24 outubro, 2015

Declaração de guerra

1. O que fez o Presidente da República na sua declaração foi dar uma chicotada nos portugueses – por singular coincidência, a maioria – de que ele considera não ser o Presidente. Não foi uma chicotada psicológica, mas uma chicotada real. Ao justificar a sua decisão de indigitar Passos Coelho primeiro-ministro – uma decisão em si acertada – com uma declaração de exclusão da vida pública do BE e do PCP e, por arrasto, do PS, abriu uma crise política e institucional cujas consequências estão longe de ser adivinhadas.
2. Embora não o tenha dito explicitamente, disse com clareza suficiente que não dará posse a um Governo PS-BE-PCP, com maioria parlamentar, que ele entende ser maldito, sugerindo que, mesmo que o Governo PSD-CDS não passe na Assembleia poderá deixá-lo em gestão até que haja condições para haver novas eleições. O facto de apenas o ter subentendido pode indicar que possa recuar, mas o tom agressivo das suas considerações faz com que, se o fizer, isso equivalha a uma gigantesca manifestação de incoerência e impotência, em si mesma um factor de instabilidade.
3. Mais: significa que, ao indigitar Passos Coelho, não está apenas a proceder a um acto normal pelo facto de a coligação ter ganho as eleições, o que é em si mais que aceitável, está a fazê-lo para que este permaneça no seu lugar de governo, sem poderes e em conflito permanente com a maioria parlamentar, por longos meses. Cavaco Silva inaugura em Portugal uma prática que já tinha péssimos precedentes na Europa: a de que se fazem todas as eleições precisas até que o resultado seja satisfatório. Ou seja, até que ganhem aqueles que se consideram os detentores naturais do poder, até que o PSD-CDS ganhe com maioria absoluta.
4. Num só acto o Presidente garantiu longos meses de instabilidade política, um confronto permanente entre instituições, uma enorme radicalização da vida política, e tornou-se responsável pelas consequências económicas que daí advenham. A aceitarem este rumo, Cavaco Silva e Passos Coelho passam a ser os principais sujeitos dos efeitos negativos na economia e na sociedade, desta instabilidade, enquanto se poderia considerar que seriam António Costa e a maioria de esquerda os responsáveis, caso existissem esses mesmos efeitos como consequência de um seu Governo.
5. Cavaco Silva ajudou a inverter a vitimização de que o PSD-CDS precisava em termos eleitorais, e este é apenas um dos efeitos perversos da sua comunicação. Na verdade, o que é ainda mais grave é que se mostrou disposto a deteriorar a situação económica do país, e a sua posição face aos “mercados”, que até agora não reflectiram o catastrofismo do discurso interno do PSD-PS e externo do PPE, e que, se agora o começarem a fazer, é porque o Presidente abriu uma frente de guerra e de instabilidade que dificilmente se resolverá.
6. Outro dos efeitos perversos da comunicação presidencial foi dar uma enorme contribuição para que no PS, no BE e no PCP se perceba, com uma clareza meridiana, o que está em jogo e que estão sob um ataque sem tréguas destinado a eternizar a direita no poder, com todos os meios e recursos, de que esta dispõe e que hoje são muitos. A direita teve dois milhões de votos, menos do que a esquerda, mas mesmo assim reveladores de que existe a seu favor um importante movimento de opinião pública, a que se começa a apelar à mobilização, mesmo para o local onde até agora não existia, a rua. A agressividade desses apelos revela que compreendeu que a possibilidade de haver uma expressão política conjunta à esquerda que ultrapasse as divisões históricas que a separavam é um muito sério risco para uma hegemonia que consideravam garantida pela fusão dos votos do CDS e do PSD.
7. Nunca, desde o 25 de Abril, um Governo serviu a direita ideológica e dos interesses como o tandem troika-PSD/CDS. Nunca foi tão grande a troca mútua de serviços entre a “Europa” e a direita política. Comandada pelos partidos do PPE, a começar pelo alemão e os seus aliados, com destaque para o PP espanhol, que tem um directo interesse em impedir a contaminação da política do PS no PSOE e das suas alianças, a “Europa” é hoje um dos mais importantes factores de perda de democracia e de suporte a favor de uma ideologia autoritária, a do “não há alternativa”. Os partidos do PPE estão dispostos a tudo e farão tudo o que puderem, até porque receiam que se possa minar o apoio que até agora os partidos socialistas deram às diferentes variantes do “não há alternativa”. Começou na Grécia, por muito mal que tenha corrido, continuou no Labour, e chega agora à Península ibérica.
(Pacheco Pereira/Público)

23 outubro, 2015

Cavaco Silva. O caos é ele


Resultado de imagem para cavaco indigita passos coelho
Se  há  pessoa  de quem  não  gosto  de  falar,  é de Cavaco Silva. É uma figura pela qual nunca nutri a menor  simpatia. Ao contrário do General Ramalho Eanes, também pouco dado a sorrisos, e que talvez por isso não conquistava muitas simpatias, Cavaco está  muito longe de  ter a dimensão de estadista do antigo  Presidente  da  República.   Ramalho Eanes era, antes  de  tudo, um  homem  íntegro.  Nunca  o vimos   entrar   por  caminhos   impróprios  de  um verdadeiro   Chefe de  Estado.  Eanes jamais ousou influenciar os portugueses a votar no partido A ou B, nem nunca cometeu a insensatez de se colocar no lugar de fiador, para convidar o povo a investir no BES, um Banco cuja história recente é conhecida e que a todos nos envergonha. Mas, Cavaco, esse, ousou. Por isso, tenho de falar dele.

