04 janeiro, 2013

ANA, grávida da nova Lisboa


Ah, sim, o discurso de Cavaco. Talvez, talvez, depende, "eu avisei". Sempre tarde. Adiante. Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da ANA, uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que, entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de apelido Vinci, especialista em autoestradas e mais recentemente em aeroportos, pediu a nossa ANA em casamento. E o Estado entregou-a pela melhor maquia (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 47% de margem de exploração (EBITDA).

O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor. O grupo francês Vinci tem 37% da Lusoponte, uma PPP (parceria público-privada) constituída com a Mota-Engil e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre o Tejo. Ora é por aqui que percebo por que consegue a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...

Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a construção de Alcochete depende da saturação da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair não vai manter 37 destinos em direção ao Porto se puder aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar as taxas para as low-cost e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção (a sua especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em Portugal. Bingo! O Estado português será certamente chamado a dar avais e a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para o local. Bingo!

Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para ligar Alcochete ao centro de Lisboa. E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma ponte apenas, rodoferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista ponte Chelas-Barreiro (por onde, já agora, pode passar também o futuro TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o monopólio e know-how das travessias do Tejo? Exatamente, a Lusoponte (Mota-Engil e Vinci). Que concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e 25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo!

Um destes dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o mercado... E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo? O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em Portugal, claro.

03 janeiro, 2013

Fernando Santos, não será outro Calimero?

O artigo de Fernando Santos que ontem aqui reproduzi e que prometi comentar, mais não é do que um fait divers inconsequente, pincelado de hipocrisia, igual a tantos realizados por este e outros jornalistas, venham eles da imprensa, da rádio, ou da televisão.  

Senão vejamos: em primeiro lugar, a máquina centrifugadora do centralismo não é coisa de agora, apenas se tem intensificado na exacta medida que a indiferença e o choradinho dos políticos nortenhos tem aumentado. Apesar disso, a comunicação social nortenha também não está inocente nesse capítulo, porque em vez de insistir na temática do centralismo/regionalização, permite-se criar longos períodos de jejum, sem dizer nada sobre o assunto, a não ser umas lamechices, como é, aliás, o próprio artigo de opinião do director-adjunto do JN. Em segundo lugar, sustentam a argumentação influenciados por discursos superficiais propalados por outros protagonistas, como está agora na moda, de chamar choramingas aos políticos nortenhos, sem terem a coragem de apontar os nomes e partidos, e de os responsabilizar. Pelo contrário, convidam-nos compulsivamente para opinar sobre temas dos quais foram responsáveis pela negativa, sendo inclusivé padroeiros e principais dinamizadores da perda de protagonismo do Porto e do Norte, junto do Terreiro do Paço.

Não basta por isso dizer que o Norte precisa de dar um murro na mesa, ou citar o exemplo de Pinto da Costa para espicaçar a apatia comum, é preciso apresentar exemplos concretos, e um deles podia passar por marginalizar os tais "protagonistas ocasionalmente abespinhados" de que fala Fernando Santos, que têm rosto e nome próprios... Nesta perspectiva, Fernando Santos daria um passo importante se procurasse, por exemplo,  convencer o patrão Joaquim Oliveira, a recuperar a génese nortenha que o JN que já teve no passado - num regime que nem sequer primava pelos ideais democráticos -, sem ter de emitir edições especiais para o Sul, e assumir a origem nortenha do jornal, naturalmente, sem complexos, nem subserviências. A menos que Fernando Santos queira continuar a imitar "os figurantes político-partidários do Norte, que batem a pala aos decisores do poder na capital, aspirando a dele fazer parte...".

Por este andar, a conunicação social acabará mesmo por perder a pouca credibilidade que lhe resta, pois pouca influência terá  sobre os cidadãos [se insistir em vender-lhes meias-verdades], que apesar da sua indolência, começam a abrir os olhos.


02 janeiro, 2013

A choraminguice do Norte



Assemelhando-se a uma centrifugadora, o Poder Central instalado no Terreiro do Paço e zonas subjacentes ao Tejo gera um fenómeno cíclico no Norte: a choraminguice mascarada de (pseudo) revolta. A perda de influência da Região Norte e concomitante desagregação da coesão nacional é bem evidenciada por todos os indicadores económicos, sociais ou culturais das últimas décadas. Dá-se o caso, no entanto, de o Norte não caprichar num posicionamento reivindicativo suscetível de pôr em sentido os decisores adeptos da macrocefalia.

Os dados acabam, aliás, por serem viciados....

A Região Norte, mais do que marcar uma posição de influência decisória tendo por base méritos próprios, a todos os níveis, tem-se posicionado como um pedinte à espera da distribuição do chamado bodo aos pobres.

Sim, há injustiças notórias a justificarem uma reação enérgica - incluindo manifestações de desagrado pelo destrato. Mas convém não alijar responsabilidades próprias e desconfiar da benignidade de alguns protagonistas ocasionalmente abespinhados.

O Norte é vítima de apetites centralistas mas as insuficiências próprias facilitam o abocanhar. E a inexistência de quem lhe dê dimensão e peso político nacional agrava o problema.

A última década é paradigmática. Os figurantes político-partidários do Norte têm andado mais preocupados em bater pala aos decisores do poder da capital, aspirando a dele fazerem parte, do que em vincarem um estatuto acima do reservado aos políticos anões. E o fechamento, tipo concha, é mais um atavismo do que virtude.

A Região Norte precisa de dar um murro na mesa, mas o impacto só será garantido se protagonizado por alguém cuja dimensão não se limite a fronteiras regionais e se disponha a não ter preocupações de agradar à capital e aos mordomos dos privilégios, sejam eles traduzidos em fundos comunitários ou, de modo mais banal, pelo cirandar por restaurantes e discotecas alimentadoras de uma socialite postiça mas bem parecida.

Uma nova metodologia a norte está, de alguma forma, facilitada pela existência de um exemplo a copiar: o do F.C. do Porto. Exagero? Não! Graças à visão estratégica de um dirigente, Pinto da Costa, o F.C. do Porto investiu na competência própria, quebrou a cerviz ao poder instalado há décadas e deu-lhe xeque-mate! Teve arte e engenho para se tornar numa marca internacional a partir da região. Pinto da Costa recusou andar de chapéu na mão a pedir batatinhas à postura dos defensores do Terreiro do Paço e zonas satélites - e obteve resultados.

Aí está: também na dimensão política o Norte precisa de um Pinto da Costa! Até lá continuará triste, enxovalhado e agradecido nas esmolas. Entregue, sobretudo a partir da cidade do Porto, a quem tem trocado a afirmação da região pela preocupação de agradar às gentes da capital.

[do JN]

Nota do RoP:

Sobre este artigo, e a autenticidade da fonte, tenciono escrever umas coisas assim que tiver disponibilidade.