19 novembro, 2011

Afinal, para que serve a Constituição?

 É uma pena que a comunidade intelectual do país esteja a ser tão mal aproveitada. Se Albert  Einstein ainda fosse vivo, corava certamente de vergonha por ter carregado consigo a imagem da inteligência, depois de saber como é brilhante a Justiça portuguesa.

Foi com um sentimento semelhante que fiquei, depois de ler a página 6 do Jornal de Notícias de hoje, segundo o qual, existe uma lei de Cooperação Internacional em Matéria Penal, que permite a extradição de Duarte Lima para o Brasil, ao contrário do que tem vindo a ser divulgado pela comunicação social.

Mas, há também quem diga [o ex-bastonário Rogério Alves] que não é bem assim, porque a Constituição portuguesa proíbe a extradição de cidadãos portugueses, salvo nos casos de suspeita de terrorismo, ou de crime internacional organizado. Sobre isto, confesso que não consigo ver grandes diferenças entre o terrorismo do presumível assassinato cometido por Duarte Lima sobre uma pessoa, e qualquer outro. Só se for apreciado em termos de dimensão, como suponho ser.

Só que, as contradições não se ficam por aí. Corre uma outra tese [ do constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos] que defende não existir uma hierarquia fixa entre a Constituição e as convenções internacionais, admitindo inclusivé tratar-se de uma "controvérsia" que anda a ser discutida pelos juristas há [cito] mais de um século!

Finalmente, o bastonário da ordem dos advogados do Brasil parece ser mais taxativo. Para ele, se a Constituição determina que não pode haver extradição, não há tratado internacional que o possa impedir.

Expostos os doutos argumentos, a conclusão que o leigo retira desta verdadeira cruzada contra a ordem pública, é que ninguém quer ver implantado o rigor da Lei, incluindo advogados e os próprios magistrados da Justiça. Como é possível assinarem-se acordos internacionais sem previamente se investigar se colidem com o que está escrito na Constituição? E como é possível andar-se tanto tempo sem se saber, qual é, hierarquicamente e com precisão, o poder da Constituição, face ao das convenções internacionais? Como é possível haver dúvidas em matéria tão delicada como são a Justiça e a Constituição de um país? 

Como diria Hercule Poirot, as minhas células cinzentas não atingem tanta sofisticação. 

   

18 novembro, 2011

Desvios e rotundas à portuguesa

Como se pode confirmar aqui, este tema não é novo. Retrata a bagunça que ainda se faz notar nas ruas e nas estradas do país.  Mas, o laxismo continua, como se pode constatar na foto extraída do Google Earth. Quem se desloca na Rua Teixeira Lopes, de Custóias  para a Senhora da Hora, no sentido das setas, depara com uma rotunda absurda e burra, obrigando os veículos que por ali circulam a descrever um rigoroso ângulo recto para a contornar. O resultado desta aberração urbanística, é que os condutores passam em frente. E neste caso concreto, têm toda a razão.

Se quiserem saber de quem é a responsabilidade, não é de ninguém. Ou melhor, como agora está na moda dizer, em genuíno politiquez: a culpa é de todos nós. Os gordos salários e mordomias é que não...


A imagem dá uma pálida ideia da realidade. Só mesmo passando pelo local se "percebe" melhor


Ps-Nesta mesma data seguiu link deste post para a autarquia de Matosinhos


17 novembro, 2011

Quantos coelhos mais, vão sair da lura?


Aleixo,  o  filão que tramou Rui Rio
Não nos precipitemos, isto é apenas o início de mais uma longa novela policial, igual a tantas outras, onde a culpa morreu solteira. Não há justiça para os grandes ladrões, portanto muita calma...

Não deixa de ser curioso saber como irá terminar esta história do digníssimo ex-deputado e advogado Duarte Lima, depois de se descobrir que estava ligado a outro honradíssimo ex-deputado Vitor Raposo  , promotor do fundo de investimento  do negócio no Bairro do Aleixo que tanto entusiasmo suscitou ao amigo de carreira [e partido], Rui Rio...

João Palma critica 'silêncio' e inacção da PGR no caso Duarte Lima


O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) defendeu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) devia tomar uma decisão quanto ao caso Duarte Lima, aplicando as normas do Código Penal que são «claras» nessa matéria.

«A PGR não deve pactuar com o silêncio, não deve cultivar o silêncio e devia tomar uma decisão relativamente ao assunto», disse João Palma à Agência Lusa.

