12 junho, 2014

6 de junho de 1944 parece ter sido há uma eternidade


 

1. Os desembarques das tropas Aliadas na Normandia, com início a 6 de junho de 1944, custaram 250 mil vidas - de soldados aliados , alemães e de civis franceses. O trajeto das tropas até Paris, arrasando os alemães e algumas cidades francesas com bombardeamentos pelo caminho, representaram a morte de mais 150 mil pessoas. Os documentários do National Geographic e do canal História na última semana deixam-nos de boca aberta não para os números apenas (porque esses são conhecidos) mas para a coragem e dor de ambos os lados, com o medo, a coragem e a rendição em imagens da época que simbolizam documentos preciosíssimos para a memória coletiva da humanidade.

2. O maior ataque militar da história da humanidade, liderado pelos generais norte-americano Eisenhower e pelo inglês Montgomery, consistiu neste feito logístico de fazer avançar perto de seis mil embarcações nesse dia, com 160 mil homens a bordo. Muitos daqueles homens não estiveram fora do barco mais do que meia dúzia de segundos. Quem estava dentro dos barcos sabia da elevadíssima probabilidade de "sair e morrer", sobretudo os primeiros pelotões. Estavam ali, ao lado, visíveis, os corpos a boiar em redor, o sangue a tingir o mar, os gritos dos feridos, os estrondos absolutos da artilharia de ambas as partes. E, mesmo assim, aqueles homens não deixaram de sair dos navios, e por serem tantos, os alemães não conseguiram abatê-los a todos.

3. Os Aliados conseguiram rasgar as linhas nazis até Paris, onde chegaram e expulsaram os alemães a 19 de agosto de 1944. Olha-se para a vitória e ela não parece ter resultado de um maior poder Aliado no terreno mas sim de um dado essencial: os soldados alemães sentiam que não tinham razão para aquela guerra. A sua rendição era quase sempre uma questão de espera. Por mais que se puxe pelos valores da "pátria", da honra pessoal ou de uma filosofia política que incuta a superioridade sobre os outros, há um momento em que o ser humano não consegue enganar-se a si mesmo. E, enquanto os Aliados percebiam que a missão valia a sua vida, os generais e tropas alemãs foram intuindo, ao longo do tempo, a insanidade a que estavam sujeitos. Matar inimigos em tempo de guerra é uma coisa; matar homens judeus, apenas por serem judeus, pode parecer a mesma coisa mas é diferente; quando a purga de Hitler obrigou os seus exércitos a executarem cidade a cidade, vila a vila, aldeia a aldeia, também as mulheres e crianças judias, os homossexuais, os deficientes, etc., começa a dar-se um salto gigante: um processo coletivo demencial em que a razão tem de ser posta de lado em função de obediência a uma bandeira, uma farda. Nem o "bom alemão", a lutar pela sua família e pelo seu povo, perde o sentido humano eternamente.

4. É neste ponto que estamos hoje. A memória humana é cada vez mais vácua. A multiplicidade de informação já impede o discernimento entre o essencial e o acessório. O Mundo está parecido com um passatempo frívolo. A "vida garantida" pelas democracias do Estado Social - pela qual tanta gente morreu - parece eterna. Daí os abstencionistas vitalícios, os novos nazis ou estalinistas sem Estaline. Daí a obediência servil ao mais forte - o Estado, o mercado, um qualquer dono da nossa vida. Pensarmos, enquanto sociedade, que a indiferença, o silêncio ou a abstenção é um valor em si, é abrir caminho aos demagogos. E nada mais fácil do que a economia para a alimentar, como aliás fez Hitler. Por isso 6 de junho de 1944 parece ter sido há uma eternidade na Europa, olhando-se para os resultados das eleições para o Parlamento Europeu ou para a rutura de um projeto europeu cada vez mais dividido entre fortes e fracos. Os meus filhos ou netos partirão para uma qualquer guerra (seja de que tipo for), consequência apenas desta falta coletiva de memória? Putin, Le Pen, o hermetismo alemão, a ingovernabilidade crescente da Ásia, o interminável fanatismo islâmico, mas também a demencial exploração dos recursos naturais e a emissão de CO2, todos eles, são factos sem recuo? Estou cada vez mais convencido de que a chave para se sair desta pré-loucura não passa pela economia. É hora da história.

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