Com aquele ar de quem tem o rei na barriga, e de quem treina ao espelho expressões de respeitabilidade, voltou a mostrar ao povo, e até àqueles que pensam como ele, mas têm dois dedos de testa, que nunca devia ter sido eleito para o mais alto cargo da nação. A democracia, tal como é actualmente regida, tem destas ratoeiras. 

Como actor, é possível que Cavaco ainda tenha capacidade para enganar alguns, mas como político deu provas de não ser lá muito inteligente. Cavaco, pode continuar a ensaiar as caretas que quiser, circunspectas, ou subtis, dizer que é pela estabilidade do país, mas nunca terá capacidade para negar que ao decidir empossar Passos Coelho para formar governo tomou uma decisão anti-democrática e sectária. Sabia que ele era assim, mas ainda admiti que lhe restasse um pouco de lucidez. 

Cavaco é daqueles políticos que nunca quiseram mesmo saber do povo para nada, nem dos seus problemas. Para ele, a prioridade chama-se mercado, ou não fosse ele apenas um economista. Com a sua não decisão, só vai atrasar o país, acentuar o alvoroço de pânico nos sistemas financeiros. Vai enfim, fazer exactamente o contrário daquilo que diz defender. A coligação Pàf vai cair, como tudo leva a crer, e Cavaco será responsabilizado pelo arrastamento no tempo, gerado por um provável governo de gestão que só pode acentuar os problemas do país.

Como disse atrás, Cavaco prefere o dinheiro às pessoas. Nunca o conseguiu disfarçar, apesar de bom actor. Só que, não percebe nada, nem de uma coisa, nem de outra... Não obstante, Cavaco sem o saber, acaba por concordar com o perfil que dele acabei de traçar. Senão leiam este trecho das suas declarações:

"Se o governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o país precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas."

22 outubro, 2015

Que a coligação de esquerda se una

O Partido Socialista, tal como foi idealizado em 1973 pelos seus fundadores, com uma Declaração de Princípios que assumia  o socialismo em liberdade e uma sociedade sem classes, já não existe.

Tendo como principal líder Mário Soares (acusado de ter metido o socialismo na gaveta), que levou longe demais o conceito de liberdade - dentro e fora da estrutura partidária -, acabou por se tornar numa organização vulnerável a aventureiros, sem grande rigor de militância, que contribuíram gravemente para o seu esvaziamento ideológico. Hoje, só o distinguem do PSD pequenas clausulas de ordem social e pouco mais. Foi, não neste, mas no PS fundado em 1973 que votei pela 1ª.vez na minha vida. Foi nesse partido, inspirado no Partido Social Democrata alemão de Willy Brandt, que eu acreditei. Deste PS, só restam hoje fragmentos.  

À direita do PS, pela experiência que vários governos me transmitiram, não há partido que leve a sério, sobretudo do ponto de visto social. Para mim, são os partidos de direita, e o PS dos últimos anos, os grandes responsáveis pela degradação da qualidade de vida dos portugueses. Até porque, à esquerda do PS nenhum outro partido governou, não fazendo portanto sentido falar-se em aventureirismo quando se fala da eventual coligação da esquerda.

Para a direita, a prioridade "social" está no capital e nos homens que o detêm. E não é pela razão que cinicamente apregoam, ou seja, pela distribuição da riqueza ou a criação de emprego. É para se apoiarem reciprocamente na realização de grandes negócios, pela abertura de bancos específicos de fuga ao fisco, e para permitirem aos detentores de grandes fortunas a fuga à justiça, ao contrário dos deserdados que têm de a enfrentar nas barras dos tribunais, e em última análise, na cadeia.

Joe Berardo (tabacos), Armindo Costa(ind.calçado), Vasco Teixeira (livros), Américo Amorim (negócios internacionais), Fortunato Frederico (calçado), Malik Sacoor (texteis), todos grandes empresários, e clientes da ESGUER, por serem ricos, e serem protegidos de partidos políticos que por sua vez protegem os ricos, livraram-se de prestar contas com a Justiça, não por estarem inocentes, mas por terem milhões disponíveis para pagarem às finanças aquilo que deviam ter pago em momento certo e não pagariam, se nada tivesse sido investigado. Esta, é a "moralidade" dos defensores de políticas de direita.

Ser de direita pode apenas significar duas coisas: defender as desigualdades sociais, por puro egoísmo, ou o testemunho de um baixo índice de inteligência e consciência social. Não vislumbro outras razões.

