“O Porto ergue-se em anfiteatro sobre o esteiro do Douro e reclina-se no seu leito de granito. Guardador de três províncias e tendo nas mãos as chaves dos haveres delas, o seu aspecto é severo e altivo, como o de mordomo de casa abastada” (Alexandre Herculano).
Tenho em mãos uma obra que faz, no presente, 80 anos que foi publicada e que me foi oferecida há pouco tempo pelo meu amado pai (nascido um ano antes). Trata-se de «D. Pedro IV e D. Miguel I. 1826 – 1834», da autoria de Carlos de Passos (da Academia de la Historia de Madrid), com 423 páginas, sob chancela da Livraria Simões Lopes (situada na rua do Almada, 119). Daqui parto para esta crónica, perante uma relíquia/raridade com todos esses pedaços históricos, reais e liberais, do Porto e de Portugal.
Logo no frontispício do livro aparece o que o autor denomina de seu ‘ex-libris’: um brasão régio da época miguelista. Na sua introdução, o autor refere que – neste processo – ravinhosa e brutamente “se arraigaram os ódios contra D. Miguel, que não se vacilou em praticar, além do mais, a ignomínia de proscrever, de eliminar, da dynastia brigantina não só o seu nome como os factos do seu reinado, tolazmente incorporados no de D. Pedro IV”. D. Miguel que, segundo Oliveira Martins, foi o último rei amado e compreendido pelo povo.
Com o falecimento do rei D. João VI há precisamente 190 anos – em 10/03/1826 –, gerou-se um tempo “virulento” e “árdego”, com 30 anos “de intrigas e vis ambições, de corrupção e dissipação”. Deste modo, surge a veemência atuante do Sinédrio do Porto e, na sua voz, a defesa implantadora e abarrotada da democracia e do liberalismo, apesar do conservadorismo da assembleia nacional. Incidia nesse Portugal o “choque das ideologias constitucional e absolutista”, pondo-se em causa o patriotismo nacional, que tipo de espírito patriótico. Note-se que, tal como nesse período da revolução liberal, em 1910 o que interessava era o princípio do poder e não a forma do governo. Ao que Fernando Pessoa comentou que tal constitucionalismo derivou numa ampla “desnacionalização das esferas superiores da nação”.
Sobre a História desses anos da segunda e da terceira décadas do séc. XIX – com enorme debruço e pormenor neste livro – não vou aqui relatar, pois é apresentada e sobejamente conhecida e inscrita noutras tantas publicações. Mas apraz-me salientar o que é escrito sobre a magnitude e magnificência do Porto, do nosso sempre querido Porto – naquele tempo através do cerco portuense, onde “magnos sacrifícios praticou D. Pedro” e onde Mouzinho da Silveira se demitiu desiludido e já “farto de intrigas”. E a obra descreve, com delícia, o que se passou com o juramento à Carta Constitucional decretada por D. Pedro IV (em abril de 1826), do seguinte modo: “No Porto, de manhã, retumbou uma salva de artilharia; apoz o juramento, feito na Camara Municipal, solemne ‘Te-Deum’ encheu a Sé e vistosa parada, o campo da Regeneração. Ao longo das ruas embandeiradas, Saldanha, à frente das tropas, foi aclamado como heroi da liberdade e coberto com flôres, lançadas entusiasticamente das janelas. De noite a cidade fulgurava com as iluminações e a rua das Flôres vibrou com harmónicas serenatas. No teatro de S. João houve récita de gala e quando Saldanha, no camarote real, ao público exibiu o retrato de D. Pedro na sala reboou delirante júbilo com vivas à Carta, ao Dador, à rainha e a Saldanha”. Quanto a D. Miguel, tinha emigrado.
