03 setembro, 2020

Rui Pinto, o fantasma dos corruptos e arrogantes. Estou contigo, pá!

Rui Pinto, criador da plataforma eletrónica Football Leaks, que começa a ser julgado na sexta-feira, classificou hoje o Benfica como "um polvo de influência" e afirmou que os responsáveis do clube "pensam que dominam o país".
"Este clube é como um polvo de influência. Há um pormenor muito importante sobre o qual quero que o público pense. Ao mesmo tempo que as autoridades portuguesas enviavam um pedido às autoridades húngaras para alargar o meu mandado de detenção europeu, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria recebeu dois bilhetes VIP para jogos do Benfica e teve encontros no estádio do Benfica. Isto é o Benfica", disse Rui Pinto, em entrevista à revista alemã Der Spiegel, publicada esta quarta-feira pelo Expresso.
Rui Pinto afirma que "depois da publicação de e-mails do Benfica, todos começaram a perceber que o modus operandi dos seus dirigentes era alargar a influência, muitas vezes por cortesia, para alcançar os seus objetivos" e entende que o clube "foi uma das partes mais interessadas no alargamento do mandado de detenção europeu".
O criador do Football Leaks, plataforma através da qual divulgou milhares de documentos confidenciais do mundo do futebol e alegados esquemas de evasão fiscal cometidos em diversos países, garante que não se considera um "hacker" e defende o papel do "whistleblower" (denunciante)
"Alguém que procura, recebe e analisa informação relativa a crimes relevantes como corrupção e fraude fiscal e decide partilhá-la com media internacionais ou diretamente com as autoridades deve ser considerado um whistleblower. Tomemos os Panama Papers como exemplo. Hoje, a maior parte das pessoas já se esqueceu de que foi um ato de 'hacking' (pirataria informática)", afirma.
Rui Pinto, que está em liberdade e, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial, admite sentir-se "um pouco triste porque o Football Leaks não atingiu tudo o que esperava no início".
"Para os denunciantes, o mundo do futebol não é o sítio mais fácil para entrar. Creio que o Football Leaks foi uma das mais perigosas fugas de informação. Os denunciantes do futebol correm muito mais perigo do que os de outros negócios, como os dos Panama Papers ou dos LuxLeaks", disse.
Também responsável pelo processo Luanda Leaks, Rui Pinto considera que as denúncias que envolvem Isabel dos Santos mudaram a sua imagem perante a opinião pública.
"Houve uma mudança na imprensa relativamente a mim: alguns jornalistas que me chamavam sempre pirata ou hacker ou espião informático agora chamam-me whistleblower. Antes, todos tratavam o Football Leaks como uma guerra tonta entre clubes de futebol. Mas, quando apareceu o Luanda Leaks, todos perceberam que havia muito mais que isso. Até os procuradores acabaram por perceber que isto era maior do que o que esperavam. Este projeto acabou por me ajudar a finalmente sair da prisão", refere.
Rui Pinto, um autodidata ao nível dos conhecimentos de informática, começa a ser julgado na sexta-feira por 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 crimes de violação de correspondência, seis crimes de acesso ilegítimo, sabotagem informática à SAD do Sporting e extorsão.

01 setembro, 2020

Divisão de Tachos

Uma fórmula eleitoral excêntrica e medrosa. Assim se classificou, nesta mesma coluna, mas em 2017, a proposta do Governo de transformar as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) numa espécie de proto-regiões.
Já então se percebia que um colégio eleitoral de autarcas (presidentes e vereadores, deputados municipais e líderes das juntas) não era o melhor exemplo de democracia.
Ainda assim, podia ser visto como um mal menor. Mesmo com o pecado original, talvez a intenção fosse boa: caminhar no sentido da regionalização, atribuindo às CCDR, logo numa primeira fase, a gestão de todos os fundos europeus destinados às regiões, e não apenas as "migalhas" dos programas operacionais regionais.
Durou pouco. Uns dias depois, o ministro Eduardo Cabrita lá veio esclarecer que afinal as CCDR ficariam com o que já tinham e nada mais. Começava a ser mais difícil encontrar utilidade nesta reforma administrativa, mas talvez ainda se pudesse dizer que caminhava na direção correta: um pequeno passo é melhor do que passo nenhum.
Mas isso foi só até ser conhecido, este verão, o articulado completo. O colégio eleitoral mantém-se, mas o Terreiro do Paço dá com uma mão, para tirar com a outra: escolhe um dos vice-presidentes (pelos vistos, para garantir a paridade de género) e pode demitir o presidente. Ou seja, os futuros líderes regionais são eleitos por uma assembleia de autarcas, mas na verdade, não é perante o seu eleitorado que terão de responder, antes perante o fiscal instalado no trono imperial.
Como estamos em Portugal, as coisas podem sempre piorar. Para acabar de vez com qualquer pretensão democrática, PS e PSD negociaram nos bastidores e decidiram distribuir as presidências: esta para mim, aquela para ti. Ou seja, este tacho para mim, aquele para ti. Se alguém acha que algum dia PS e PSD avançarão com a regionalização do país, talvez seja melhor esperar sentado. Na hora da verdade, fala sempre mais alto a manutenção do poder a partir do centro. Nem que seja só para ficar com umas migalhas.
Rafael Barbosa
Chefe de Redação (JN)