O cenário é um estúdio de televisão igual a tantos outros. Um tipo de aspecto bonacheirão deixa-se maquilhar para uma entrevista que irá dar dentro de alguns minutos a um repórter desconhecido. Habituado a ser ele o entrevistador, a controlar, a escolher as perguntas que vai fazer, não consegue disfarçar alguma ansiedade. Tinha previamente combinado que a conversa seria informal, sem tema específico, e já estava arrependido.
O jornalista ocasional de seu nome Herói Improvável - nome apadrinhado pelo pai, um homem excêntrico com a mania da frontalidade -, dá início à entrevista:
- (HI) Sr. Parvos Daniel, o senhor é Director Adjunto da RTPM [Rádio Televisão de um Portugal de M....], responsável editorial pelo programa desportivo "Um ao ataque, dois à defesa", diga-me, porque é que deixou o programa se é você quem continua a dirigí-lo?
- (PD) Como deve calcular, a minha classe, as minhas competências, são demasiado elevadas para continuar a dar a cara naquele tipo de programas, daí estar agora a desempenhar o papel de moderador num programa com convidados de outro nível...
- (HI) Com políticos, quer você dizer...
- (PD) Por aí, sim, políticos e não só. Além de que, isso permite-me algum distanciamento dos energúmenos adeptos portistas.
- (HI) Portistas? Ora essa? Olhe que quem costuma queimar autocarros e armar ciladas em túneis, bancos e aeroportos são os benfiquistas. Esses, são mesmo arruaceiros, embora vocês branqueiem sempre essas ocorrências, como é sabido.
- (PD) Bem, bem, mudemos de assunto.
- (HI) Foi por isso que mandou para lá o Hugo Aberto, por ser portista? Mas olhe que não parece. Não tarda, ainda se confunde com o pseudo-cineasta vermelho...
- (PD) Sim, ele é um rapaz muito dócil e obediente, cumpre à regra as minhas instruções. Além disso é imparcial, como eu era.
- (HI) Imparcial, você Parvos? Na RTPM? Está a querer dar-me baile, não? Disse que o Hugo era um rapaz dócil e obediente, queria dizer, um pau mandado, não era seu malandreco?
- (PD) Sim sim, um pauzinho muito fiel, uma espécie de alma canídea. Um dia ainda vou propor-lhe a promoção, se ele não me deixar ficar mal, entretanto.
- (HI) Ah, percebo, em Portugal o crime compensa e promove...
- (PD) Crime, qual crime? Na RTPM só há gente boa e séria, sabe? Há benfiquistas, mais benfiquistas, e uma multidão de pessoal de todas as simpatias clubísticas [amansado]...
- (HI) Disse amansado, ou ouvi mal? Ah, assim se explica por que é que a RTPM procura paineleiros portistas politicamente correctos, como o Miguel Pédes...
- (PD) Eu queria dizer avençado, ouviu mal, Herói.
- (HI) Diga-me Parvos, por que é que você diz que é adepto do Paredes, um clube de província, quando toda a gente sabe que você fica possesso com as derrotas do Benfica, um clube de bairro? Não tem vergonha?
- (PD) Porque se assumisse o meu benfiquismo o povo ia achar que era parcial. Um jornalista não pode dar-se a esses luxos...Porque havia de ter vergonha, a vida é assim.
- (HI) Que lindo argumento Parvos! Então, em que estavas tu a pensar quando escreveste aquela cândida crónica no JN sobre
"O que vale a pena" ? No teu amigo Manuel Santos, que sentenciou o Q.I. dos portistas com a nobreza de um político? Nunca ouvíste dizer que o maior burro é aquele que desdenha a inteligência dos outros?
- (PD) Começo a ficar incomodado com a sua impertinência, Herói Improvável.
- (HI) Como não havias de ficar se detestas ouvir a verdade e passas a vida a forjar mentiras no "Um ao ataque, dois à defesa"?
- (PD) O programa chama-se Trio de Ataque, o que é que lhe chamou?
- (HI) Chamei-lhe o que ele é: o Vasconcelos sempre a atacar, com muito mais tempo de antena, e os outros dois a defenderem-se do sectarismo de um e da cumplicidade do outro. Não, é assim seu corrupto, seu filho de pai incógnito?
- (PD) Ei, ei, ei, ei, você agora está-me a insultar. E está-me a tratar por tu...
- (HI) Não estou a insultar, estou a factualizar. E não te armes em virgem ofendida por te tratar por tu porque vocês agora na televisão tratam-se todos assim. É uma confiança que até comove, néscio!
- (PD) Bem, dou por terminada a entrevista, isto já ultrapassou todos os limites. Faça o favor de se retirar.
- (HI) Okey, Parvinhos, vai lá buscar a máscara de santinho, o Telejornal está prestes a começar.
Obs. - Toda e qualquer semelhança com factos verídicos é pura coincidência