Mariana Mortágua |
Ouvi com atenção a entrevista de Paulo Portas à TVI e confesso que, de todos os truques de malabarismo demagógicos a que o vice-primeiro-ministro já nos habituou, a insistência na ideia de um CDS "amigo das famílias" é a mais impressionante. Tempos houve, mais precisamente antes das eleições de 2011, em que o partido de Portas defendia a criação de um "visto familiar", e cito: "Qualquer iniciativa que seja aprovada em Conselho de Ministros requer (...) uma avaliação quanto ao impacto que tem sobre a vida familiar e o estímulo à natalidade".
Estamos em final de mandato e é tempo de perguntar: onde está o visto? Alguém sabe, alguém viu? Não existe, nunca existiu e foi levado na voragem de medidas que foram retirando rendimentos e direitos à esmagadora maioria das famílias.
Gasto o visto, Paulo Portas foi rápido a mudar a agulha. Agora, a quinta-essência da política de proteção da família é... o quociente familiar. Isto para além, é claro, da mil vezes prometida descida da sobretaxa em suaves prestações anuais.
Em Portugal, grande parte das famílias não ganha sequer o suficiente para pagar IRS. Mas todas sofreram, de uma forma ou de outra, os cortes no RSI (203 milhões), no abono de família (437 milhões), ou no do subsídio de desemprego, assim como o brutal aumento da conta da luz, que passou a pagar IVA a 23%.
Por sua vez, segundo um trabalho do "Jornal de Negócios", que usa dados da OCDE, quem paga imposto sobre o rendimento suportou, nestes quatro anos, um aumento de 40%, ou seja, 3900 milhões de euros. Brutal. E se acha que a devolução da sobretaxa resolve o problema, desengane-se. Mesmo que fosse eliminada por inteiro, os contribuintes apenas sentiriam um alívio de 800 milhões de euros. Os restantes 3100 milhões, que continuaríamos a pagar a mais, devem-se aos cortes nas deduções e benefícios fiscais (que em 2011 a Direita considerava um ataque inaceitável à classe média), e à diminuição dos escalões de IRS.
E querem saber que tipo de agregados foram afetados por esta medida? Todos. A começar por um casal, com dois filhos, que receba um rendimento médio, e que viu a sua despesa fiscal com o IRS aumentar 83% (muito mais em percentagem que uma família igual, mas com um rendimento acima de média).
Com tanta coisa, confesso que me ia esquecendo do quociente familiar. Quanto vale ao todo? 150 milhões de euros. Traduzindo por miúdos. Menos de 5 euros por cada 100 que PSD e CDS aumentaram o IRS. A demagogia tem destas coisas. Não precisa da realidade para nada.
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