12 julho, 2015

Rui Moreira: “Devíamos falar menos sobre a Grécia porque também vivemos na rua dos pobres”


ENTREVISTA


Rui Moreira critica o Governo e o Presidente por “falarem de mais” sobre a situação da Grécia, assumindo o papel do “pobre-sério” que se procura destacar do “pobre-ladrão” sem se aperceberem que, no final, ambos podem estar ligados pelo mesmo destino.
A poucos meses da primeira metade do seu mandato na Câmara do Porto, Rui Moreira sente-se bem na pele de presidente e congratula-se com as transformações que conseguiu em matéria de cultura e de coesão social. Em parte, ancora o seu sucesso numa boa herança de Rui Rio, mas opõe ao seu antecessor um estilo de governação mais aberto e dialogante, no qual a vontade de “dessacralizar” a imagem do presidente, aproximando-a dos cidadãos, é primordial.
Moreira vai manter-se neutro nas legislativas e nas presidenciais, garante que se se recandidatar será novamente como independente e considera que Portugal só poderá recuperar parte da soberania perdida com a entrada no euro e com a “abdicação” ao memorando da troika se a Europa caminhar no sentido do federalismo. Até lá, quem determina o grau de austeridade não serão nem os eleitores nem o próximo Governo
Sente-se bem na pele de presidente-rei?
Não acho que seja um presidente-rei, mas gosto imenso de ser presidente de câmara.
Presidente-rei no sentido de quem cultiva uma faceta popular, que gosta de eventos com muita gente, que não limita ao gabinete.
Nesse sentido, acho que sim. Nós dissemos várias vezes que íamos tentar dessacralizar a visão que a cidade tinha dos anteriores presidentes de câmara, e não apenas do meu antecessor. Queríamos ter pelo contrário um modelo mais nórdico, mais anglo-saxónico em que o presidente da câmara é apenas ‘mais um de nós’. E nesse sentido acho que temos feito um pouco isso, quer eu, quer os vereadores.
A vontade de manter esse contacto com a população resulta da constatação que vive em estado de graça?
Não sei se é um estado de graça. Espero que seja um estado normal em que o presidente de câmara, que tenta interpretar a cidade, consegue viver. Se não for assim, não faz sentido. No dia em que eu tiver medo de sair à rua, nesse dia tenho de me ir embora.
Está coligado com o PS e, teve o apoio do CDS e a sua candidatura foi impulsionada por destacados militantes do PSD. Como vai gerir este saco de gatos nas legislativas?
Nas legislativas não vou gerir coisa nenhuma. Já disse que o presidente da Câmara do Porto não apoiará nenhuma candidatura, não é isso que me preocupa no dia-a-dia.
Mas, pessoalmente, qual é o programa político para o país que mais o atrai?
Nem sequer vou responder a isso. Se não estaria a fazer o que disse que não faria.
Esse distanciamento não torna a relação com o seu parceiro de coligação PS mais difícil? 
Não, isso ficou claro a partir da primeira hora. Fui eu quem ganhou as eleições e convidou o PS, não foi o PS quem ganhou as eleições e me convidou a mim.
Em relação à austeridade: acha que Portugal vai ter condições nos próximos anos para a aliviar significativamente?
Vai depender do que suceder na Europa. Isso não vai ser decidido pelo Governo português. Tudo aquilo que tem sido dito pelos vários partidos, e não apenas por aqueles que são candidatos à vitória, pressupõe sempre que nós temos hoje uma soberania total. Mas os países europeus, principalmente os que têm a nossa dimensão, perderam e abdicaram dessa soberania quando entraram para o euro e ao mesmo tempo não construíram uma outra soberania, que seria a soberania federal. A Europa dos directórios, que eu temi e sobre a qual eu escrevi mutas vezes no PÚBLICO, é que vai determinar se vai haver mais austeridade ou não. O Governo português, qualquer que ele seja, pode determinar onde é que vai aplicar a austeridade: se é aqui ou se é ali.
Actualmente temos em Portugal dois discursos políticos em confronto: um que aceita a austeridade como uma coisa natural e outro que promete luta contra essa austeridade, dizendo que é possível criar condições mais suaves para o país. Qual destas teses lhe parece mais consistente?
Eu creio que essas narrativas podem ser atractivas para as eleições importantes que aí vêm. Mas enquanto não percebermos o que vai acontecer à Grécia – e o que vai acontecer com a Grécia é algo que nós não conseguimos determinar -, eu entendo que os portugueses não devem fazer a sua escolha em função de que se vai ou não vai aliviar a austeridade. Eu pelo menos não o vou fazer. Pela simples razão de que isso não é determinado pelo eleitorado português. Não vão ser os nossos eleitores nem os nossos governantes que vão sair das próximas eleições que vão determinar isso.
Portanto, para si a Grécia é o mais importante assunto da política interna portuguesa?
Com certeza. Em que nós temos muito pouca intervenção. Não vamos ser ouvidos nem achados sobre a Grécia, mas o que vai suceder na Grécia e as consequências que virão a ter na Europa e na futura soberania da Europa é que vai determinar o caminho que o próximo governo português vai ter que seguir.

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