O presidente do SMMP considera que o Procurador-Geral da República «já devia ter aberto um inquérito a Duarte Lima», precisando que os artigos 5 (factos praticados fora de território nacional) e 6 (restrições à aplicação da lei portuguesa) são «claros» nesse sentido.

João Palma realça que nem sequer é «inédito» em Portugal haver cidadãos portugueses submetidos à justiça nacional por alegados crimes cometidos no estrangeiro.

Confrontado com o esclarecimento dado recentemente por Pinto Monteiro aos jornalistas de que a Procuradoria não recebeu qualquer participação oficial do caso Duarte Lima, por parte das autoridades judiciárias brasileiras, o presidente do SMMP disse «perceber que o PGR aguarde uma comunicação oficial», mas frisou que «também é um facto público e notório» aquilo que tem sido noticiado sobre a acusação feita a Duarte Lima.

Em sua opinião, isso bastaria para accionar os «mecanismos processuais penais» em Portugal relativamente a Duarte Lima, acusado no Brasil de homicídio qualificado de Rosalina Ribeiro.

Em termos globais, incluindo na criminalidade económico-financeiro, o presidente do SMMP entende que se está a assistir a uma «fase de alguma letargia na acção do MP» e que essa letargia sendo «má, é sobretudo negativa» num período como aquele que Portugal está a atravessar.

Num período de crise financeira - salientou João Palma - exige-se e espera-se um «MP mais atento e actuante» e cuja função seja fundamental para assegurar «maior transparência» nas contas públicas e na actividade do próprio Estado.

«Gostaríamos de ter um MP mais interventivo, actuante e empenhado», concluiu.

[Fontes: Lusa/SOL]

Nota de RoP
Ultrapassado pelos acontecimentos, acabo de saber que Duarte Lima está preso, acusado por fraude e branqueamento de capitais.

Vamos lá ver o que vão magicar os advogados de defesa para desembrulhar mais estas pérolas deste exemplar magnífico da política nacional. Não haverá por ai um acordozinho especial para facultar a fuga de Duarte Lima para uma ilha deserta? Se não há, é lamentável, até porque o homem só pode estar inocente. Ou não seja ele político, todos uns anjinhos.

Edifício do BPP na Foz comprado por 3,5 milhões de euros

Entrou no noticiário nacional nos últimos anos como palco de diversas ocupações por clientes furiosos. A antiga sede do Banco Privado Português (BPP) no Porto foi vendida em leilão por 3.505.100 euros, 10 vezes acima do preço base, segundo anunciou a Direcção-Geral dos Impostos.

O valor base do imóvel situado na Avenida de Montevideu, na zona da Foz da cidade, era de 394.611 euros, tendo sido apresentadas 218 propostas até terça-feira, pelo edifício de 3 pisos e 15 divisões, localizado num terreno de 2.072 metros quadrados.

Na terça-feira, o advogado Carlos do Paulo, que representa os clientes do BPP, acusou o Estado de “prejudicar muitos credores” do banco ao alienar património sem que a verba conseguida vá para a “massa falida”.

“O Estado está a exercer privilégios creditórios em detrimento dos clientes. Está a alienar património prejudicando clientes porque isto não vai para a massa falida do banco”, disse Carlos do Paulo.

[Fonte: Porto24]

16 novembro, 2011

Um país chamado Estádio da Luz


Gosto de futebol, mas o meu gosto pelo futebol não comporta a parolice de cantar o hino nacional ao fim de um jogo que apenas assegurou a passagem da equipa à fase seguinte de uma competição. Este tipo de manifestações, de patriotismo de supermercado que os media tentam impôr à viva força ao resto do país, é de provocar vómitos. Agora percebo por que é que os bónios assobiaram o Ronaldo...

A comunicação social tratou de convencer a opinião pública que é dona de paradigmas de informação irreversíveis e indiscutíveis, ao ponto de tratar os espectadores como um bando de idiotas a quem tudo pode impingir. A verdade, é que o grande público, pouco exigente e altamente influenciável, tem-lhe dado aso a esses abusos, mas mesmo assim tudo tem limites.

Folheando o JN [há mais exemplos], tanto deparámos com uma pertinente crónica apelando à resolução dos problemas sociais, como encontramos dezenas de fotos com grandes seios e rabos ao léu, publicitando encontros com prostitutas e travestis. As televisões [ a SIC de Pinto Balsemão, por ex.] não são muito diferentes, promovendo conteúdos muito próximos da pornografia. No desporto, mais propriamente no futebol, a bagunça é semelhante, só que em vez de cus e de mamas, explora-se a intriga e o esbulho premeditado de méritos alheios. Enfim, há quem ganhe a vida assim, desta forma "nobre" e "pedagógica" e ainda sinta legitimidade para pregar a moral a outros... Os espelhos já não são o que eram.

