04 fevereiro, 2013

A governamentalização das associações profissionais


 
O actual Governo pretende controlar administrativamente as associações públicas profissionais, equiparando-as às autarquias locais e colocando cada uma delas sob a tutela direta de um membro do Executivo. Este objetivo é tanto mais anacrónico quanto é certo que, simultaneamente com esse controlo político-administrativo, se pretende também desregular o exercício das profissões respetivas, nomeadamente, considerando-as quase como meras atividades económicas, sujeitas apenas às leis do mercado. Além disso, não deixa de ser estranho ou sintomático que umgoverno que aplica na economia um ultraliberalismo desbragado, sobretudo na atividade financeira, pretenda agora colocar sob a sua tutela política as entidades que regulam as profissões liberais. O que o Governo diz é que no exercício concreto das profissões liberais quem manda é o mercado, mas quem passa a mandar nas entidades que regulam as profissões liberais é ele próprio.

Esse controlo administrativo está previsto na nova Lei das Associações Públicas Profissionais (lei n.oº 2/2013, publicada em 10 de janeiro), nomeadamente nos artigos 45º e seguintes. Aí se estatui que as associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial, acrescentando logo de seguida que a lei da sua criação ou os respetivos estatutos das já existentes "estabelecem qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada uma" delas.

A lei equipara as associações públicas (que representam as várias profissões liberais) às autarquias locais e especifica que a tutela administrativa se concretizará através de inspeções. Assim, no futuro, qualquer governo poderá inspecionar qualquer ordem profissional, independentemente das respetivas motivações e mesmo com fins de manipulação e/ou de perseguição políticas. Ou seja, os governos passarão a ter a possibilidade de controlar diretamente a regulação das profissões liberais e, indiretamente, de condicionar o próprio exercício dessas profissões e a atividade dos respetivos profissionais.

Mas não é só através do mecanismo das inspeções que o Governo pretende mandar nas ordens profissionais. A nova lei estabelece também que os principais regulamentos das ordens tenham de ser homologados pelo Governo, ou seja, tenham de estar em consonância com o seu programa político. Também aqui facilmente se vislumbra que será o Governo a determinar o sentido normativo dos mais importantes regulamentos das ordens profissionais, só homologando aqueles que estejam em conformidade com os seus objetivos políticos e partidários.

A lei estabelece ainda que se aplicará às ordens profissionais o regime jurídico da tutela administrativa das autarquias locais estabelecido na Lei n.oº 27/96, de 1 de agosto, que prevê, nomeadamente, a perda de mandato dos eleitos, a dissolução dos órgãos das ordens e a criação de deveres especiais de informação e de cooperação com o Governo. Enfim, tal como aconteceu com as autarquias locais, está em marcha a partidarização das ordens profissionais.

Esta lei foi aprovada no Parlamento sem votos contra, com os votos favoráveis do PSD, do PS e do CDS e com as abstenções dos partidos de esquerda. Trata-se de um ataque sem precedentes à independência das entidades que representam as profissões liberais em Portugal, algumas das quais têm precisamente como principal atribuição a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Um ataque levado a cabo por ultraliberais que, assim, demonstram a sua incapacidade em conviver com as estruturas sociais independentes. Nem Salazar ousou ir tão longe nos tempos do Estado Novo.
 
A Ordem dos Advogados, a que presido, tem como primeira atribuição legal a defesa do Estado de direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ora, sabendo que muitas vezes são os próprios governos a atentar contra o Estado de direito e contra os direitos das pessoas, como é que a OA poderá cumprir essa obrigação se passará a ficar na dependência do Governo? A esta pergunta os advogados irão responder em congresso extraordinário da classe.
[do JN]

Nota: O sublinhado a negrito é da iniciativa do RoP.

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