|
Walter Hugo Mãe |
Quando oiço falar de elites, ou de forças "vivas do Norte", acabo por não saber muito bem o que se pretende dizer com essa espécie amorfa de palavra de ordem. Sempre entendi por forças vivas e elites, um grupo restrito de pessoas com alguma visibilidade social e intelectual, ligadas à cultura, à economia, à política, e sobretudo às finanças - que é de facto onde realmente se concentra o poder -, capazes de influenciar os Governos. Por isso me incomoda ouvir esta gente falar como pobres diabos, sem qualquer capacidade reivindicativa ou coragem para se imporem frente ao poder político. Praticamente, limitam-se a fazer pouco mais que o comum cidadão faz, que é, lamentar-se.
Emídio Gomes, novo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte prestou-se a esse papel, pouco acrescentando ao discurso dos antecessores, limitando-se a queixar-se: "o Norte não precisa de esmolas", declarou na entrevista que hoje deu ao JN. Quando se dispõe de algum estatuto, e não se mostra capacidade para unir, reunir, persuadir e mobilizar as referidas forças vivas da região, é porque não se tem perfil para o cargo. No fundo, teve um comportamento muito semelhante aos destinatários das queixas, que se limitam a ocupar os cargos com as inerentes mordomias e a deixar correr o marfim, com os danos colaterais que sabemos.
Curiosamente, é a gente ligada à cultura que ainda vemos colocar o dedo na ferida, sem espalhafato mas com muita lucidez. O escritor Walter Hugo Mãe, disse hoje [também no JN] àcerca da crise, uma coisa tão simples quanto óbvia, e que eu aqui não me tenho cansado de destacar, que foi o seguinte: «se alguém em Portugal não tivesse o rabo preso, tudo seria diferente. Ninguém desata a pagar uma dívida sem mais nem mesmo. Qualquer pessoa a quem apresentam uma conta questiona o seu teor. Como podemos imputar uma dívida gigantesca a pessoas que não tiveram responsabilidade na acumulação dessa verba? Não foi a população que encomendou os submarinos nem nada que se pareça. O que qualquer governo de boa fé teria feito seria a renegociação da verba que nos foi imputada. A Islândia foi exemplar. A 1º.medida que tomaram foi mandar prender as pessoas que, através da contratação de dívidas impossíveis, contribuíram para a crise. Também devíamos ter prendido os responsáveis.».
Pessoalmente, as declarações de Walter Hugo Mãe não me espantam, pouco acrescentam ao que sempre pensei e escrevi sobre o assunto. O que me espanta e incomoda é que este povo, em vez de reagir sob o efeito e as consequências desta cínica política de "austeridade" [cortes nas pensões de reforma, etc], nunca tenha refutado com veemência e revolta, a sua cota parte de responsabilidade na suposta dívida. Governantes, políticos e banqueiros, lançaram para cima das populações essa patranha com a mesma facilidade com que se limpa o rabinho a um bébé, e a coisa pegou de estaca apesar dos tímidos protestos. Às tantas, o povo ainda hoje acredita nisso. Alías, basta ver como é que ainda há gente com estofo para se colar à propaganda eleitoral das autarquias. Das duas uma, ou são burros, ou deixaram-se comprar.
Para terminar, vale a pena ler e comparar outro pedaço de texto da entrevista de W.H.M, sobre a Islândia, país que conhece bem e onde vai lançar o seu livro:
«Um desempregado islandês tem mais segurança que um empregado português. Além de receber um subsídio mínimo de 1500,00 €, vê o Estado pagar-lhe a renda da casa. A prova de que a crise foi uma abstracção financeira sem ligação ao real, é que, um ano depois, já era o país com maior crescimento do mundo, e um dos líderes do ranking da felicidade».
Ah, dirão certos regressitas [vulgo, retardados mentais], mas os islandeses não têm Ronaldos, nem Mourinhos. Pois sim, direi eu, mas temos um país de merda, do qual ainda por cima se orgulham.