O voierismo é outra das "minas" mais exploradas pelos media. Se programas deploráveis e decadentes, como "A Casa dos Segredos" e os "Big Brothers" existem - defendem eles -, é porque há público a quem os vender. E têm parcialmente razão. Esquecem-se, é de explicar que tipo de público é esse, porque isso, claro, seria matar o negócio à nascença. Além de mais, há sempre gente ordinária disposta a participar em programas ordinários, tanto na qualidade de apresentadores como de participantes. O lixo é o mesmo. Só que, enquanto uns [desgraçados], são enganados com uns cobres e falsas perspectivas de sucesso, outros [os apresentadores] recebem somas astronómicas apenas por lhes dar a cara, mascarando a própria vulgaridade, alternando o trabalho sujo com entrevistas a figuras mais ou menos ilustres da vida pública. Não custa viver... 

Finalmente, temos as páginazinhas dedicadas ao glamour cor-de-rosa. Ninguém pode duvidar, por exemplo, que para os responsáveis editoriais do JN e para a própria administração, é um emergente serviço público saber que o "Rui Costa já não usa aliança", ou que  "Orsi Fehér está ansiosa por ir viver para o Dubai"... Nem tão pouco pode ser indiferente ao sentir nacional [segundo o jornal A Bola], associar o estádio da Luz ao feito "heróico" da selecção pela qualificação para a fase final do Euro 2012! Heróis da Luz! Nem mais.

Se o jornal falasse, seria aos berros que a frase era lida. E se lhes déssemos ensejo, até nos entravam casa adentro para nos impingir uma pátria que só eles foram capazes de inventar e que até já confundem com o bairro vermelho de Benfica. Às tantas, até eu nasci benfiquista e ainda não sabia. 

15 novembro, 2011

Informação

Por razões alheias à minha vontade, o último post, plasmado de um artigo do Público, criou um espaço invulgarmente grande relativamente ao post antecedente, pelo que recomendo clicar em "Mensagens antigas", caso tencione ler os posts mais recentes.

 Muito obrigado

Lisboa, terceira metrópole europeia. Ou não.


Francisco Jaime Quesado trouxe-nos um artigo pejado de erros e omissões

No seu artigo “Um choque territorial, publicado no Público a 27 de agosto, Francisco Jaime Quesado (FJQ) afirma que Portugal necessita duma “aposta nas cidades médias” para conseguir um país mais “plano”. Afirma também que, segundo o “novo estudo de projecções da ONU, em 2025 a Região da Grande Lisboa vai comportar 45,3 % do total da população do país”, passando de uma população “de 3,8 milhões, em 2000, para 4,5, em 2025″. A Área Metropolitana do Porto teria, em 2025, 23,9% do total da população portuguesa.

Não querendo fazer considerações de política territorial às afirmações de FJQ, prefiro concentrar-me na discussão dos números apresentados, e das denominações utilizadas. Começo pela “Grande Lisboa”, que no início do artigo também é referida como “Região da Grande Lisboa”. A “Grande Lisboa” é uma NUTS III (correspondente ao sul do distrito de Lisboa) que comportava em 2009 pouco mais do que 2 milhões de habitantes, enquanto que a “Região de Lisboa” é uma NUTS II (que existe apenas para efeitos estatísticos, e que engloba o sul do distrito de Lisboa e o norte do distrito de Setúbal), com mais de 2,8 milhões de habitantes. É coincidente em termos geográficos com a Área Metropolitana de Lisboa (AML). Conclui-se então que nunca existiu qualquer “(Região da) Grande Lisboa” com 3,8 milhões de habitantes, nem em 2000 nem agora.

Por outro lado, FJQ compara essa massa gigantesca (imaginária?) de território e população com a Área Metropolitana do Porto, essa sim concreta e facilmente quantificável: quase 1,7 milhões de habitantes em 2011, cerca de 16% da população portuguesa. O que se consegue com este jogo de números, denominações trocadas e confusão geográfica? Um engano, que procura prolongar o mito de que um terço da população portuguesa habita em Lisboa (e à volta dela). E com isso se eternizam opções de desenvolvimento erradas, com centralismos irremediavelmente desfasados da realidade.

