Se alguém afirmar, sem papas na língua, que Portugal está completamente dominado, de alto a baixo, pela mediocridade, teremos razões objectivas para ficarmos chocados com tal afirmação? Honestamente, sabemos bem, que não. Mantermos o desgosto, compreende-se, mas surpreendermo-nos com ele, é que não.
Do Presidente da República, ao 1º. Ministro, percorrendo a Procuradoria Geral da República, até às instituições de investigação e de justiça, pouco se aproveita. O terreno, está todo minado, ninguém está inocente. E ninguém está inocente, porque, mesmo estando-o, deixou-se moldar, sem reacção, por conveniência ou cobardia, a todo um longo regime de vícios e esquemas sociais que lhe negam o direito à indignação.
Ainda assim, há alguns que insistem em pregar-nos a moral, alegando que não devemos generalizar. Como não? A liberdade, a verdadeira, tem um preço muito alto, não é algo que se ofereça, a liberdade conquista-se. Quando a sentimos ameaçada, quando não podemos conviver com quem a ameaça, só temos uma alternativa, bater com a porta e sair, procurando-a noutro local onde possamos continuar a ser nós próprios. O problema, é que são poucos os que têm carácter para o fazer.
Numa entrevista dada ao Público de sábado passado, o antigo ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, dizia a propósito do caso Bragaparques, cujo responsável máximo, Domingos Névoa, fora condenado como uma risível coima de 5.000 € por tentativa de corrupção a um vereador da Câmara M. de Lisboa, que a Lei fazia uma distinção entre a corrupção pela prática de actos lícitos e a de actos ilícitos, justificando a branda decisão do Tribunal com o facto de este ter dado como provado, neste caso, corrupção por acto lícito não consumada.
Esta entrevista, é bem elucidativa do emaranhado de leis contraditórias em que o sistema de Justiça se move. Questionado, "
como se conseguia vencer a criminalidade", L. Lúcio respondeu:
"não é o cidadão que tem de vencer a criminalidade, é o Estado. Não é ao cidadão que se tem de pedir que não tenha projectos aprovados, que não faça a sua vida, que se queixe, embora não tenha elementos de prova e veja a sua queixa cair por falta de fundamento..."
Pois, é a vida... Aquela vida que faz com que, sempre que precisamos de um projecto aprovado, deparemos logo com um funcionário a carregar o sobrolho das "dificuldades", antes mesmo de conhecer o projecto, para se "candidatar" ilicitamente ao nosso dinheiro para "facilitar-nos" a vida. Sabemos que estes métodos estão instalados em muitas repartições do Estado, e que só é possível combatê-los com eficácia com direcções credíveis e altamente interventivas. O corruptor nem sempre é o principal culpado, porque é frequentemente pressionado pelo corrupto para esse caminho, para ver as coisas a avançarem. E as "coisas", nestes casos, quer sempre dizer, dinheiro, negócios.
A questão é complicada, mas seguramente passa por uma disfuncional cadeia de fiscalização nos vários patamares da hierarquia burocrática do Estado, onde o comodismo acaba por se instalar e permitir as melhores condições para a corrupção se propagar a toda a instituição. Ninguém leva nada a sério, por mais respeitável que seja o seu cargo, e, como tal, fica rapidamente aberto o caminho para a
bandalhice. Para a maioria dos portugueses, ser furão, esperto, bem sucedido, é assimilar naturalmente estes hábitos. E assim se percebe a razão do enriquecimento fácil de muitos funcionários públicos.
Mas, se - como diz, Laborinho Lúcio -, cabe ao Estado administrar eficientemente a coisa pública, e não o tem conseguido fazer, se tudo parece estar a piorar, quem, para além dos nossos "ilustres" governantes, é que, concretamente, tem representado o Estado abstracto?
A «cereja» no cimo deste fétido bolo (salvo-seja!), fica elucidativamente colocada, quando um 1º. Ministro, é suspeito de, também ele, pertencer à «nobre» família dos homens de sucesso (corruptos)...