14 novembro, 2011

Privilégios dos magistrados (II)


Vimos na minha última crónica como são elevados os vencimentos dos magistrados portugueses quando comparados com as remunerações de outros servidores do Estado, nomeadamente militares e professores do Ensino Superior e, sobretudo, quando são olhadas à luz das capacidades económicas do país.

Mas, há outro aspecto relevante e que é pouco conhecido do público. Trata-se do apertadíssimo leque remuneratório existente na magistratura judicial. Com efeito, os vencimentos dos magistrados têm vindo a ser uniformizados, chegando-se já ao ponto de a diferença entre o vencimento base do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o dos juízes dos tribunais de círculo (primeira instância), ser apenas de cerca de 500 euros.

Esse facto resulta da circunstância de haver um tecto remuneratório correspondente ao vencimento fixado para o presidente da República que limita os aumentos dos vencimentos dos juízes dos tribunais superiores, enquanto os dos outros magistrados, sobretudo os de 1.ª instância, têm uma margem de aumento muito maior. Se as coisas continuarem assim, não tardará muito para que a maioria dos magistrados tenha uma remuneração muito semelhante à do presidente do STJ. Essa é outra consequência do sindicalismo nas magistraturas.

Sublinhe-se que, só com as remunerações dos magistrados, o Estado português gastou em 2010, mais de 220 milhões de euros, dos quais cerca de 182 milhões com as remunerações certas e permanentes e cerca de 40 milhões com remunerações variáveis e eventuais.

Mas outro dos mais escandalosos privilégios das magistraturas é o subsídio de habitação que os sindicatos querem que passe a ser denominado de subsídio de compensação e que corresponde a milhares de euros anuais, os quais, por decisão dos próprios tribunais, estão totalmente isentos de impostos.

Esse subsídio estava na sua origem ligado a um dos paradigmas mais saudáveis da boa administração da justiça consubstanciado na antiga regra do sexénio, abolida em meados dos anos oitenta, e que consistia na obrigatoriedade de os juízes não poderem permanecer na mesma comarca mais de seis anos. Era a versão contemporânea da figura do «juiz de fora» do século XIV e que pretendia evitar que as relações pessoais dos juízes pusessem em causa a boa administração da justiça.

Com efeito, é de meridiana evidência que um juiz residente durante muitos anos na mesma localidade chegará a um ponto em que, por muito honesto que seja, acaba por não poder fazer boa justiça, precisamente por não se libertar das ligações pessoais e familiares, bem como das amizades e inimizades que a prolongada permanência no mesmo local sempre origina.

É óbvio que o sexénio obrigava a grandes sacrifícios, a que o Estado respondia com a atribuição aos juízes de alguns direitos extraordinários, tal como as casas de função, ou seja, residências mobiladas e totalmente gratuitas. E quando não havia residência do Estado, então os magistrados recebiam uma quantia em dinheiro para eles custearem as despesas de habitação.

Porém, os magistrados acabaram com a regra do sexénio, mas mantiveram o subsídio para a habitação.

Ultimamente, os juízes têm tentado transformá-lo numa parte do vencimento, chamando-lhe subsídio de compensação (compensação de quê?), embora seja óbvio que ele só se refere à habitação, pois os magistrados a quem o Estado atribuiu casa não o recebem.

Ou seja, além da remuneração que é das mais elevadas do Estado (basta ver que cerca de 95% de todas as pensões de reforma superiores a 5.000 euros por mês que o Estado paga, incluindo as dos titulares dos restantes órgãos de soberania, são de magistrados), ainda recebem um subsídio pago, indistintamente, a todos os magistrados, incluindo aqueles que já estão aposentados ou os que vivem em casa própria ou de familiares. Mesmo aqueles que vivem juntos na mesma casa recebem esse subsídio como se cada um vivesse em casa própria.

Chega mesmo a verificar-se situações em que um casal de magistrados vivendo juntos, a um deles o Estado atribui a casa de função e a outro o subsídio de habitação. Trata-se de situações anómalas que não deviam acontecer ou então que deviam ser corrigidas rapidamente. Mas nesses privilégios não mexe a ministra da Justiça.
[Fonte:JN]

Nota de RoP:

Gostaria muito de acreditar na possibilidade de - nesta Democracia amputada em que vivemos -, se acabar radicalmente com os abusos de poder de uma classe que devia estar, não apenas, acima de quaisquer suspeitas, como tudo devia fazer para o conseguir.

Como sabemos, em Portugal, a Democracia, é meramente representativa, e aqueles que continuam a representá-la, não têm elevação, nem saber, para merecer essa honra. Não passam de simples actores. O nosso maior drama, é que foi na Ditadura que eles se forjaram, mas é neste modelo híbrido de Democracia que eles se sentem mais à vontade... 

3 comentários:

  1. Tantos privilégios sr bastonário! Para uma justiça tão miserável.

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.

    ResponderEliminar
  2. 220 milhões só para magistrados?!
    Este de facto, é um país fantástico, para alguns, é verdade, mas fantástico. 220 milhões... 40 para as casinhas... coitados dos professores que vão para tão longe de casa e não têm direito a nada.

    Abraço

    ResponderEliminar
  3. Caro Rui Valente,

    Interessantes também as palavras de Marinho Pinto aos microfones da Antena1, sobre os compadrios na pseudo Justiça à portuguesa. Diz-nos ele que a nova ministra tratou de colocar à frente de pastas importantes o seu cunhado e demais sócios! Dar um tacho ao cunhado já por si é grave, mas a estupefação é maior quando sabemos o seu nome: João Correia! Lembram-se deste nome sinistro que está em todas? Nem mais nem menos, um dos principais rostos do Apito inventado e que os portistas jamais esquecerão...

    Enfim, nada de novo neste país adiado.

    Um abraço,

    Portista de Cascais

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...