Mais tarde, é certo que a Invicta, mal-aventuradamente, viveu e sofreu horas negras com o bombardeio permanente das tropas miguelistas, tal como é descrito: “Os canhões troavam de noite e dia e a metralha, aos montões, incendiava, matava e aterrorisava”. Mas, mais certo é, que a cidade e seus tripeiros cidadãos sempre souberam levantar-se e deleitar-se com o manjar saboroso da vitória e das tripas, bem à moda do Porto. Depois de nove horas de intenso e violento combate no cerco portuense e terminado o mesmo (que custou a D. Miguel uma baixa em mais de 4.000 dos seus homens), eis as palavras de D. Pedro antes de partir para a capital do país, com a boa-nova da sua conquista:
“Amigos portuenses! A Divina Providência, que nos tem sempre protegido, dignou-se permitir que a divisão expedicionária… entrasse em Lisboa… aqueles portuguezes, que ali acabam de quebrar os ferros que os oprimiam, são portuguezes perseguidos, como vós o fostes. Elles reclamam a minha presença… Bem tendes visto… que enquanto esta cidade poderia correr o menor perigo, nunca vos desamparei; agora, obedeço… à necessidade de deixar-vos por algum tempo, levando commigo a saudade mais pungente de vós e dos meus companheiros de armas… Asseguro-vos, ilustres portuenses, que em breve hão-de acabar os vossos sofrimentos, que as minhas promessas serão religiosamente cumpridas e que a Carta… terá em breve a devida execução…”.
Tal como eram essa confiança e esperança no passado, sustentadas pelo insigne povo portuense, agora se mantêm e rejuvenescem consertadas no tempo presente, numa mesma esperança e confiança de futuro, porque o “Porto é futuro” e “é berço da democracia e da liberdade”, como tão bem e justamente soube reconhecer – nestes dias – o nosso estimado, afetuoso e novel presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aquando da sua primeira visita fora de Lisboa, deslocando-se concretamente à zona do Cerco do Porto. Bastante simbólica e profética esta sua calorosa visita, não só para a cidade Invicta como também para o seu exercício presidencial!
Retomando ainda o Porto antigo, embora sempre novo e melhor, e na oportunidade de mais uma publicação remota sobre o Porto – também me ofertada pelo meu prezado pai, a par de um vasto espólio da distinta revista «O Tripeiro» –, recordo aqui, com apreço, o registo feito e dedicado à Invicta na edição conjunta de setembro-outubro de 1957 (n.s 17-18) do boletim mensal ilustrado do então Secretariado Nacional da Informação, «Portugal pela imagem». A começar pela capa, com uma foto aérea sobre a Ponte D. Luís, a ribeira do Porto, a catedral e o paço episcopal, no seu alto. No seu interior ao longo de 12 pp., com tradução integral nas línguas francesa e inglesa, escrevia assim o boletim: “Os seus habitantes, que orgulhosamente se designam «tripeiros» por terem comido tripas durante um cerco à cidade, são ciosos das suas prerrogativas municipais e liberais, empreendedores e sérios, – o que faz da cidade do Porto uma praça comercial muito conceituada. (…) O Porto tem desempenhado e desempenha um importante papel na vida portuguesa. A sua Universidade, as suas escolas, liceus, associações culturais e de escritores, os seus jornalistas, romancistas e pensadores, têm contribuído decisivamente para o enriquecimento da Cultura e para o prestígio da capital do Norte do País. Os seus monumentos são também de grande valor”.
Felizmente, assim como no passado, a atualidade reveste-se deste sentido de divulgar a nossa charmosa e invulgar cidade do Porto – o que tem de tão bela e bonita, de bem e de bom –, através de afamadas revistas e jornais internacionais. Como são os casos (mais e menos) recentes de: “The New York Times”, “The Telegraph”, “The Independent”, “The Guardian”, “The Sun”, “El País”, “Le Fígaro”, “Folha de S. Paulo”, “Time”, “National Geographic”, “Vogue”, “Swiss Magazine”, “Dezeen”, “Port.com”, “Häuser”, entre outros mais.
[André Rubim Rangel/Porto24]
Falecimento do rei D. João IV há 190 anos? Deve ser lapso seu, Rui Valente, não quereria dizer D. Pedro IV?
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarObrigado pela observação. D. João IV nasceu em Março de 1604 e morreu em 1656.
ResponderEliminarD. Pedro IV, nasc. em Outubro de 1798 e faleceu em Set. de 1834, segundo os m/ dados. Portanto, devia ter colocado 182 anos e não 190.
Trata-se de um equívoco do autor, não meu.
De qualquer modo, obrigado
O autor refere-se a D. João VI Pai de D.Pedro IV
ResponderEliminar