22 maio, 2014

A abstenção é um acto de independência cívica


Eu sei que a Europa está em crise. Já quis ser Comunitária, e agora tudo tem feito para não consolidar a União (a Alemanha de Merkl que o confesse). Mas sei também que a crise não é uma crise, são vários géneros de crises, e não se limitam à Europa. Podemos dizer, sem risco de exagerar, que as crises são globais. Até o clima no planeta parece ter entrado em crise... Abordemos a mais importante: a crise de valores.

Nos ideários político-partidários, fora dos dossiers programáticos, não se vislumbram preocupações genuínas com as questões éticas e sociais. Os partidos de esquerda conhecem-nas, é verdade, mas nunca como agora tiveram oportunidade para delas se servirem e poderem afirmar-se como alternativa aos vetustos e viciados partidos do chamado arco do poder (PS, PSD e CDS). Comentam com pertinência, mas são incapazes de fazer aquilo que lhes competia, que era persuadir o eleitorado, através de propostas de compromisso realistas, provando que possuem capacidade para governar o país com competência e seriedade. Mas para isso resultar, deviam tentar a "utopia" de encaixar no regime actual sem assustar os eleitores com as fórmulas caducas (comunistas) que os condenam à condição exclusiva de partidos de oposição. Pode-se-lhes louvar a coerência doutrinária, mas não se lhes pode reconhecer a objectividade como alternativa ao poder que, com razão, criticam. Isso, torna-os uma espécie de figuras decorativas da política que pouco mais servem do que para roubar alguns votos à direita conservadora, sem no entanto a poder substituir.

Outro ponto que me faz desconfiar dos partidos da oposição, é o silêncio cumplíce com os partidos do Poder nessa questão tão importante para o país, e para o Norte em particular, como é a Regionalização. Mostram estrategicamente o mesmo oportunismo que os partidos de governo, ou seja, preferem abdicar do potencial eleitorado, esclarecendo, desmistificando fantasmas, e alinham com a mesma hipocrisia e o mesmo conservadorismo daqueles que dizem combater. E a desculpa é sempre a mesma: não é oportuno. A ladaínha é sempre igual, o que para mim é suficiente para concluir que naquelas cabeças não luras donde possam sair coelhos... E portanto, eu não arrisco a dar-lhes o meu voto só para lhes satisfazer as vaidades pessoais.

O Manuel Serrão é um portista castiço, a quem até acho piada, que não é burro, mas não consegue ocultar a veia ultra-conservadora dos seus escritos. Ontem, decidiu lançar areia para os olhos dos leitores do JN quando, pegando numa frase do seu amigo Miguel Esteves Cardoso - "quem se abstém dá um voto de confiança nos que votam para decidirem por ele" - decidiu enfatizar a tese . Fazer tal afirmação é tão absurdo como dizer que quem não frequenta como eu as redes sociais (porque não gosto), é porque estou a querer dinamizá-la. Não pode haver maior contradição e falta de respeito pela opinião de alguns que confundí-las com a opinião de todos. É misturar a árvore com a floresta.

A abstenção lamenta-se, mas não se discute, porque é uma atitude tão válida, ou mais, que outra qualquer. E ao dizer que se lamenta, digo-o exactamente porque gostaria mesmo muito de votar. Mas para mim o voto é uma coisa demasiado séria, não pode servir para satisfazer o ego e os interesses de alguns. O voto para mim tem obrigatoriamente de ter retorno. Sem isso, não há voto. Ora, quando no passado o retorno dos meus votos teve como resposta a abdicação sucessiva de promessas, quando retratou como nenhuma outra coisa a falta de honradez de quem deles beneficiou, a minha decisão para com os líderes dos partidos está tomada: hipotequem a palavra, dêem-me garantias (como os bancos, sim), e depois conversamos.

Só assim me disporia a arriscar. Até porque o voto de um cidadão nunca devia ser uma decisão de risco, e lamentavelmente é.

Espero ter sido suficientemente eloquente. Se não fui, paciência, porque vou continuar neste caminho. Gostem ou não.

20 maio, 2014

Votar ou não, a questão é: não! E voto obrigatório, nunca !


O jornalista Paulo Ferreira apresentou no JN de hoje, a sua versão sobre esta questão  com a qual, exceptuando o timing, estou, diga-se, totalmente de acordo. Enfim, vale mais tarde que nunca... Cá o rapaz, que jura não ser nenhum iluminado, já chegou à mesma conclusão do senhor jornalista há muito, mesmo, muito tempo...  

Paulo Ferreira pergunta-se, com toda a naturalidade, por que é que "o cidadão eleitor há-de sair de casa para escolher uns tipos que mal conhece, para ocuparem um cargo numa instituição (distante) que mal conhece, que é o Parlamento Europeu?" Pessoalmente, há longo tempo que levanto a mesma questão aqui no Renovar o Porto em relação às eleições legislativas nacionais e não percebo por que é que ainda ninguém se lembrou disso mais cedo. É que, comparativamente falando, em termos de proximidade com os eleitores noutros actos eleitorais que não estes, o único momento em que os candidatos se aproximam do povo é  durante as campanhas, nos mercados, ou seja, quando lhes interessa. Com beijinhos e tudo... Depois disso, eclipsam-se. Ou não será verdade?

Não têm sido afinal os aparelhos partidários a impor ao eleitorado os seus candidatos sem previamente os darem a conhecer? Como é que apareceram Cavaco, Guterres, Barroso, Sócrates, Coelho e todos que os precederam? Acrescento: os próprios partidos saberão o suficiente do perfil intelectual e humano dos seus candidatos, ou estarão sequer interessados nisso antes de os elegerem? Cá para mim, as nomeações nos partidos funcionam mais em sistema de "combustão espontânea" e por puro servilismo, do que sustentadas em profundas reflexões dos militantes.  

Agora, que paulatinamente o rabiote dos políticos se desnuda, chega Marcelo Rebelo de Sousa (esse sim, um iluminado) com os resquícios genéticos do passado, a querer "sugerir" a obrigatoriedade do voto! Só nos faltava esta. Roubam-nos os ordenados, roubam-nos as reformas e já querem roubar-nos o direito de votar, ou não? Pela parte que me toca, caro Marcelo, levas um grande manguito! E mais, nem o voto em branco me dá qualquer confiança. Nunca sabemos o destino que lhes dão. É melhor não facilitar.

Caros leitores: há-de chegar o dia em que algum jornalista se lembrará, como se lembrou (só) agora o Paulo Ferreira do JN, que é preciso reformular a qualidade do voto, para melhorar a qualidade da "vindima" eleitoral (como os vinhos).

É só uma questão de tempo, eles chegam lá...