Domingos de Andrade* |
1. Vamos assistindo incrédulos, só pode, e anestesiados com tantas peças que vão destapando os últimos anos que quase desgraçaram o país. E todas elas com um denominador comum: a banca. Do caso BES e da sua gigantesca extensão que ajudou à queda da PT, uma das empresas com mais prestígio reduzida a um joguete de poucos, passando pelo Banif, o BPN, o BPP. E a resistente Caixa. Capturada por algumas elites do momento para uns empréstimos aos amigos.
Há política no meio disto tudo. Claro. Primeiros-ministros, ministros e secretários de Estado. Haveremos, se a culpa não morrer solteira, de chegar lá. E há o governador do Banco de Portugal. É a ele que cabe interpretar os sinais, vigiar, evitar o descalabro. Mas nem Vítor Constâncio o soube fazer no caso BPP, nem Carlos Costa demonstrou ter essas capacidades. Pode ser mais grave do que a omissão, mas é certo que não sabem a missão.
O Banco de Portugal não emite papel-moeda, deixou de ser um instrumento de condução da política económica, no que eram as missões típicas de um banco central no contexto de um país com soberania financeira. Regula, fiscaliza, inquieta-se, alerta. Tem que ser competente nessa função. E não noutras.
Para não nos inquietarmos, precisamos de um governador que assuma essas competências.
2. De repente, não se pode ter a ousadia da crítica neste país. Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, disse que o défice conseguido pelo Governo, contra todas as expectativas e previsões, da própria inclusive, foi um milagre. Que não se voltará a repetir. Caiu o Carmo e a Trindade, do presidente da República, ao deputado do PCP Miguel Tiago, que ajudou à festa com esta pérola: "Milagre é Teodora Cardoso ainda ter salário e ocupar o lugar que ocupa".
Podemos concordar ou não com a visão mais economicista para o país de Teodora Cardoso. Aplaudir mais ou menos as suas análises, consoante a cor política de quem está no Governo se ajusta à nossa. Criticar até a imprevisibilidade das previsões, como são todas, e que se fossem todas boas estaríamos mais precavidos para os desastres que se abatem de surpresa sobre a economia. Logo, sobre nós.
Diferente é a crítica ser intolerante à crítica. E a crítica ser enviesada na crítica, omitindo pela negação, por exemplo, que o Conselho de Finanças Públicas foi muitas vezes duro com a política de baixos salários e o corte de investimento público dos anos da troika.
Sim. Teodora Cardoso errou e errou profundamente. Não soube ler os sinais. E ficou cega pela fé dos seus próprios números. Que seja criticada por isso. Diferente é querer, por via da intromissão política, ameaçar o lugar que ocupa e a reconhecida independência do órgão a que preside.
* DIRETOR-EXECUTIVO