16 novembro, 2014

Labirinto ou pântano?

José Mendes
Justiça e Administração Interna são os esteios do Estado de direito. Quando tudo o  mais falha  ou funciona mal, ao cidadão  comum  resta sempre  a segurança do valor  matricial  da sua  condição  de membro  de uma sociedade organizada. Aqueles  que controlam as  fronteiras da  terra pátria, que  registam  quem somos e  que  atestam o nosso  direito à propriedade privada  terão, necessariamente, de estar acima de quaisquer suspeitas.
O triste espetáculo dos vistos dourados parece ter posto estas premissas em causa. A Operação Labirinto é mais um episódio de um Estado que, para além de omnipresente, se transformou num pântano.
Aquilo que parecia uma boa ideia acabou por se transformar em (mais um) pesadelo. Captar investimento através da concessão do título de residente a cidadãos de países estrangeiros é uma variante das políticas de IDE (Investimento Direto Estrangeiro) que muitos países adotaram, sobretudo no contexto de abertura e globalização que se constituiu como paradigma do Mundo moderno. Paulo Portas, o vice-primeiro-ministro e autor da ideia, teve o seu mérito no lançamento da iniciativa. Contudo, o problema das grandes oportunidades é a sua operacionalização. E aí o Governo português falhou em toda a linha.
Não será novidade para ninguém que o Mundo está cheio de malfeitores e de dinheiro ilícito. Uns e outros procuram pouso seguro, leia-se enquadramento legal e administrativo que lhes permita existirem formalmente e sem riscos. Os destinos habituais destes "clientes" são offshores permissivos ou estados protodemocráticos que valorizam mais o cifrão do que o princípio. Neste quadro, o lançamento de um programa de vistos dourados capta de imediato a atenção de gente pouco recomendável, razão pela qual se impõe a criação de mecanismos de pré-avaliação, decisão e monitorização à prova de bala.
A experiência de programas similares em países do mundo desenvolvido varia entre uma maior permissividade de Espanha ou Grécia e um extremo rigor do Reino Unido ou dos Estados Unidos. Sabe-se que a concentração de gente e dinheiro problemáticos no Sul de Espanha, para dar apenas um exemplo, suscita preocupações que deveriam ter sido consideradas quando se avançou para o programa dos vistos dourados em Portugal. A medida não podia ter sido implementada sem que antes fossem operacionalizados os mecanismos necessários para prevenir um assalto como o que se terá eventualmente verificado. E jamais poderiam ser atribuídos vistos de residência com este enquadramento colocando tanto poder nas mãos de um par de pessoas. Este tipo de decisões são, por natureza, colegiais, justamente para impedir a instrumentalização de um agente público que se deixe seduzir pelo dinheiro fácil.
Uma simples monitorização do programa teria sido indício suficiente de que o mesmo se havia convertido numa porta aberta para a compra de vistos, sem intuito de materializar investimento reprodutivo. Com efeito, desde 2012, foram atribuídos 1775 vistos dourados, sobretudo a cidadãos chineses, sendo que apenas 91 corresponderam à transferência de capital e, imagine-se, só três vistos visaram a criação de emprego. Tudo o resto foi compra de imóveis, ao valor mínimo (sabe-se agora, frequentemente manipulado) de 500 mil euros. Ora, salvo melhor opinião, investimento significa a aplicação de capital em meios de produção, visando o aumento da capacidade produtiva e do emprego. Mas aquilo que aconteceu com o programa de vistos dourados português foi a troca de uma transação comercial de consumo por um direito de residência. Com a agravante de que este direito vendido pelas autoridades portuguesas não é integralmente nosso, já que habilita os compradores a circular sem restrições no espaço Schengen.
A Operação Labirinto, que pôs a descoberto uma alegada rede de interesses e favores apoiada em figuras cimeiras da administração pública, revela duas realidades. A primeira é que continuamos a ter políticos trauliteiros e impreparados, que apostam mais na foto e no soundbite do que no trabalho de casa que é necessário desenvolver para que o Estado cumpra a sua função de facilitador, regulador e fiscalizador. A segunda é a certeza (absoluta) de que continua a existir um Portugal corrupto, onde interesses privados e públicos se entrecruzam de forma ilegítima em praticamente tudo o que importa neste país. Um pântano destes começa a pedir uma revolução.
(do JN)

1 comentário:

  1. O país está como está devido estes governantes políticos e funcionários corruptos. Mas para piorar a escandaleira, o ministro diz que se demite o maior, "o Coelho," diz que não autoriza, e andamos nisto, com estes corruptos a roubarem a pátria a ficarem ricos e os pobres e remediados cada vez mais na fossa. Depois vem a (in)justiça, com anos e anos para resolver e depois proscrever e fica tudo na mesma porque os roubos somem-se escondem-se em paraísos fraudulentos ou amigos e familiares cúmplices.
    Pobres portugueses, que herdaram, infelizmente após um 25 de Abril, uns canalhas uns ladrões e vigaristas que enchem os bolsos à custa do povo que já está sugado até o tutano.

    Abílio Costa.

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