Para não recuarmos ainda mais no tempo vamos considerar que a discussão só tem 17 anos, lembrando-nos do ano em que o então primeiro-ministro e líder do PSD, Cavaco Silva, tentou aprovar uma reforma do sistema eleitoral que haveria de ser rejeitada pelo Parlamento.17 anos depois, esta reforma que prevê a criação de círculos uninominais num sistema misto onde conviverão com um círculo nacional, volta a estar em cima da mesa e, como sempre acontece nestas coisas, por iniciativa do partido que não está no Governo.
Agora como então, os dois maiores partidos, PS e PSD, aparentam forte motivação para fazer vingar a proposta, tecendo os maiores elogios à principal virtude que lhe está subjacente a introdução dos círculos uninominais aproxima os eleitores dos eleitos.Logo aqui se percebe a urgência desta transformação. Se os dois principais partidos reconhecem e valorizam a necessidade de aproximação dos eleitores aos eleitos, é porque não duvidam que no sistema vigente existe um enorme e irreversível afastamento entre quem elege e quem é eleito.
O aumento exponencial da abstenção que se tem registado nos últimos actos eleitorais terá múltiplas razões, mas esta falta de identificação crescente entre quem vota e quem se apresenta a votos será um dos factores cruciais deste desencanto que tem afectado as recentes eleições.
Outro dos motivos deste alheamento que tem marcado os resultados eleitorais das legislativas tem também a ver com o desrespeito que permite que os primeiros nomes das listas nem sequer cheguem a tomar posse como deputados, ou abandonem os seus lugares quando a legislatura ainda se encontra bem longe do fim. Isto só é possível porque no actual modelo não existe (nem se cria
) qualquer ligação sólida e responsável entre o candidato a deputado e os eleitores do seu círculo distrital.Agora como então, o único argumento que parece ensombrar a discussão é a ideia de que a criação destes círculos uninominais prejudica a representação dos pequenos partidos.
Dito assim, até podíamos ser levados a pensar que estávamos perante um momento enternecedor da política portuguesa, quiçá inspirado pela época natalícia os grandes partidos que tudo mandam e tudo decidem na vida política nacional estão deveras preocupados com os pequenos partidos. Que bonito!Se há estórias que têm um final feliz, esta não é de certeza uma delas.
Os numerosos deputados dos dois maiores partidos estão preocupados, e muito, é com os seus lugares e com a possibilidade de não conseguirem a reeleição, num quadro em que os eleitores tenderão a afastar quem poucas ou nenhumas provas de respeito por eles deu nos últimos anos.
Por outro lado, os estados-maiores dos dois partidos também não esquecem que o seu controlo e influência sobre todos e cada um dos deputados sofrerão profundas alterações. Tornando-se mais dependentes dos eleitores do que das direcções partidárias, os novos deputados terão uma maior tendência para pensar pela sua cabeça e votar na defesa dos seus interesses, que passarão a ser muito mais regidos pelo sentimento e pelas cabeças dos eleitores do seu círculo, em vez de se alinharem invariavelmente pelas orientações dos chefes do partido.
Para que esta reforma não tenha o mesmo triste fim, era preciso que Sócrates e Menezes tivessem total consciência da imperiosa necessidade de a conseguir impor aos seus correligionários. Bem ao estilo divertido daquela série inglesa que fez as delícias de muitos dos meus serões, o "Yes minister", não será nunca por culpa dos dois líderes que ela ficará mais uma vez no tinteiro, ou como se deveria dizer nos tempos que correm, no desktop. Menezes e Sócrates sabem muito bem que as eleições respectivas dificilmente estarão em causa.
O problema está e estará sempre nos homens que os rodeiam, muitos dos quais perfeitos desconhecidos, mas cuja vida e sobrevivência política estão intimamente ligadas a uma suposta legitimidade eleitoral, que sempre têm conseguido com mais facilidade na frequência dos corredores do Poder do que no trabalho de campo junto dos seus verdadeiros eleitores.
Aqui está uma boa oportunidade para o dr. Menezes dar mais um sinal de que na sua eleição não foram só algumas moscas que mudaram.
Manuel Serrão
Fonte: JN
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