Por isso, faço votos que a coligação PS/BE/PCP, esqueça por uns tempos aquilo que os separa e se una em torno do povo. E que se deixem de brincar à baixa política. Já chega.

  

18 outubro, 2015

Yanis Varoufaquis versus coligação PS/CDU/BE


Resultado de imagem para varoufakis


"Há um debate no interior do PS sobre se deve haver uma aliança com partidos de esquerda que estão a rejeitar as regras do jogo, e alguns deputados estão preparados para que isso aconteça, desde que haja um acordo de que o governo português jogue pelas regras do Eurogrupo. Isto é um problema. Porque são compromissos que não se podem cumprir".

Yanis Varoufakis
(Ex-Ministro grego das Finanças)


Ou muito me engano, ou Varoufakis vai ser o homem a abater pelos economistas do capitalismo selvagem de todo o mundo. Despir, com tanta lucidez e coragem, o manto cínico de uma política económica  injusta como é a do Eurogrupo, poderá custar-lhe caro. Quero acreditar que a consciência dos cidadãos se fortaleça com as suas declarações, nomeadamente aquelas pessoas que o aplaudiram de pé no auditório da Universidade de Coimbra. 

Por cá, as direitas assumidas e tímidas, deixaram cair a débil máscara democrática para começarem a disparar em tudo que não diga ámen com a prole. Até no programa "Eixo do Mal", a Clara Ferreira Alves, mulher inteligente e amiga confessa de Mário Soares, tomou as dores da direita, depois de ter passado o tempo a malhar no governo de Passos Coelho. Já Pedro Marques Lopes, que nunca escondeu os seus gostos conservadores, foi o único que assumiu uma posição democrática, apesar de não acreditar na estabilidade da coligação PS/CDU/BE. Daniel Oliveira, esse, não se escandalizou com a aliança de esquerda, o que para quem militou no Bloco de Esquerda, é perfeitamente normal.

Pedro Marques Lopes, disse e bem, que as pessoas não votam em governos, votam em partidos para as representar no Parlamento. Só depois é que se fazem as contas dos votos para saber qual, ou quais, desses partidos, terão condições para formar um governo minimamente constante . Para mim, não é uma surpresa ver outra vez cair a cara falsa da democracia da direita. É só uma questão de tempo. Habituados que estavam às maiorias PSD (social democracia direitista) e PS (social democracia de esquerda), há políticos de ambos o quadrantes, incluindo do CDS, que parecem ter-se esquecido que a Constituição também faculta aos partidos de esquerda a possibilidade de se coligarem e formarem governo. Não é portanto compreensível o histerismo logo gerado à volta do assunto com a "preciosa" e anti-democrática colaboração da comunicação dita social...  

Naturalmente, conhecendo nós o estado calamitoso em que está a Europa e o próprio Mundo, é extremamente difícil prognosticar o futuro. O próprio ex-ministro das Finanças Varoufaquis sentiu na pele essa experiência, e sabe o que diz. Contudo, apesar de Varoufaquis aconselhar o PS português a não se comprometer com as regras da Zona Euro "por as achar impossíveis de cumprir", as dificuldades que a anunciada coligação de esquerda vai encontrar serão as mesmas que a coligação PàF, mas nenhuma pode garantir-nos certezas. Isto, já para não falar dos sucessivos fracassos no défice e incumprimentos eleitorais (o mais importante) do governo Passos Coelho/Portas.    

Quanto às teorias anti-comunistas e os medos pela sua tradicional rigidez política, (incluindo do Bloco de Esquerda) e que parecem renascidos das cinzas pelos amigos da conjuntura actual, são tudo, menos casuais, e não fazem nenhum sentido. Se qualquer dos três partidos de esquerda não cooperar nesse tratado comum de entendimento (que deverá ser cuidadosamente escrito), estará a comprometer o seu futuro. Nem vejo qualquer sentido estratégico, se por detrás da proposta colaboracionista do PCP e do BE pairar camuflada a intenção de esmagar o PS. Custa-me aceitar que qualquer destes partidos se tenha metido numa empreitada desta responsabilidade sem perceber que o momento não é para brincar à baixa política. O momento é de convergência e de pragmatismo. Tem de ficar claro em que pontos específicos assentam essa cooperação, e durante que período. Todos, devem saber o que os espera. Todos devem saber ao que vão, e o que os aguarda. O mínimo que deles esperam os eleitores (até eu, que não votei), é que, por uma vez, saibam provar-lhes que têm noção do que é o verdadeiro sentido de Estado. Vai ser uma dura tarefa, atrevo-me a dizer, quase impossível. Não tanto por desacreditar na seriedade dos protagonistas, mas porque o terreno está minado a montante, na União Europeia.

Varoufaquis já deu o mote. Aconselhou o futuro governo "a não se comprometer com regras que são fundamentalmente irracionais" . Disse, aos amigos do PS para defenderem um processo de renegociação das regras sensato, democrático e racional".

Cá para mim, ele é capaz de estar a dizer coisas acertadas. Talvez bem mais versadas que as constantes aldrabices de Passos Coelho e Portas.