Quando Cavaco nos recomenda que amouchemos pois "se nós lhes [aos 'nossos credores'] dirigirmos palavras de insulto, a consequência será mais desemprego para Portugal", tão só repete, adaptada à actual circunstância, a "sensata" e canónica fórmula do "Manda quem pode, obedece [ no caso, cala] quem deve".
Trata-se de uma atávica cultura em que a vida é vidinha, a crítica deve sempre ser "construtiva" e colaborante, os trabalhadores, por suave milagre linguístico, se tornam "colaboradores" (e se colaboracionistas melhor ainda) e servilismo e acriticismo são alcandorados a virtudes cívicas. Porque é assim que se faz pela vidinha, de joelhos.
Estejamos, portanto, gratos às "companhias de seguros, fundos de pensões, fundos soberanos, bancos internacionais e cidadãos espalhados por esse mundo fora" que nos emprestam dinheiro a juros usurários, pois eles apenas querem o nosso bem. E, como o bom Matateu numa famosa entrevista a Baptista Bastos, digamos tudo o que quisermos, excepto dizer mal, "porque [cito de cor] Matateu não diz mal de ninguém".
[Manuel António Pina / JN]
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