Pinto da Costa fala por arrastamento |
O problema deve ser meu, se é que o que vou dizer, é mesmo um problema pessoal. Talvez os leitores que tiveram a efémera alegria de assistir ao derrube da ditadura de Salazar entendam onde quero chegar, quando digo estranhar a indolência das novas gerações na vida cívica.
Na época do Estado Novo , vivia-se mal, e os trabalhadores não tinham quem os defendesse. Os sindicados eram praticamente inoperantes, nem existiam comissões de trabalhadores, e o patrão era soberano. Quem ousasse desafiar o regime podia ser perseguido e provavelmente preso, acusado de comunista, ou de atentar contra o Estado. A PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado, mais tarde chamada Direcção Geral de Segurança) estava instalada nos locais mais aleatórios, tanto numa repartição pública, como num estabelecimento comercial. As pessoas não se atreviam a participar na política, a não ser que fosse para colaborar com ela. No entanto, houve quem soubesse contornar essa barreira no núcleo de amigos mais íntimos, sem ter sentido demasiado o pêso dessa repressão. A PIDE preferia espiar aqueles que julgassem estar envolvidos em organizações políticas, e por isso não controlava tanto como se apregoa. Além disso, não eram propriamente muito inteligentes... Agora, não há a PIDE, mas há os media e internet. São eles a nova PIDE! Observe-se o que os media do centralismo andam a fazer com o caso das cartilhas, que não branquear o Benfica e reprimir o FCPorto...
Mas, se o 25 de Abril de 1974 teve alguma importância, politicamente falando, foi a de nos dar o direito à liberdade de opinião e reunião. Ou seja, a parte mais simples e menos onerosa da democracia. Pouco mais... De resto, está tudo praticamente na mesma. Fizeram-se umas auto-estradas, e mais umas mariquices, maquilhou-se um pouco o património histórico através de fundos europeus, mas a mentalidade política continua tacanha, assim como a do empresariado (atente-se às posições hiper-egoístas constantes dos representantes dos patrões). Liberdade, vai havendo, mas já não se pode dizer o mesmo da democracia.
O "problema", que referi no início deste artigo, prende-se com a facilidade com que hoje nos habituamos a aceitar as coisas mais intoleráveis, numa sociedade que se quer sadia, participativa e digna. Isto, a que só os principais beneficiários (políticos) chamam democracia, e que mais não é que um regime de voto livre, onde os partidos vencedores alternam entre si o poder e respectivas benesses, foi a fórmula airosa de governar sem o fantasma da PIDE por perto a desmascará-los. Mas teve esse grande dôlo colateral, que foi abastardar a liberdade, sem olhar para o lado social dos princípios e do respeito. Resultado: passamos a considerar normal que um ex-ministro deste país participe em debates de futebol na televisão, destilando ódio aos adversários do seu clube, insinuando, acusando, e difamando como se fosse um simples varredor. Já quase não nos importamos que um ex-político, se apodere da fortuna de uma pessoa, que a assassine e fuja para o Brasil, e depois de o determos, se mantenha irrisoriamente em prisão domiciliária, gozando a Justiça com sucessivos recursos e com isso ir desfrutando o dinheiro que roubou. Da mesma maneira que falamos de um Polvo mafioso, de um Estado Lampionico, como se fosse uma anedota, simples motivo de gozo, quando devíamos EXIGIR do GOVERNO uma intervenção imediata junto da Secretaria de Estado, quanto mais não fosse, para obrigar os respectivos responsáveis a tomar uma decisão respeitável, independentemente de o caso estar em investigação.
A propósito, mas tardiamente, o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, deu hoje uma entrevista ao jornal O JOGO (que pertence ao mesmo grupo Global Media Group do JN centralista), onde finalmente disse aquilo que o Renovar o Porto anda a dizer há mêses. Só não percebo é porque não o fez antes. Talvez assim tivesse travado um pouco os ímpetos vigaristas dos últimos árbitros e com isso evitado perdermos quatro pontos... A diferença entre o falar no momento certo e falar por persuasão externa está nisso. Por aquilo que li, confirma-se mais uma vez a tal habituação às ilegalidades que venho a referir. O senhor presidente não deve dizer que já não espera nada do Governo, porque mesmo que o tenha dito para o "picar", pode deixar no ar a ideia que está a pedir um favor, quando, repito, devia exigir responsabilidades. Até ele, usa um discurso demasiado conformista com o que está a suceder, como se pedir Justiça implicasse comportamentos piedosos.
Caros amigos, podem ter a certeza que se alguma vez fôr chamado a tribunal para responder por algo que tenha desagradado ao Governo ou a qualquer figura pública, não retiro um vírgula do que aqui está escrito porque tenho argumentos suficientemente fortes para defender as minhas teses. Quem não deve, não teme. Devia ser este também o padrão de Pinto da Costa. Lá diz o ditado: quando mais te baixas, mas se te vê o cu.