A infografia que apresento foi criada expressamente para rebater esse mito. Ou melhor, rebato esse mito confirmando-o: um terço da população portuguesa mora de facto no concelho de Lisboa e à sua volta. Se repetirem o exercício (abstrato) de desenharem uma circunferência com um raio de 80 km centrada em Lisboa, encontram cerca de 3,45 milhões de pessoas, quase um terço da atual população total do país, 10,6 milhões. Mas se desenharem igual círculo à volta do Porto, encontram cerca de 3,77 milhões. Mais de um terço da população. E se o raio aumentar para os 120 km, a diferença é ainda maior: 5,29 milhões à volta do Porto (incluindo Vigo e outros concelhos galegos) e apenas 4,08 milhões à volta de Lisboa.

O que se pode concluir disto? Lisboa, enquanto aglomeração urbana (ou enquanto Área Metropolitana), constitui a maior concentração populacional do país. Quanto a isso não restam dúvidas. O Porto, enquanto região metropolitana (ou assumindo os 120 km de raio como “área de influência”), é a maior do país. E é o centro da trigésima terceira maior megarregião do mundo (que Richard Florida erroneamente apodou de Megarregião de Lisboa). A demografia diz-nos pouco do poder real das regiões, mas é clara neste aspeto: o Porto é o centro populacional do país.

Voltando ao artigo de FJQ, o autor refere, com a clareza que só os números podem dar, que essa “Grande Lisboa” concentraria em 2025 “45,3% do total da população do país, tornando-se na terceira maior capital metropolitana da União Europeia, logo a seguir a Londres e a Paris”. Após ler tal projeção, inédita para mim, tratei de procurar na internet dados que corroborassem as afirmações do autor. Encontrei de facto as World Urbanization Prospects, publicadas pela ONU. A última atualização foi feita em 2009, não se percebendo muito bem o que entende FJQ quando escreve “o novo estudo de projecções da ONU”. Um “novo estudo” com dois anos de idade. Nesse estudo Lisboa é apresentada como tendo em 2009 2,8 milhões de habitantes (a população da AML), prevendo que a população possa chegar aos 3 milhões até 2025. Percorrendo o documento percebe-se que esse crescimento, relevante, não aproxima a AML da dimensão de outras aglomerações urbanas europeias que não Paris ou Londres (Madrid, 5,8 milhões em 2009, 6,4 em 2025; Berlim, 3,4 milhões em 2009, 3,5 em 2025).

Por outro lado, quando FJQ fala da concentração de 45,3% da população portuguesa, confundiu a população total com a percentagem da população urbana a residir na zona da capital. Esse número, 45,3%, corresponderá já à percentagem da população urbana portuguesa que habita na AML. O que os estudos da ONU nos dizem é que essa percentagem, até 2025, irá descer até 41,6%. Ou seja, apesar do aumento de população estimado para a AML e da diminuição do total da população do país (de 10,6 para 10,1 milhões), o peso da AML no total da população urbana do país irá até diminuir. As conclusões de FJQ, assim sendo, perdem todo o fundamento. O que a ONU nos diz é que a população portuguesa continuará a deixar as zonas rurais, mas cada vez mais para outras concentrações urbanas, também no litoral.

Nuno Gomes Lopes, arquiteto



P.S.: descobri em http://www.apfn.com.pt/Noticias/Set2008/110908a.htm outro artigo de FJQ intitulado “Portugal (ainda) não é plano”, que está referenciado como publicado pelo Público a onze de setembro de 2008. Outro artigo? A verdade é que os artigos só não são exatamente iguais porque algumas palavras são diferentes e certas frases não existem em ambos os artigos. A única verdadeira diferença é esta: nesse primeiro artigo os dados da ONU não são relativos a 2025, mas sim a 2015.


[Fonte: Público]

Bom detergente para lavar maus políticos

 "OMO" lavará mais branco os políticos?
Dizem-nos que os partidos políticos são indispensáveis à democracia, e nós queremos crer que sim.

Até prova em contrário, ou enquanto não nos dispusermos a tentar outros caminhos que contrariem ou anulem de vez esta verdade duvidosa, podemos continuar a acreditar.

Para nos tornarmos políticos, na acepção da palavra, basta que qualquer um de nós adira a uma organização ou movimento dessa natureza. Como tal, quando falámos mal da classe política, obviamente que só podemos estar a referir-nos àquela classe cujos partidos tiveram responsabilidades governativas, e aos partidos da oposição que por apoio ou abstenção, pactuaram com esta forma vergonhosa de fazer política.

