19 agosto, 2012

O discurso e a tática



Subitamente, algumas vozes que antes se notabilizaram por denunciar os vícios do centralismo mudaram de opinião ou de tática, e apelidam esse mesmo discurso de doentio. Ora, continuo a acreditar que a hipercapitalidade é, essa sim, a principal doença do país. Continuo a ver, todos os dias, sintomas de um centralismo discriminatório que protege o umbigo do regime e aquilo que se avista do Terreiro do Paço, que esquece o resto do país e que olha o Norte e o Porto ora com sobranceria ora cobiçando aquilo que temos, e que já é muito pouco. Infelizmente, a situação não mudou. Bem pelo contrário porque, à medida que o país se torna mais pobre, cresce a tendência para fazer cortes cegos na periferia da capital do império. E, como se sabe, Portugal vive há muitos anos em crise, que não é alheia a esse centralismo devorador.

Não se trata pois de hipocondria ou, como um dirigente partidário local me sugeria há dias, de criar ruído e contaminar a opinião pública. Infelizmente, os factos impõem que se continue a fazer o mesmo discurso, que denuncia uma doença grave, que resiste à sucessão de governos por estar tão enraizada que se transformou num dos paradigmas do regime e do nosso débil modelo de desenvolvimento.

Não se trata, sequer, de fazer um discurso contra Lisboa, na medida em que o que se defende é útil para todo o país e, por isso, para a capital. Esse discurso contribuiu, aliás, para que o porto de Leixões tivesse mantido a sua autonomia, que estava ameaçada. Esse discurso serve para questionar o modelo de privatização da ANA, que pode ter consequências dramáticas para o nosso aeroporto. Da mesma forma, serve para questionar por que razão os compromissos assumidos quanto à reabilitação urbana do Porto têm sido adiados, por que razão continua a haver desvios no QREN que prejudicam o Norte, por que motivo o interior vai sendo despojado, através de uma cura de emagrecimento que não é aplicada com a mesma severidade à capital, por que critério de equidade se viabilizam as finanças da capital através negócios com o Estado a que os outros municípios não têm acesso, como é possível que não haja financiamento para as empresas exportadoras mas haja recursos para apoiar os especuladores e os grupos que têm influência nos corredores do poder.

É certo que, se não nos podemos resignar, também não podemos deixar de assumir as nossas responsabilidades. Não podemos ceder, é verdade, ao bairrismo bacoco ou tentar invocar, para o Porto, uma capitalidade alternativa que nunca nos será reconhecida quer por Lisboa quer pelo resto do país. O Porto deve mobilizar todos os seus méritos e talentos para defender soluções que, sendo relevantes para a cidade e região, também sejam benéficas para o todo nacional; deve liderar o debate estratégico sobre a subsidiariedade.

Concordo que deve ser menos queixoso e mais ousado, que deve ser insolente perante os poderes do centralismo, que deve saber olhar para tudo o que tem antes de reclamar por aquilo que não tem. Um Porto "que não espere pelos decretos para agir, pelas crises ministeriais para pedir, pelas crises para reagir", como disse Miguel Veiga. Mas, como eu escrevi no meu livro "Uma questão de carácter", já em 2009, "sendo essa a parte endógena da questão, ainda acredito que se a sua classe política assumir esse desafio, não precisará de dobrar a espinha para recuperar o seu indispensável protagonismo. Mas, na relação com esse poder central, o Porto não pode hesitar entre os estilos, não pode hoje suplicar por auxílio e, no dia seguinte, reclamar com veemência. Não pode aceitar o discurso de o que chega pela mão dos governantes é uma dádiva, não se pode ajoelhar para o agradecer. O Porto não pode tolerar que alguém, dentro das portas da cidade, tenha o topete de dizer que uma qualquer benesse é uma dádiva do Governo. Pelo contrário, é preciso que exija sempre o que lhe é justamente devido e logo que consegue o que exigiu, deve clamar que não foi mais do que uma questão de justiça". Creio que tudo o que escrevi há três anos continua a ser verdade.

Nota de RoP: 
Uma dessas vozes chama-se Carlos Abreu Amorim. Uma decepção deplorável. 

Quando um homem decide hipotecar a sua inteligência à ambição pessoal, sem pesar tudo o que disse contra o centralismo, só porque passou a militar num partido político, compromete inexoravelmente a própria honra. 

3 comentários:

  1. Deacon Blue19/08/12, 14:07

    O Sr. Rui Moreira, pessoa por quem tenho muita consideração, no ambito das suas competências e esfera de influencias, era talvez uma das pessoas que deveria de passar das palavras aos actos.
    Juntar pessoas, criar ondas de opinião MAS COM ACÇÃO que tenham efectivo impacto no pais.
    Acções na comunicação social, acções de rua, coisas com impacto que ponham a gente em estado de alerta, que mexam com sensibilidades, QUE ACORDEM ESTA GENTE PARA IR PRÁ RUA PÁ!
    (mas quem sou eu para estar aqui a dar bitaites a gente que anda há anos a dizer que sabe tudo, gente que tem a radiografia de tudo. ENTÃO E COMO RESOLVER? NADA?)

    Estou cansado de diagnosticos e opiniões fundamentadas correctas e devidamente avalisadas sobre como somos roubados ao minuto, tudo perfeito e sem discussão, a malta está toda de acordo ok! E depois?

    NADA!

    Nas ultimas eleições eu votei no partido do norte.
    Convoquem manifestações de rua serias, bem fundamentadas e com impacto na comunicação social que eu estarei lá a apoiar!
    Caso contrário, de que vale andar aqui a postar diagnisticos e artigos de opinião? Estou farto de vitórias morais.

    Peço desculpa pelo desabafo.

    Deacon Blue

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  2. Sr Rui Moreira, concordo com tudo que o senhor diz, mas, tem que falar com o seu amigo e companheiro de partido Rui Rio, que é um parado um quieto em tudo que diz respeito à nossa região. O sr RM vê esse senhor (e outra trupe como ele) bradar a Lisboa do roubo que nos fazem!? - vai dizendo com alguma vergonha de vez em quando algumas coisas, só que os governantes ignoro-no.
    O problema infelizmente, é que estamos a ser governados por capatazes da Troika ou um Merceeiro qualquer.

    O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO.

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  3. O que se está a passar é uma vergonha,e os que andam por aí ,é só oportunistas.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...