23 abril, 2014

Afinal, quem é o dono do 25 de Abril?

O duelo a que temos assistido nos últimos tempos, entre militares e adeptos de partidos de direita e de esquerda, para tentar convencer a opinião pública de quem é realmente dono do 25 de Abril, apesar de disparatado, não é propriamente inocente.  Devo dizer a este propósito que por essa altura tinha 26 anos, encontrava-me a viver em Lisboa, e portanto não era propriamente uma criança para ter hoje muitas dúvidas sobre como as coisas se passaram.

Comecemos pelo princípio - passe a redundancia - e vejamos simplesmente quem foi o verdadeiro dínamo da revolução. Por esgotamento com a guerra colonial, ou por outra qualquer razão, foram os militares (um grupo de oficiais capitães, sobretudo) os principais responsáveis pela criação de condições para instalar a Liberdade e a Democracia em Portugal, e mais ninguém. Ponto. Dito isto, importa lembrar que outros oficiais de patente superior se lhes juntaram, com a adesão maciça do povo e de algumas figuras políticas como Àlvaro Cunhal, Mário Soares e Sá Carneiro, só para falar das mais proeminentes. Mas importa também dizer, que uns tempos antes do 25 de Abril já havia sinais de que alguma coisa estava para acontecer. Para não falar de todos esses sinais, recordo apenas um que nem sequer é revolucionário, nem tão pouco partiu de um capitão, mas que era também militar, que foi o livro Portugal e o Futuro do General António de Spínola, que adquiri e li, pouco tempo antes da revolução. 

Ora, o facto de Spínola ter escrito esse livro não significou que fizesse parte do complot dos capitães, mas que já o pressentia, e como conservador que era, tentou sabutá-lo procurando, por antecipação "sensibilizar" o regime vigente, propondo o fim da guerra colonial e a implantação de algumas reformas. Só que já não foi a tempo. Depois disso, e apesar de nomeado representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), em Março de 1976, Spínola foi secretamente para a Alemanha Federal negociar ilegalmente a compra de armas para um golpe violento de direita em Portugal. Foi o jornalista alemão Gunter Wallraff quem o denunciou no livro de sua autoria A Descoberta de uma Conspiração. Portanto, aqui não há inocentes, nem de esquerda nem de direita...

Sem inocentes, é certo, entre esquerda e direita, há no entanto diferenças marcantes. Em Portugal a direita orienta-se exclusivamente pela economia, por números, pelos mercados (materialismo e irracionalidade) e a esquerda sendo por tradição mais humanista tem pecado por falta de seriedade dos seus mentores, mas tem ideologias.

Tanto de um lado como de outro o problema maior são os homens. Se a seguir ao 25 de Abril um primo meu, oficial superior do Estado Novo me chocou quando, em conversa com meu pai (homem de esquerda) lhe confidenciou ter pedido a passagem à reserva "por não estar disposto a colaborar com canalha", hoje já não me choca que o General Garcia dos Santos (um militar de Abril) tenha dito praticamente o mesmo: "os políticos que governam actualmente Portugal são uns garotos, ignorantes, sem experiência". 

Curiosamente, ambos estavam (e estão) cheios de razão. Em Portugal, os excessos degradam tudo, até os ideais. Mário Soares, que lutou clandestinamente pela Democracia, não foi capaz de a gerir a contento porque não percebeu que até a liberdade não pode funcionar sem regras. Soares desautorizou demasiado a democracia e hoje é tarde para se queixar daquilo que afinal também semeou, e lamentavelmente agora poucos o levam a sério.  Há uma tradição laxista e de falta de carácter instalada na sociedada portuguesa. Invertê-la vai ser tremendamente difícil e vai demorar décadas. Pobre futuro, o do nosso país.

Quando um povo, zangado embora, aparentemente indignado, aceita calmamente que lhe vão ao bolso, que o roubem, só porque um grupo de miúdos no Poder lhe disse que andou a viver acima das suas possibilidades e que tem de pagar uma dívida, sem exigir que lhe expliquem seriamente por quê, onde, como, e quando a contraiu, é porque não merece melhores políticos. Quando se aceita por demasiado tempo, e pacificamente, uma governação medíocre e incompetente como a que temos, é sinal que também somos algo medíocres e incompetentes. Se o nosso povo aprecia o chico-espertismo é porque não é muito diferente de quem o anda agora a assaltar. Por isso - como dizem os franceses -, demerdez vous maintenant!

PS-Até o nosso amigo Manuel Serrão pensa que o 25 de Abril é património cobiçado entre a esquerda e a direita. Não, não é propriedade de ninguém. É sim, e justamente, da responsabilidade única dos militares de Abril. O resto é oportunismo. Se eles quisessem ser seus proprietários nunca teriam devolvido o poder à sociedade civil, e só por isso lhes devemos gratidão. Se os políticos destruíram o país, e a Democracia, a culpa não é deles.

2 comentários:

  1. Meu caro as memórias são selectivas, a do 25 de abril, hoje em dia, por parte de uma certa "canalha",foi usurpada por "usucapeão"...Qualquer bardamerdas com um pouco de exposição politica fala hoje de como andou fortemente empenhado em conspirações...

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  2. Provavelmente esta canalhada que nos governa se não fosse o 25 Abril não estavam no poder.
    Não deixam falar os militares do 25 de Abril na Assembleia da Republica, por covardia e medo, muitos seriam humilhados da pouca vergonha que fazem à sombra da democracia, roubando os portugueses e tirando todos os direitos que o 25 de Abril nos deu.
    Com esta corja de incompetentes, o Cravo Murchou...

    Abílio Costa.

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