Mas, enquanto não descobrirmos novos sistemas de organização governativa, ou enquanto os partidos não encontrarem forma eficiente de se livrarem dos elementos nocivos responsáveis pela má imagem da classe, e pelos maus governos, o mínimo que podemos fazer, é confrontá-los com as suas progressivas incongruências.

Talvez nos ajude a detectar essas incongruências se percebermos algumas das razões pelas quais o bastonário da Ordem dos Advogados tem sido atacado como nenhum outro bastonário foi desde o 25 de Abril a esta parte, o que não deixa de se estranhar...

Como é do conhecimento público, Marinho Pinto - com os pontuais exageros que lhe possam apontar -, tem denunciado várias situações abusivas dentro das instituições da Justiça e do Direito. Uma delas, é a incompatibilidade entre o desempenho de cargos políticos e a advocacia que, conforme dita a lei, veda aos políticos a gestão em empresas que tenham negócios com o Estado. É desprezando o espírito da lei, que sem pudor nem respeito pela imagem que deixam passar para o exterior, 47 deputados e alguns juristas, continuam a exercer funções em sociedades de advogados sob o "genial" argumento de que tais sociedades não podem ser consideradas empresas! Se isto não é um comportamento miserável, um retrato indecente da mentalidade de certos deputados, o que será? Dignidade? Sentido ético? Respeitabilidade? Não, não é nada disso, seguramente!

Pergunta-se: que credibilidade pode ter um parlamento cuja Comissão de Ética não é capaz de pôr em prática os poderes para que foi designada? Se não tem poderes, por que não os reclama? Se não lhos conferem, por que não se demite e diz, preto no branco, quem lhos recusou?  São estes comportamentos, de absoluta permissividade e laxismo, que descredibilizam a Democracia e que colocam em causa a seriedade de toda a classe política.

Volto à minha: quem cala, consente! Apresentar desculpas esfarrapadas à posteriori, depois da casa ardida, que é como quem diz, após alguém ter denunciado a situação, não convence ninguém. E devo dizer que, pessoalmente, não confio em quem formula tais desculpas. Para mim, é logo identificado como cooperante da degradação política de que estamos a falar.

A crise, que afinal não é  uma crise aleatória, mas na essência, o verdadeiro rosto do capitalismo selvagem [embora a definição desagrade aos neo-liberais], está a revelar o seu lado virtuoso, que é, retirar o tapete àqueles que durante longos anos andaram com o populismo na boca, acusando quem os queria denunciar, e que agora, sem saberem como, já não sabem como levantar a máscara. 

14 novembro, 2011

Privilégios dos magistrados (II)


Vimos na minha última crónica como são elevados os vencimentos dos magistrados portugueses quando comparados com as remunerações de outros servidores do Estado, nomeadamente militares e professores do Ensino Superior e, sobretudo, quando são olhadas à luz das capacidades económicas do país.

Mas, há outro aspecto relevante e que é pouco conhecido do público. Trata-se do apertadíssimo leque remuneratório existente na magistratura judicial. Com efeito, os vencimentos dos magistrados têm vindo a ser uniformizados, chegando-se já ao ponto de a diferença entre o vencimento base do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o dos juízes dos tribunais de círculo (primeira instância), ser apenas de cerca de 500 euros.

Esse facto resulta da circunstância de haver um tecto remuneratório correspondente ao vencimento fixado para o presidente da República que limita os aumentos dos vencimentos dos juízes dos tribunais superiores, enquanto os dos outros magistrados, sobretudo os de 1.ª instância, têm uma margem de aumento muito maior. Se as coisas continuarem assim, não tardará muito para que a maioria dos magistrados tenha uma remuneração muito semelhante à do presidente do STJ. Essa é outra consequência do sindicalismo nas magistraturas.

Sublinhe-se que, só com as remunerações dos magistrados, o Estado português gastou em 2010, mais de 220 milhões de euros, dos quais cerca de 182 milhões com as remunerações certas e permanentes e cerca de 40 milhões com remunerações variáveis e eventuais.

Mas outro dos mais escandalosos privilégios das magistraturas é o subsídio de habitação que os sindicatos querem que passe a ser denominado de subsídio de compensação e que corresponde a milhares de euros anuais, os quais, por decisão dos próprios tribunais, estão totalmente isentos de impostos.

