A crise económica - e, por arrasto, a social - está a remeter uma porção substancial de portugueses para um gueto de pobreza.
Floresce entretanto a crise de valores, e não apenas patente nas patetices do momento - o efeito manada das imbecilidades das praxes e o esmagamento das audiências televisivas pelo maior telelixo alguma vez emitido em Portugal - o "Casa dos segredos, desafio final 2", maná de audiências para a TVI sedimentado na falta de escrúpulos e graças ao mais reles grupo de analfabetos alguma vez junto na pantalha, para gáudio de uma legião de fãs da ordinarice e paizinhos ululantes de orgulho por terem dado à luz descendentes tão mal-educados. Sim, vale a pena assistir a tanta ordinarice por metro quadrado para se ter consciência de como não se deve ser.
Sem reticências: a crise moral está para as relações humanas no país como a doença do escaravelho para as palmeiras: alastra, corrói e tem tudo para matar, pelo menos a esperança de um melhor futuro.
Os comportamentos nas praxes ou no reality show são paradigmáticos de um dia a dia feito, na rua de cada um de nós, de exemplos flagrantes da mais abominável falta de respeito pelo ser humano. São casos comezinhos, sim, mas preocupantes.
Três exemplos vivenciados, todos no âmbito do mercado de trabalho. Todos, curiosamente, na área da restauração, essa mesmo, a da choraminguice pelos efeitos do IVA a 23%.
1. Uma das muitas chafaricas feitas cafés no país. Entrada e saída permanente de esforçados feitos funcionários. Movimento principal à hora do almoço. Cliente assíduo pergunta ao dono do tasco se é eficiente o mais recente jeitoso que tenta equilibrar a bandeja. O homem diz que sim. E quanto ganha? Resposta na ponta da língua, com o ar mais normal do Mundo: tem direito a almoço! (Três dias depois, nem vê-lo. Claro.)
2. Restaurante afamado, construído na base de uma gerência muito relações públicas e funcionários simpáticos - cada vez mais gentis para tentarem receber o ordenado mínimo. Têm vários meses de salários em atraso. Comem e calam. O patrão, esse, feito empreendedor, rodeia-se de amigos, faz festas no espaço, usa os serviçais a seu bel-prazer e estes, num momento de juízo perfeito, acabam por bater com a porta. Cansados. No bolso levam créditos para receber nas calendas gregas. Trocados são por outros condenados ao ciclo vicioso.
3. Dois funcionários e um casal explorador de restaurante especializado num certo prato. Qualidade indiscutível. O cliente degusta os produtos e na hora de pagar a conta assume-se a patroa; à distância e nas costas da dita-cuja, o empregado faz um sinal de longe, adivinhando-se o "não, não, não". Não, o quê? Desfaz--se entre dentes o enigma enquanto a senhora vai fazer o troco das duas notas de 20 euros: "Não deixe ficar gorjeta! Não é para mim. A tipa fica com ela, embora não me pague o ordenado a horas". Está dito. E cumprido.
Aqui chegados, impõe-se aclarar: os casos são da área da restauração, mas podem ser replicados sem dificuldades para outros setores de atividade. Há excelentes empresários de todos os ramos, não se duvide; mas não faltam candidatos a imitadores da exploração ao jeito do Bangladesh.
A crise resulta num esfarelamento sequencial da sociedade, abrindo leque ao debate sobre os efeitos do desemprego e a qualidade dos novos - e poucos - postos de trabalho em criação.
Para onde vamos?
Amanhã, o Governo reúne-se com os parceiros sociais para debater - fórmula eufemística de apresentar decisões tomadas - seis pontos passíveis de elencar razões para o despedimento.
Assim vai o país
Nota de RoP:
Esta crónica saiu ontem. Apesar disso, dada a pertinência do tema (para mim, é pertinente), decidi publicá-lo hoje. Pena é que no grupo a que pertence o JN haja quem se esqueça das páginas com publicidade à prostituição, e das edições do jornal O JOGO consoante a região e a "côr clubista" dos leitores, quando na capital do império nem sequer se preocupam com o assunto. Batem em tudo o que mexe, sobretudo no FCPorto.
É preciso olhar bem para o que nos rodeia antes de escrevermos certas coisas...
Estamos a caminhar para o futuro ou para o passado!? A escravidão já foi abolida há muitos anos ó Coelho.
ResponderEliminarTenho um certo receio da UGT! este que lá está agora, parece-me um colono do outro, o outro, que ia em trabalho para bons hoteis.
O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO.