Tenho a ideia de que os únicos cépticos com relação ao mau funcionamento da justiça, traduzida em frases do género, "há uma justiça para pobres e outra para ricos", serão os próprios juízes. Mesmo assim, duvido que sejam todos. Como tal, acreditando que exista uma franja minoritária de juízes descontentes com a Justiça que se (não) faz em Portugal e da reputação quase anárquica de que goza junto das populações, haverá código deontológico decente que justifique a proibição de intervirem activamente no sentido de a requalificar?
Presumimos que os senhores juízes, antes de aplicarem a Lei, nas decisões [tantas vezes difíceis], que têm de tomar, saibam também aplicar a sensatez, de forma a
contribuírem para a restauração da credibilidade da Justiça na opinião pública. Caso andemos equivocados e se, como frequentemente acontece, os senhores juízes preferirem continuar a transmitir uma imagem de sobranceria e distanciamento para a população, então o caminho será bem mais longo e complicado. Será que é isso que pretendem? Custa a crer.
Se é importante estarmos informados sobre o que passa à nossa volta, a força da informação perde-se pela escassez de meios juridicamente autorizados para que o comum cidadão lhe possa retirar o presumível proveito. O cidadão é um mero espectador, porque a Justiça não é capaz de responder à altura das suas necessidades, retirando-lhe o efeito protector que supostamente ela deveria produzir.
Vem, no
Público de hoje, um exemplo desse sabor a injustiça traduzível das declarações de uma procuradora no julgamento de um caso de peculato na Câmara Municipal do Porto em 2001 onde é [outra vez] o "mexilhão" na forma de funcionário, quem paga as favas. A senhora procuradora teve este desabafo durante as alegações finais: «infelizmente,
Ernestina Fernanda [ex-vereadora PS do pelouro da Educação], apesar de ter sido inicialmente acusada, não se sentou no banco dos réus porque não foi pronunciada no processo». Escuso-me a reeditar aqui a notícia porque está acessível no jornal
on-
line, mas não posso repudiar esta reacção conformista da justiça perante uma atitude de
manifesto abuso de poder quando as provas
incriminatórias foram tão evidentes.
O Sr. Procurador Geral, também não deve estar incomodado com a situação. O caso não tem tanta relevância política como teria se a senhora vereadora ser chamasse Pinto da Costa, mas há que ser coerente, tanto na determinação como no folclore. Podemos estar seguros que para ele este caso não é suficientemente mediático para lhe tirar dos ombros os pesos pesados da
Freeport e da Casa Pia, muito menos para os fazer esquecer [por enquanto].
O problema em Portugal já não se pode colocar em termos de pessimismo ou optimismo. Perdermos tempo com estas maquilhagens, é participarmos no jogo dos infractores, pelo que a prioridade das nossas inquietações deve ser apontada noutras direcções para além do circo político do costume, considerando que os actores do regime já não convencem ninguém. A Igreja, é o que é, está lá, no seu sítio sagrado, quietinha, a ver no que param as modas. Esqueçámo-la. E nós? O que havemos de fazer para moralizar a vida em comunidade? Sim, moralizar, foi isso que eu disse. Sinto essa necessidade como um imperativo de consciência social, e reforço-a sempre que oiço um dirigente do Estado falar. Mas para moralizar, o crime não pode continuar a compensar e a ficar sem castigo.