10 abril, 2014

Um FCPorto como o clima, instável, instável

Quem pensar que as críticas que aqui tenho dirigido à gestão do Porto Canal não têm qualquer relação com a péssima época desportiva do FCPorto que se desengane, porque tanto o clube como o  canal são da responsabilidade da mesma entidade, ou seja, da estrutura directiva do FCPorto. Isto, se for verdade que o clube é mesmo o legítimo proprietário do Porto Canal, facto que parece ainda pouco claro, como aliás pouco clara é, a imagem de marca do FCPorto deste ano em relação a quase tudo. O resto, é conversa.

Resumindo: este ano, o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa e respectiva SAD estão a fracassar em toda as linhas. Mais. Atrevo-me a escrutinar que, além da Super Taça de início de época, em termos desportivos, o clube arrisca-se a não ganhar nada. Na actual situação não sobra muito espaço para grandes optimismos e até me parece contraproducente. Eu não acredito porque sim, acredito porque e quando se é competente.  

A derrota copiosa desta noite (4-1) frente ao Sevilha e consequente eliminação da Liga Europa é apenas o resultado (o campeonato já se foi) de um certo laxismo de gestão verificado nos últimos 2/3 anos. A aposta cega na habitual incompetência dos adversários directos, sem atentar aos sinais de mudança  positiva que se vinham verificando, foi um erro crasso e uma atitude imperdoável de arrogância cujo preço ainda estamos longe de poder avaliar. Depois, a desastrosa contratação de um treinador praticamente desconhecido, sem se saber nada do seu perfil psicológico, da sua capacidade de liderança, tendo um modesto 3º. lugar no Campeonato como melhor registo currícular, só veio agravar a situação. Descontando os primeiros desaires, ultrapassado exageradamente o período de tolerância com Paulo Fonseca, a direcção do clube entrou numa onda  de facilitismo altamente perigosa que arrastou o clube para a actual situação.   

No Porto Canal as coisas vão nessa mesma onda. Alguma anarquia de gestão, uma programação pobre e pouco criativa, uma total falta de estratégia editorial acumulada com a renúncia em defender os interesses do clube e da própria cidade contra as impiedosas investidas centralistas, provam que algo vai mal no reino do Dragão.

Que as coisas já não são como eram, disso já não pode haver dúvidas. E não me venham com a história cansada de que não se pode ganhar sempre, porque o problema não é tão simples quanto isso. O FCPorto está com a sua identidade adulterada e em risco de colapso. Qualquer equipa do meio da tabela chega ao Dragão e faz o seu jogo como se estivesse a jogar em sua própria casa. O futebol de Paulo Fonseca deixou mazelas profundas, e não é de um dia para o outro que se pode exigir de Luís Castro o que Paulo Fonseca  não fez em quase toda uma época. Ou antes, fazer até fez, e não foi bom: desmantelou tudo o que restava de positivo. Mas, o principal responsável chama-se Jorge Nuno Pinto da Costa e membros da SAD. E é pena, porque os adeptos, entre os quais me incluo, sempre acreditaram naquilo que ele disse quando afirmou que na hora em que entendesse já não controlar o leme da nau, deixaria o lugar promovendo eleições no clube para o ceder a outro.  Será que esse momento chegou? Se chegou, então toca a cumprir a palavra.

Off topic, ou talvez não;

a postura dos nortenhos e seus putativos líderes dos últimos anos, assemelha-se em tudo à reacção de algumas pessoas na presença de certos animais: quando deles se aproximam, logo são atacadas porque o medo farejado pelo animal é interpretado como uma ameaça. 

Agora neguem lá que os nortenhos não se têm fartado de transmitir medo a esse monstruoso animal chamado centralismo? Ele morde-nos (e cada vez mais) porque nós somos incapazes de provar que não o tememos. É assim na política, na cidadania, e agora, até no FCPorto...

08 abril, 2014

O sobe e desce da pobreza e do crime

Tivemos no espaço de poucos dias a divulgação de dados estatísticos oficiais sobre a pobreza e a criminalidade em Portugal. Embora se trate de dados independentes entre si, é curioso terem vindo a público em dias tão próximos.

É que se referem a fenómenos sociais que andam juntos desde há muito no pensamento elementar do senso comum: os ambientes da pobreza seriam caldo de cultura delinquencial, facto que a própria ciência validou enquanto concentrou o seu olhar nos aglomerados do operariado que era necessário vigiar e conter.
A prototeoria do senso comum dá como certo que o natural é que os pobres roubem os ricos, o que é de muito mais fácil compreensão espontânea do que teorias que procuram evidenciar o modo como os ricos roubam os pobres. Daí a dificuldade para julgarmos seriamente a corrupção, daí a pouca sensibilidade para considerarmos como crimes certas atividades secretistas de indivíduos das elites que, objetivamente, nos roubam a todos, como tem sido notório desde que a crise financeira mundial de 2008 desatou a descobrir carecas. Podíamos dizer que estamos neste caso perante roubos indiretos, ocultando deste modo a evidência tanto de quem é o ladrão como de quem é a vítima. E o problema é que o senso comum só classifica como crime aquele que é direto e permite suspeitar do infrator e identificar a vítima.
O tipo de criminalidade que mais preocupa o cidadão comum e as autoridades, a que é classificada como grave e violenta, diz o relatório de segurança interna ter diminuído quase 10% em relação ao ano anterior (compara 2013 com 2012).
Não dou grande atenção a este ritual anual de divulgação das estatísticas da criminalidade. As razões são fundamentalmente duas: baseiam-se no crime registado pelas polícias, o que é apenas uma parte daquele que ocorre, estando certos tipos de crime hiper-representados e outros quase invisibilizados em função da pouca frequência das denúncias; comparar fenómenos multifatoriais e multideterminados como o crime de um ano para o seguinte não tem, salvo exceções, significado – não regista tendências, mas flutuações.
Feita a advertência, especulemos sobre as possíveis razões desta diminuição:
1. Os delinquentes, tal como o resto dos cidadãos, andam acabrunhados com o que se tem abatido sobre o país e, tomados de afetos depressivos, produzem menos.
2. Tal como advertiu há poucas semanas Belmiro de Azevedo, estamos longe dos padrões de produtividade dos alemães, o que provavelmente é transversal a todos os setores de atividade. Por que havia o empreendimento criminal de fugir à regra?
3. Tem saído muita gente para o estrangeiro à procura do trabalho que não há cá. Um efeito provável do êxodo migratório é o dos nossos delinquentes estarem a rumar a outras paragens onde o horizonte do delito seja mais risonho, também eles vítimas do tão pouco que começa a haver para roubar num país que anda a ser roubado há vários anos a pretexto duma crise.
4. Vêm agora menos imigrantes dos países que os alarmistas das invasões por extraterrestres diziam serem os responsáveis pelo aumento e, sobretudo, pela gravidade da criminalidade: romenos, brasileiros, criminosos de alto coturno sobrantes do desmantelamento militar do antigo bloco soviético, gangs multinacionais do tráfico de mão de obra, etc.
A criminalidade tem o mesmo problema de outros fenómenos sociais sobre os quais todos expedimos certezas: está sujeita ao preconceito no lugar da explicação, ao devaneio mascarado de causa, ao delírio disfarçado de teoria. É um bom terreno para se brilhar no ecrã televisivo a dizer uma torrente de banalidades temperada com uns termos técnicos para convencer a audiência.
Ora, um dos mitos que continua a fazer carreira é o da ligação causal direta entre pobreza e cometimento de crime. Trata-se duma falsa relação que é fácil de demonstrar através de inúmeros exemplos. Pois bem, a nossa realidade recente é só mais um deles. Com o que o INE acaba de revelar sobre o aumento da pobreza em Portugal ficámos, por exemplo, a saber esta coisa espantosa: se não fossem as transferências do Estado em subsídio de desemprego, abono de família, pensões de sobrevivência e outras prestações sociais, 46% dos portugueses estariam abaixo do limiar de pobreza. Deveríamos, segundo as pseudoteorias da relação pobreza-criminalidade, ter então feito aumentar esta ao subir aquela. Passou-se, ao que dizem os números, exatamente o contrário.
Não queria terminar estas reflexões sem uma justa homenagem ao governo. Tem o executivo de Passos Coelho revelado grande rasgo visionário desde que tomou posse. Ora, também no campo aqui em análise estão na linha da frente: sabem que a relação pobreza-criminalidade não só não é direta, como é precisamente o contrário: é inversa. O empobrecimento a que votaram a maioria dos portugueses, o modo como atingiram ainda mais os que eram já pobres, tem afinal dois propósitos. O primeiro é voltar a colocar Portugal como destino barato para turistas, para investidores, para especuladores, para vistos gold; o outro é baixar decisivamente as taxas de criminalidade, que não paravam de crescer desde os anos 80 do século XX…
Luís Fernandes 
(Fonte: Porto24)

06 abril, 2014

RTP 2 , o canivete suiço



Proclamou-se já, e tem sido aqui e ali a TV dos portugueses. Contudo, nos últimos tempos a RTP tem navegado por águas turbulentas, fruto de uma tutela política que não conseguiu ainda estabilizar um modelo para o operador público que combine qualidade, diversidade e inovação. Diz-se que as grandes marcas valem pela sua capacidade de se reinventar, pelo que o anúncio feito, esta sexta-feira, de concentrar a RTP2 no Centro de Produção do Norte traz a esperança da (re)afirmação de um projeto vital para o espaço público nacional.

