Esta foi uma semana agitada. Política e futebol, sempre. As lutas intestinais no Partido Socialista, que parecem empastelar mais do que esclarecer.
O Conselho de Estado do presidente da República, que se começa a assemelhar a uma reunião de escuteiros, onde no final todos concordam com a necessidade de um Mundo melhor. A coligação do Governo, que tendo perdido o referencial da Oposição, começa de novo a sentir réplicas do terramoto de há um ano. No futebol, regressada a casa a excursão aos EUA (com extensão ao Brasil) dos 23 de Paulo Bento, que aquilo não era para rapazes, os homens tomaram conta das operações no Mundial. E tenho gostado sobretudo das equipas que respeitam os princípios de jogo: constituídas por 11 em campo (e não apenas pelo número 7), que mantêm presente que o futebol não se joga de muletas (como alguns tentaram).
Havia aqui matéria-prima mais do que suficiente para uma crónica de domingo. Mas já tantos e tão bons escreveram sobre política e futebol, pelo que opto hoje por olhar a "restante" atualidade com o filtro do território.
As capas dos jornais foram esta semana preenchidas por manchetes que refletem bem a geografia das preocupações e do valor que circula em Portugal. O paradigma de funcionamento deste país aí está, preto no branco, numa dicotomia que expõe, sem confrontar, a capital lisboeta rica e pujante, onde a crise não mora, ao lado da província (todo o resto do país), que é uma espécie de palco de telenovela com todos os ingredientes clássicos, do trágico acidente à luta pela sobrevivência.
Vamos aos detalhes. Fiquei a saber que em Lisboa o mercado imobiliário está ao rubro, com a procura a puxar pela oferta e pelos preços. Que os comerciantes das lojas de luxo da Avenida da Liberdade estão indignados com as iniciativas populares à sua porta, cheias de gente e animais sem poder de compra, que lhes prejudicam o acesso e toldam as montras. E que na capital há agora mordomos de luxo, cujo trabalho é acompanhar os visitantes ricos de Angola, Brasil e outras latitudes, levá-los às compras, ao hotéis e aos restaurantes em vistosos carros. Um oásis, mais ou menos o negativo do resto do país.
Soubemos também que o antigo presidente da Metro de Lisboa e da Carris, demitido há um ano devido aos swaps, exige em tribunal uma indemnização de 270 mil euros por não ter sido reintegrado no lugar de origem, como consultor da Refer. Gente que circula de lugar em lugar, no universo das empresas públicas, que gasta e exige dinheiro (público). E onde acontece tudo isto, sempre? Em Lisboa, claro, que é onde se coletam os impostos de todos os tugas.
Assistimos também à crise do BES. Família, gestão, capital e Estado, todo um ecossistema em revolução, onde circulam muito dinheiro, muito poder e muitos lugares. Na capital, pois claro. Ou melhor, exclusivamente na capital. É curioso alinhar os nomes dos putativos sucessores de Ricardo Salgado e perceber que fora de Lisboa nada existe, é o deserto. Vítor Bento, na minha opinião uma grande escolha, é ele próprio um talento "made in Estremoz" que, uma vez detetado pelo íman lisboeta, foi sugado pela força centrípeta do ecossistema lisboeta.
Agora a província, que é mais ou menos tudo o que está para lá de Vila Franca de Xira, a norte, ou de Almada, a sul. Soubemos que um jovem estudante de Artes Visuais do Algarve foi a tribunal acusado de ter cometido um crime de ultraje à bandeira nacional, naquilo que era afinal uma obra artística. Soubemos também que na província morrem jovens a conduzir ou transportados em veículos moto-quatro. E que na Linha da Beira continuam a descarrilar comboios de mercadorias com uma regularidade quase exemplar.
Percebemos ainda que a justiça, leia-se os tribunais, vai levantar âncora em boa parte do país e que faltam 900 funcionários para a reforma do mapa judiciário. E que mais umas quantas aldeias vão morrer porque as escolas vão fechar e a meia dúzia de rebentos que ainda corporizavam a esperança terão necessariamente de partir.
E vamos tendo o caso Maddie. Uma novela luso-britânica que já bateu, em extensão e argumento, todos os grandes êxitos da Globo. Mantêm-se assim entretidas as "gentes dos algarves".
Mapear o valor das temáticas refletidas na atualidade é um exercício que, neste país, converge sempre para a mesma máxima: Portugal é Lisboa, o resto é paisagem. É o terceiro-mundismo em formato europeu.
[do JN]