de Abril um primo meu, oficial superior do Estado Novo me chocou quando, em conversa com meu pai (homem de esquerda) lhe confidenciou ter pedido a passagem à reserva "por não estar disposto a colaborar com canalha", hoje já não me choca que o General Garcia dos Santos (um militar de Abril) tenha dito praticamente o mesmo: "os políticos que governam actualmente Portugal são uns garotos, ignorantes, sem experiência". 

Curiosamente, ambos estavam (e estão) cheios de razão. Em Portugal, os excessos degradam tudo, até os ideais. Mário Soares, que lutou clandestinamente pela Democracia, não foi capaz de a gerir a contento porque não percebeu que até a liberdade não pode funcionar sem regras. Soares desautorizou demasiado a democracia e hoje é tarde para se queixar daquilo que afinal também semeou, e lamentavelmente agora poucos o levam a sério.  Há uma tradição laxista e de falta de carácter instalada na sociedada portuguesa. Invertê-la vai ser tremendamente difícil e vai demorar décadas. Pobre futuro, o do nosso país.

Quando um povo, zangado embora, aparentemente indignado, aceita calmamente que lhe vão ao bolso, que o roubem, só porque um grupo de miúdos no Poder lhe disse que andou a viver acima das suas possibilidades e que tem de pagar uma dívida, sem exigir que lhe expliquem seriamente por quê, onde, como, e quando a contraiu, é porque não merece melhores políticos. Quando se aceita por demasiado tempo, e pacificamente, uma governação medíocre e incompetente como a que temos, é sinal que também somos algo medíocres e incompetentes. Se o nosso povo aprecia o chico-espertismo é porque não é muito diferente de quem o anda agora a assaltar. Por isso - como dizem os franceses -, demerdez vous maintenant!

PS-Até o nosso amigo Manuel Serrão pensa que o 25 de Abril é património cobiçado entre a esquerda e a direita. Não, não é propriedade de ninguém. É sim, e justamente, da responsabilidade única dos militares de Abril. O resto é oportunismo. Se eles quisessem ser seus proprietários nunca teriam devolvido o poder à sociedade civil, e só por isso lhes devemos gratidão. Se os políticos destruíram o país, e a Democracia, a culpa não é deles.