Esse subsídio estava na sua origem ligado a um dos paradigmas mais saudáveis da boa administração da justiça consubstanciado na antiga regra do sexénio, abolida em meados dos anos oitenta, e que consistia na obrigatoriedade de os juízes não poderem permanecer na mesma comarca mais de seis anos. Era a versão contemporânea da figura do «juiz de fora» do século XIV e que pretendia evitar que as relações pessoais dos juízes pusessem em causa a boa administração da justiça.

Com efeito, é de meridiana evidência que um juiz residente durante muitos anos na mesma localidade chegará a um ponto em que, por muito honesto que seja, acaba por não poder fazer boa justiça, precisamente por não se libertar das ligações pessoais e familiares, bem como das amizades e inimizades que a prolongada permanência no mesmo local sempre origina.

É óbvio que o sexénio obrigava a grandes sacrifícios, a que o Estado respondia com a atribuição aos juízes de alguns direitos extraordinários, tal como as casas de função, ou seja, residências mobiladas e totalmente gratuitas. E quando não havia residência do Estado, então os magistrados recebiam uma quantia em dinheiro para eles custearem as despesas de habitação.

Porém, os magistrados acabaram com a regra do sexénio, mas mantiveram o subsídio para a habitação.

Ultimamente, os juízes têm tentado transformá-lo numa parte do vencimento, chamando-lhe subsídio de compensação (compensação de quê?), embora seja óbvio que ele só se refere à habitação, pois os magistrados a quem o Estado atribuiu casa não o recebem.

Ou seja, além da remuneração que é das mais elevadas do Estado (basta ver que cerca de 95% de todas as pensões de reforma superiores a 5.000 euros por mês que o Estado paga, incluindo as dos titulares dos restantes órgãos de soberania, são de magistrados), ainda recebem um subsídio pago, indistintamente, a todos os magistrados, incluindo aqueles que já estão aposentados ou os que vivem em casa própria ou de familiares. Mesmo aqueles que vivem juntos na mesma casa recebem esse subsídio como se cada um vivesse em casa própria.

Chega mesmo a verificar-se situações em que um casal de magistrados vivendo juntos, a um deles o Estado atribui a casa de função e a outro o subsídio de habitação. Trata-se de situações anómalas que não deviam acontecer ou então que deviam ser corrigidas rapidamente. Mas nesses privilégios não mexe a ministra da Justiça.
[Fonte:JN]

Nota de RoP:

Gostaria muito de acreditar na possibilidade de - nesta Democracia amputada em que vivemos -, se acabar radicalmente com os abusos de poder de uma classe que devia estar, não apenas, acima de quaisquer suspeitas, como tudo devia fazer para o conseguir.

Como sabemos, em Portugal, a Democracia, é meramente representativa, e aqueles que continuam a representá-la, não têm elevação, nem saber, para merecer essa honra. Não passam de simples actores. O nosso maior drama, é que foi na Ditadura que eles se forjaram, mas é neste modelo híbrido de Democracia que eles se sentem mais à vontade... 

Otelo ainda lhes mete medo


"Para mim, a manifestação dos militares deve ser, ultrapassados os limites, fazer uma operação militar e derrubar o Governo", disse Otelo à Lusa. A hoje corajosa e vociferante trupe de ressentidos do 25 de Abril logo viu aí o "apelo" a novo golpe de Estado, sacando ofegante do Código Penal (esqueceu-se do RDM) contra o agora coronel na reserva. No tinteiro deixou o inconveniente "para mim", que faz da afirmação mera expressão de uma opinião pessoal. Ou de uma convicção: "Estou convicto de que, em qualquer altura, se os militares estiverem dispostos a isso, podem avançar sempre para uma tomada de poder", disse ainda Otelo, no óbvio papel de "Monsieur" de La Palice.

A Renascença foi mesmo ao ponto de ridicularizar a PGR por esta não abrir um inquérito ao caso, "a não ser que factos posteriores o justifiquem", deitando-se a interpretar o que serão "factos posteriores", além de factos posteriores. Os resultados divergem: para o corpo da notícia, factos posteriores são... "consequências práticas", para o título já é... "golpe de Estado", coisa bem mais sonora e radiofónica.

A mesma gente não manifesta, no entanto, idêntico fervor democrático face aos recentes golpes de Estado, consumados e não imaginários, na Grécia e em Itália, países onde, por imposição do Deus Mercado e de Merkel e Sarkozy, seus profetas, governos resultantes do voto foram substituídos por governos "técnicos" sem mandato popular.

[Fonte: JN]