Aqui está textualmente o que disse António Costa (transcrito manualmente):
(...) A situação a que chegámos não foi uma situação
do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal
deixar de produzir; não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi
também na indústria, por ex. no têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar
o têxtil porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a
Alemanha) queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês
basicamente porque ao abrir os mercados ao têxtil chinês eles exportavam os
teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos
de produzir.
E portanto, esta ideia de que em Portugal houve aqui
um conjunto de pessoas que resolveram viver dos subsídios e de não trabalhar e
que viveram acima das suas possibilidades é uma mentira inaceitável.
Nós orientámos os nossos investimentos públicos e
privados em função das opções da União Europeia: em função dos fundos
comunitários, em função dos subsídios que foram dados e em função do crédito
que foi proporcionado. E portanto, houve um comportamento racional dos agentes
económicos em função de uma política induzida pela União Europeia. Portanto não
é aceitável agora dizer que somos todos culpados. Podemos todos concluir e acho
que devemos concluir que errámos, agora eu não aceito que esse erro seja um
erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do conjunto da União
Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União Europeia entendeu que
era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça
financeira. E é isso que estamos a pagar!
A ideia de que os portugueses são responsáveis pela
crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme
embuste. Esta mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há
alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de
consumo exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem
a austeridade é inevitável.
Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas
últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme
manjedoura que é o orçamento do estado. A administração central e local
enxameou-se de milhares de "boys", criaram-se institutos inúteis,
fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe
juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção.
Os exemplos sucederam-se. A Expo 98 transformou uma
zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias urbanísticas milionárias,
mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro 2004, e a compra dos submarinos,
com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na Alemanha. E foram as
vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso. A que se juntam os casos
de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias público-privadas 16 e mais um rol
interminável de crimes que depauperaram o erário público.
Todos estes negócios e privilégios concedidos a um
polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm
responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje
passamos.
Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo
do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos pois,
enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos antes
exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que renegociar as
parcerias público--privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir
organismos... Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem
penalizar os cidadãos.
Não é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros
da sua classe política que se resolve a crise. Resolve-se combatendo as suas
causas, o regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única alternativa séria à
austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se anuncia."