Nos tempos que correm, em que lamentavelmente os assuntos de carácter passaram para o plano da insignificância, não se notam de facto grandes alterações entre as políticas de esquerda e de direita. Apesar disso, continuo profundamente convencido que ideologicamente existe uma grande diferença entre ambas, e que é decisiva. Enquanto a esquerda tem falhado sucessivamente pela incapacidade dos seus líderes resistirem aos "encantos" da direita que se define claramente como pró capitalista, esta é por tradição secular, avessa à humanização das sociedades. A direita apenas mantém a aparência democrática porque, em tese, ainda existem partidos de esquerda, o que não quer dizer propriamente que a esquerda se tenha orientado consistentemente por valores humanistas.
Por outro lado, a direita só contempla o humanismo nas suas práticas políticas quando se sente eleitoralmente ameaçada pela esquerda, o que contribui para a confusão "ideológica" entre ambas. Mas a direita não tem ideologia, tem uma cartilha económica e financeira, cujo objectivo supremo se resume à acumulação rápida de capital, com os menores custos, sendo o desemprego o mais dramático de todos, contrariando por completo a fama ardilosa que lhe tem valido alguns votos, de ser geradora de postos de trabalho. Entre um cidadão e uma máquina, a direita não hesita em eleger a máquina, desde que tenha garantido mais lucro, nem que para isso tenha de despedir cem pessoas. Isto é assim, e quem tiver dúvidas, só prova duas coisas: ou beneficia directamente com esta situação, ou é intelectualmente limitada para compreender o que está à vista de todos e então precisa de viver outra vida para chegar a essa conclusão...
Seja como for, a esquerda moderada, onde tem pontificado o Partido Socialista tem sido, ao longo do seu tempo de vida, uma decepção permanente, tanto quanto está no governo como quando é oposição. Isto porque nunca teve líderes à altura de lhe devolver a génese ideológica que a identifica(va) e que a podia fazer descolar definitivamente da direita e do perigo de se fundir e confundir com ela.
A este propósito deixo-vos este singelo exemplo: a página "Política" do JN de domingo apresentava uma foto grande do actual Presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, a reclamar [agora] a autonomia do Norte e a Regionalização quando ainda há poucos mêses, durante o mandato de Sócrates, dizia que não ser oportuna a Regionalização...
Se há coisa que me repugna nestes políticos, é a profunda falta de respeito que demonstram pelos cidadãos e pela sua memória, para manterem um discurso quando o seu partido está no governo e outro quando estão na oposição. Esta mudança de discurso é tão brusca e flagrante quanto provocatória, e devia ser suficiente para os eleitores riscarem de vez da cena política este tipo de gente que faz gala de os enganar as vezes que forem precisas apenas e só para se manterem agarrados ao poder. E neste aspecto concreto esquerda e direita, são iguais. E por quê? Porque quem as representa é gente sem carácter, sem ideais e intelectualmente desqualificada.
Por isso, e uma vez que esta democracia não contempla meios simples e eficazes para os eleitores se livrarem destas "pragas", não vejo outra forma que não obrigar os políticos a assinarem um contrato com força jurídica que dê garantias aos cidadãos de cumprirem as promessas feitas em campanhas eleitorais. Ou seja: tal como é praticado pela banca quando queremos aceder ao crédito para adquirir um bem, devíamos exigir dos políticos garantias bancárias e prazos mínimos para realizarem os projectos de governo. Com os bens pessoais hipotecados, talvez esta garotada começasse a formar uma ideia mais séria do que é ter sentido de responsabilidade e de Estado. A não ser assim, bem podemos [como diz Pinto da Costa] esperar deitados que eles vão continuar a fazer de nós eternos palermas.