18 fevereiro, 2015

Carta aberta ao director do Jornal de Notícias



Exmo. Sr. Afonso Camões
Director do Jornal de Notícias
                                                                                                                                  
                                                                                                                                
                                                                                                                                  Porto, 18 de Fevereiro de 2015


É com um sentimento, misto de revolta e ingenuidade, que lhe dirijo esta carta. De revolta, por  verificar há já algum tempo que o Jornal de Notícias, do qual V. Exa. é Director, vem optando por uma política de comunicação de duas caras, ou seja, democrática à semana, e centralista ao sábado e domingo. E de ingenuidade, por recear que da vossa parte haja humildade para reconhecer que o JN está ainda longe de ser o jornal que os nortenhos precisam. Peço-lhe que não veja nisto nada de pessoal, porque não o conheço, mas o que conheço, são as vossas limitações para se imporem no mercado nacional sem o recurso à publicação de edições para o Sul, e outras para o Norte do país.  Mesmo admitindo que tal opção seja determinada pelo mercado (sempre ele), é no mínimo preocupante para o futuro do JN, saber que este jornal sobreviveu durante décadas à humilhação de publicar edições especiais para o Sul, no tempo de Salazar e Caetano, e abdicou dessa liberdade agora, em democracia... O mesmo se aplica ao jornal O Jogo. De mais a mais, quando nenhum jornal de Lisboa  tem esse tipo de "atenções" editoriais com os nortenhos. A Global Notícias, grupo a que esses dois jornais pertencem já tem o Diário de Notícias para cobrir a zona de Lisboa e de todo o país, por que razão só o JN tomou essa opção?

Se lhe disser que o Jornal de Notícias é o único jornal que leio há muitos anos, não pela Net, mas em papel, e pago, e que o faço pela platónica razão de se tratar do único jornal ainda sediado no Porto, corro o risco que interprete isso como uma forma subtil de apelar à sua consideração, como se lhe quisesse pedir um grande favor. A intenção não é essa. Pretendo apenas ser uma pequena luz que ousa intrometer-se num mundo reservado a iluminados [os media] , onde a liberdade, as ideias e o serviço público claudicaram às regras do materialismo, para sugerir um outro caminho. Só isso.

Se continuo a ler o Jornal de Notícias não é, como atrás referi,  pela razão de ainda ser o único diário sediado no Porto, detalhe tanto menos relevante, quanto decisiva e elucidativa  é a constituição do respectivo Conselho de Administração, presidido pelo famoso advogado (beirão) de Lisboa Proença de Carvalho, sem afinidades ao Norte ou, que se saiba, à causa da regionalização, contra a qual espero que o senhor Director  nada tenha a opôr.  

Sou um leitor esquisito, sabe. Rabujento, não alinhado. Uma espécie de ovelha negra no imenso universo de leitores do JN. E foi por ser ovelha negra que suprimi dos meus hábitos de leitura o jornal desportivo O JOGO, já lá vão alguns anos, desde que, num assomo de "notável" altruísmo, a administração de então decidiu publicar uma edição para o Sul, para agradar a essa clientela, notoriamente, abdicando da sua independência para se juntar ao côro dos dois pasquins de Lisboa, facciosos e indiscutivelmente desonestos. Resultado: o jornal O JOGO perdeu leitores, credibilidade e identidade. 

Vale isto para dizer o seguinte, senhor Director: que, não sendo o JN o jornal que pessoalmente ambicionava para o Norte, mas que a nível regional vai satisfazendo [é sempre uma alternativa menor ao desdém da imprensa centralista], continuo assim mesmo a comprá-lo, por conseguinte a contribuir modestamenta para a sua sobrevivência. Mas, já não estou disponível para continuar a pagar 0,40 cêntimos a mais pela revista Notícias Magazine, que sai aos domingos com o jornal, cujo conteúdo habitual é 99,9% de promoção ao que acontece em Lisboa. 

E, antes que pondere replicar (se decidir responder-me) o aqui exposto com o discurso do provincianismo [uma manifestação bairrista e divisionista que só favorece os centralistas”], o que se me oferece dizer é isto: estou-me nas tintas para respostas esteriotipadas, com coesões e nacionalismos velhacos, que em nada me impressionam. Porque foi com essa mesma conversa que muitos regionalistas "assumidos", aniquilaram a regionalização, excluindo os nortenhos da lista cidadãos de direito deste miserável país. E isso, é despudoradamente perceptível nos media da capital. Como tal, não é pelo que se faz no Terreiro do Paço, ou pelo que se diz, que me sinto mais português. Bem pelo contrário, a minha pátria é cada vez mais o Porto e o Norte de Portugal.


Como referi inicialmente, duvido que as minhas inquietações o comovam - não por razões pessoais -, que não as tenho como já expliquei, mas porque sei que as orientações dos media são ditadas por interesses superiores ao interesse público, e o senhor sabe muito bem quais são. Mas como parte integrante desse público, ainda me cabe a mim decidir se devo continuar a comprar o JN ao domingo, durante a semana, ou mesmo nunca. É pouco, mas só depende de mim. E não necessito de apregoar  solidariedade ao Charlie Hebdo para provar que amo a Liberdade.


Com os melhores cumprimentos, 

Rui Valente

Obs.:
Remeti hoje mesmo para o Director do JN, Sr. Afonso Camões, por correio azul,  esta carta. Aguentei quanto a minha paciência o permitiu (e foi muita) a imposição de pagar mais 0,40 cêntimos por uma revista de propaganda a Lisboa que nada me diz, chamada Notícias Magazine, só para ler o jornal que custa um euro... 
Como se trata de um caso de interesse público, principalmente para os regionalistas, entendi publicar esta carta. Se houver resposta do director (o que não é impossível, mas duvido), publicá-la-ei igualmente. Quem não deve, não teme.   



4 comentários:

  1. Estamos a ser colonizados pela Moirama, agora até o Jornal de Noticias é chefiado por estes intrusos a mando do centralismo.
    Eu também sou como o Rui, antes de ser português sou portuense, estou cheio desta gente chauvinista, de parolos da província a lamberem o cu à capital do Império e ao ditador democrático.
    Somos tratados por estes crápulas a baixo de cão, cada vez lhe tenho mais ódio. Gente dessa não conheço simplesmente ignoro. Eu também comprava o jornal, a partir de hoje só o leio na Internete.

    Abílio Costa.

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  2. Amigo Rui pode esperar sentado pela resposta, eu não acredito que ele lhe responda. Na minha opinião quando o senhor Afonso Camões foi nomeado para director do JN já sabia ao que vinha, o mesmo é dizer que já vinha com a missão de entregar o jornal ao centralismo da capital, por mim já deixei de comprar jornais, o que vou lendo, é pela internet.
    PS: Vou partilhar a sua carta no facebook, espero que não se oponha.
    Abraço
    Manuel da Silva Moutinho

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  3. Caro Moutinho,

    esta carta não é de âmbito privado. O tema é público, por isso, pode divulgá-la à vontade.

    Um abraço

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  4. É verdade, de tanto querer conquistar o sul centralista, Jogo e JN, acababam a perder o Norte.

    Abraço

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