O senhor Cavaco Silva [que heresia tratar uma Exª, por senhor], que ainda hoje deve acordar a perguntar-se como foi possível chegar a Presidente da República, tem, para além dessa íntima angústia, legítimas razões para andar com a auto-estima em alta. Apesar da crise estar finalmente assumida, só um homem com a auto-estima hiper-valorizada é que pode estar - como ele está -,convencido da relevância da sua oratória.
Há poucos anos atrás, num encontro com emigrantes -já não sei bem onde -, o nosso altivo Presidente lembrou-se de lhes "passar a mão pelo pêlo", dizendo-lhes que sentia por eles um enorme orgulho. Mal ouvi estas palavras pensei imediatamente no que lhe diria [se pudesse], caso estivesse no lugar dos adulados emigrantes, mas como não estava [e ainda bem para o Sr.Presidente], a reacção foi pacífica, como é normal, quando se recebe assim de supetão um piropo. Teve sorte Cavaco, por não ter aparecido alguém a fazê-lo olhar bem para a realidade e a ponderar melhor no que acabava de dizer. Isto, porque, salvo raras situações, ninguém emigra por emigrar. Quem o faz, fá-lo quase sempre pelas piores razões, quando, por exemplo, no seu país de origem, o presente é demasiado sombrio para perspectivar o futuro e se esgotou a esperança de poder sustentar a família.
É lamentável que a alguém com a importância de um Chefe de Estado, não ocorra pensar que ao elogiar os emigrantes está implicitamente a elogiar a emigração, e que isso não é propriamente lisonjeiro, não só para ele, como para os governantes do pais. Aos que emigram, só as famílias e os amigos têm legitimidade para louvar a coragem de partir, não a quem tinha o dever de o evitar. E a um Presidente da República só faria nexo manifestar orgulho, se, e quando, o país tivesse conseguido baixar os crescentes níveis de emigração, não o contrário!
Ontem, para não variar, ouvi Cavaco a soltar outra pérola que me deixou completamente inebriado de eloquencia e sabedoria. Foi textualmente assim: "Portugal, precisa de mudar de vida!" . Nem mais, nem menos. Só os jornalistas ou os comentadores políticos, terão capacidade para deslindar o lado filosófico de tão inédita expressão. Não eu.
Enquanto digeria a dura realidade de me aperceber quão profunda é a minha ignorância, dei comigo a perguntar-me se com tais protagonistas ainda haveria futuro para os portugueses, ou se teríamos todos de emigrar para rebentar de orgulho o nosso Presidente.
Viva o dia 10 de Junho! Viva Lisboa!