Perspetivado a partir do Norte, o tema RTP apresenta-se quase sempre contaminado pela dimensão regionalista. Esta é a região que viu muito do seu valor partir em direção à capital, num movimento comandado por forças centrípetas que tudo têm sugado ao longo dos anos. No caso do Centro de Produção do Porto, vários foram os cenários que pairaram sobre si, desde o fecho até à instalação aí da RTP Internacional, todos eles sugerindo uma certa perda de estatuto para a região.

Aquilo que foi agora decidido pela Administração da RTP, e devidamente validado pelo ministro da tutela, configura uma inversão da ameaça recessiva e centralista. Em boa hora! Ao invés de se desvalorizar uma marca de grande notoriedade e acantonar a estação pública em Lisboa, mais distante do país, regressa-se ao espírito e à letra do contrato de serviço público, designadamente no que se refere à cobertura mediática do território e à diversidade da opinião.

O Porto e o Norte terão todo um canal nacional, emitido em sinal aberto. Nas palavras do presidente da RTP Alberto da Ponte, corroboradas pelo ministro Poiares Maduro, trata-se de um centro de massa crítica, algo que integra poder de decisão e operacionalização ao nível da grelha de programação, da produção e da emissão. Com a latitude própria de uma grelha completa, que se pode desenvolver nas dimensões informação e entretenimento e explorar variantes no documentário, na cultura, no cinema, no desporto e na programação infantil. Todo um canivete suíço ao dispor da inteligência regional.

Mas a questão central é o que querem o Porto e o Norte fazer com este canivete suíço. Desde logo, não se pode jamais cair na tentação de construir aí um canal regional, integrando atores regionais a opinar sobre os assuntos regionais, pois isso seria replicar ao nível do território a estrutura circular da informação que encurrala o país numa apertada agenda de temas e de protagonistas. O Porto e o Norte podem e devem assumir a sua dimensão nacional sem complexos, procurando conceitos, formatos, conteúdos, atores, factos, eventos e opinião que relevem para o país e para o Mundo. A este propósito, foi já destapada a ponta do véu relativamente ao Jornal 2 que irá para o ar às 21 horas a partir de amanhã e que promete assumir um formato inovador.

Ter uma RTP2 ancorada no Porto é viabilizar e dar escala a uma nova centralidade. Pensamento, reflexão, opinião e debate a partir de uma geografia alternativa à capital. Alternativa não no sentido antagonista, mas no sentido complementar, reforçando a diversidade do mosaico que constitui o espaço público português.

Como até o melhor canivete suíço precisa de matéria-prima para afirmar a sua utilidade, o canal dois duplica o investimento, passando de quatro para oito milhões. Cumpre-se assim um dos requisitos para uma grelha de programação vencedora. O outro é o tempo. A perseverança, em forma de continuidade de formatos e conteúdos, pode ser a chave do sucesso. Se assim for, então a aposta é para valer.

Ninguém fica feliz com impostos ou taxas. Mas se o aumento da contribuição audiovisual libertou, como se diz, recursos para reforçar o cumprimento do serviço público por parte da estação do Estado, então dou por bem empregue os cêntimos extra que pago mensalmente. A RTP2 a norte é investimento num país mais plural. Portugal fica mais coeso e mais diversificado.

(do JN)

Nota de RoP:
o sublinhado é meu.  Desta vez, não significa concordância com o que lá vem escrito, mas sim alguma desconfiança pela ambiguidade do texto. Se uma "nova centralidade de pensamento, reflexão, opinião e debate" a Norte vale apenas como alternativa complementar, e os protagonistas não devem ser "actores regionais" a "opinar assuntos regionais", pergunto: que tipo de actores recomendará o autor do artigo para a RTP2? E se não devem ser regionalistas, como terão de ser? Centralistas? 

E, já agora, quem sai e entra da RTP?  O Carlos Daniel, é para ficar e com as mesmas funções? Os funcionários e directores são todos para manter, ou são recicláveis?  Isto também devia preocupar o autor, mas  não parece...