O actual Governo pretende controlar administrativamente as associações 
públicas profissionais, equiparando-as às autarquias locais e colocando 
cada uma delas sob a tutela direta de um membro do Executivo. Este 
objetivo é tanto mais anacrónico quanto é certo que, simultaneamente com
 esse controlo político-administrativo, se pretende também desregular o 
exercício das profissões respetivas, nomeadamente, considerando-as quase
 como meras atividades económicas, sujeitas apenas às leis do mercado. 
Além disso, não deixa de ser estranho ou sintomático que umgoverno que 
aplica na economia um ultraliberalismo desbragado, sobretudo na 
atividade financeira, pretenda agora colocar sob a sua tutela política 
as entidades que regulam as profissões liberais. O que o Governo diz é 
que no exercício concreto das profissões liberais quem manda é o 
mercado, mas quem passa a mandar nas entidades que regulam as profissões
 liberais é ele próprio. 
Esse controlo administrativo está previsto na nova Lei das 
Associações Públicas Profissionais (lei n.oº 2/2013, publicada em 10 de 
janeiro), nomeadamente nos artigos 45º e seguintes. Aí se estatui que as
 associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de 
legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração 
autónoma territorial, acrescentando logo de seguida que a lei da sua 
criação ou os respetivos estatutos das já existentes "estabelecem qual o
 membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada uma" 
delas. 
A lei equipara as associações públicas (que representam as
 várias profissões liberais) às autarquias locais e especifica que a 
tutela administrativa se concretizará através de inspeções. Assim, no 
futuro, qualquer governo poderá inspecionar qualquer ordem profissional,
 independentemente das respetivas motivações e mesmo com fins de 
manipulação e/ou de perseguição políticas. Ou seja, os governos passarão
 a ter a possibilidade de controlar diretamente a regulação das 
profissões liberais e, indiretamente, de condicionar o próprio exercício
 dessas profissões e a atividade dos respetivos profissionais. 
Mas
 não é só através do mecanismo das inspeções que o Governo pretende 
mandar nas ordens profissionais. A nova lei estabelece também que os 
principais regulamentos das ordens tenham de ser homologados pelo 
Governo, ou seja, tenham de estar em consonância com o seu programa 
político. Também aqui facilmente se vislumbra que será o Governo a 
determinar o sentido normativo dos mais importantes regulamentos das 
ordens profissionais, só homologando aqueles que estejam em conformidade
 com os seus objetivos políticos e partidários.
A lei estabelece 
ainda que se aplicará às ordens profissionais o regime jurídico da 
tutela administrativa das autarquias locais estabelecido na Lei n.oº 
27/96, de 1 de agosto, que prevê, nomeadamente, a perda de mandato dos 
eleitos, a dissolução dos órgãos das ordens e a criação de deveres 
especiais de informação e de cooperação com o Governo. Enfim, tal como 
aconteceu com as autarquias locais, está em marcha a partidarização das 
ordens profissionais.
Esta lei foi aprovada no Parlamento sem 
votos contra, com os votos favoráveis do PSD, do PS e do CDS e com as 
abstenções dos partidos de esquerda. Trata-se de um ataque sem 
precedentes à independência das entidades que representam as profissões 
liberais em Portugal, algumas das quais têm precisamente como principal 
atribuição a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Um
 ataque levado a cabo por ultraliberais que, assim, demonstram a sua 
incapacidade em conviver com as estruturas sociais independentes. Nem 
Salazar ousou ir tão longe nos tempos do Estado Novo.
A Ordem dos 
Advogados, a que presido, tem como primeira atribuição legal a defesa do
 Estado de direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. 
Ora, sabendo que muitas vezes são os próprios governos a atentar contra o
 Estado de direito e contra os direitos das pessoas, como é que a OA 
poderá cumprir essa obrigação se passará a ficar na dependência do 
Governo? A esta pergunta os advogados irão responder em congresso 
extraordinário da classe.
[do JN] 
Nota: O sublinhado a negrito é da iniciativa do RoP.
 
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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