13 outubro, 2013

A ditadura da austeridade






As notícias desta semana sobre as bases do Orçamento do Estado para 2014 são o corolário de uma apaixonada adesão do Governo português à ditadura da austeridade. Na sua azáfama de cortar em tudo o que mexe, Passos e Portas subestimam o facto de terem já cumprido duas das três etapas do ciclo de vida de uma ditadura: a ideologia e a tortura. Falta mesmo só a revolução.

Começando pela ideologia. Dizem os livros que a austeridade é a política de cortar nos orçamentos do Estado para promover o crescimento. Um conceito demasiado complexo para ser vertido nesta simples definição. Na verdade, o presente e a história demonstram bem que a austeridade extrema, ao invés de estimular a economia e elevar os níveis de confiança, tem frequentemente o efeito contrário. Assim aconteceu nos anos 30 nos EUA e assim acontece atualmente numa Europa anémica.

Não há nada de errado na reforma do Estado e na racionalização dos gastos públicos. Simplesmente, tal deve ser feito no conhecimento dos limites de aplicabilidade de programas de austeridade, de forma a não comprometer os mecanismos de criação de riqueza e de consumo. Os pecados da austeridade fundamentalista adotada por Passos Coelho são simples de enunciar. Desde logo, a perceção de que uma quebra generalizada no consumo imobilizou a economia. Depois, a certeza de que o impacto das medidas de austeridade é sempre brutal nos pobres e na classe média e quase não afeta os ricos. Por fim, aquilo que se designa por "falácia da composição", isto é, a crença - errada - de que o que é bom para o todo é bom para as partes. Tudo isto aconteceu em Portugal nos últimos anos, com um Governo manietado por uma troika apostada em limitar o risco sistémico, protegendo justamente os sistemas de interesses que estiveram na origem da crise, encabeçados pelo omnipresente sistema bancário.

A seguir à ideologia vem a tortura. Passado o "período de instalação", onde a narrativa assentou nos muito convenientes inimigo (Sócrates) e contexto (resgate), o Governo apontou o seu arsenal de soluções às vítimas óbvias e fáceis: pensionistas e funcionários públicos. Poupou os verdadeiros responsáveis pela crise da dívida, o sistema bancário e os interesses privados que cresceram à sombra do Estado, ajudados por políticos incompetentes e corruptos, que hoje têm as suas fortunas escondidas em offshores e bem protegidas da tributação. Optou por montar uma máquina de ataque aos desprotegidos, adotando técnicas de tortura inqualificáveis. Aos invés de apresentar ao país um plano global de reforma, onde todos e cada um soubessem qual seria o seu contributo e as metas a alcançar, atira numa base quase diária intenções de cortes generalizados nos rendimentos daqueles que, no passado ou no presente, trabalham para garantir não mais que o suficiente para pagar despesas e alimentação. E não falo apenas daqueles que ganham 500 euros. Falo também dos que ganham dois ou três mil, mas que têm três ou quatro filhos e são tão pobres como os outros.

Não há dia em que não venha de São Bento uma nova ameaça, numa prática brutal indigna de um governo democrático. Como é possível que na semana em que se descobre o corte das pensões de sobrevivência, que cinicamente Paulo Portas escondeu, se acene com o aumento da taxa de audiovisual? Perceberá o Governo o impacto psicológico sobre os idosos quando se ataca, ainda que marginalmente, um dos poucos prazeres que podem ainda suportar, a televisão em canal aberto? A isto chama-se tortura.

O grande final de toda a ditadura é a revolução. Passos Coelho acredita firmemente na brandura dos portugueses. Eu acredito que os subestima. Sobretudo o grupo dos reformados e dos funcionários públicos, que têm sido estigmatizados com base em mentiras redondas vendidas aos restantes portugueses. Pode ser que a revolução chegue apenas pela via formal, derrotando Passos num ato eleitoral ordinário ou antecipado. Mas também pode ser que as vítimas da tortura decidam diferentemente. Que faria Passos se os funcionários públicos imobilizassem o Estado? Que faria Passos se os idosos pensionistas entrassem numa greve de fome coletiva? Que faria Passos se uma boa parte dos portugueses decidisse apresentar-se esta segunda-feira à porta do seu banco e gerar, logo pela manhã, extensas filas para levantar todas as suas poupanças? Como diria um funcionário público, daqueles que o primeiro-ministro tanto odeia, deixo estas notas "à consideração superior".

4 comentários:

  1. Pois é, mas tudo continua na mesma, vêm aí mais cortes nos salários e nas pensões, a tortura continua e ninguém faz nada. O Sr.Silva está desaparecido em combate e o mesmo sucede oa líder da oposição. Estará Seguro a preparar-se para ser o próximo a ir aquela pouca vergonha que foi o programa de entrevista moderado pelo benfiquista de paredes?

    Abraço

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  2. Por este andar, ainda vamos ter que pagar para trabalhar. Quem trabalha e quem está reformado não pode fugir a estes roubos, os ricos esses põem o dinheiro lá fora e vão sugando o mais que podem ao estado.
    Isto é uma bola de neve, quanto mais nos roubam para pagar dividas que os Ladrões de colarinho branco fizeram, e os incompetentes criaram, menos dinheiro temos para criar riqueza, e assim vamos fechar para obras, até que apareça um Chinês ou um Russo e compre esta parcela da península.

    O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO

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  3. Mas, atenção, porque não é só o governo que rouba. São também os grandes grupos económicos, seus líderes e testas de ferro [como a EDP de Mexia] que estão a aproveitar como nunca a maré de fartar vilanagem actual.
    É este clima de corrupção institucionalizada que adoram, para poderem aumentar as tarifas a seu bel prazer e com toda a impunidade. Um nojo, este país!

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  4. Silva Pereira16/10/13, 20:50

    Sinceramente não percebo a ideia/pensamento consubstanciado no parágrafo.
    Como é possível que na semana em que se descobre o corte das pensões de sobrevivência, que cinicamente Paulo Portas escondeu, se acene com o aumento da taxa de audiovisual? Perceberá o Governo o impacto psicológico sobre os idosos quando se ataca, ainda que marginalmente, um dos poucos prazeres que podem ainda suportar, a televisão em canal aberto? A isto chama-se tortura.
    Que eu saiba essa taxa é aplicada a todos os consumidores que tenham um contrato de fornecimento de energia e ultrapassem um consumo 120 KWh por ano. Depois é mais uma aberração e uma ilegalidade pois é uma taxa (receita para o estado) que se aplica um outro imposto IVA, mais sou cliente MEO/PT e ainda pago mais uma taxa sobre o faturado chamado direitos de superfície que será receita para o meu município. Talvez o que queria dizer é que não faz sentido a exitência da taxa e muito menos aumentá-la.
    No meu entender o José Mendes baralhou-se ou então acha que o Estado deve manter todo o sistema RTP/RD como está, i.e. sistematicamente a ir aos bolsos dos portugueses duplamente por via do orçamento e da taxa. Isto é uma das tais gorduras que não aceito. Não vejo na RTP/RD nenhum serviço público e nem diferença para os outros canais concorrentes.

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