13 março, 2016

Um japonês vestido de gato ou o que o Porto está a ensinar a Tóquio

Há três anos que uma casa de espectáculos de Tóquio anda a aprender com a Casa da Música, do Porto, a criar um serviço educativo na instituição. Esta semana houve mais uma visita a Portugal.
(Patrícia Carvalho/Público)
São 111 miúdos numa sala, os formadores, alguns curiosos a apreciar os ensaios e quatro japoneses muito atentos a tudo o que acontece, durante mais uma actividade do Serviço Educativo da Casa da Música, no Porto. Os miúdos, alunos de três escolas do país, batem com as mãos no peito, castigam o chão com um pé e cantam. E quando cantam, Akiko Watanabe, balança-se, bate palmas, entusiasma-se. Ela não é uma mera espectadora. Akiko, como os seus colegas, está a aprender. Um dia, lá no Japão, há-de haver um serviço educativo feito à semelhança deste, com as devidas adaptações. E ela faz parte desse caminho.
Não é bem uma ponte aérea, mas desde 2013 que há gente a circular com regularidade entre a Casa da Música, no Porto, e a Tokyo Bunka Kaikan, na capital japonesa. De cá seguem formadores que vão ajudar a desenvolver o serviço educativo da casa de concertos japonesa, de lá vêm “os melhores” formandos, para sentirem e verem como tudo acontece na Casa da Música. Desde o início da colaboração entre as duas instituições que nove escolhidos já cruzaram a distância entre o Extremo Oriente e o Porto. Agora, chegou a vez de Akiko Watanabe, soprano, Nobutaka Yoshizawa, tocador de koto (uma espécie de cítara japonesa) e Yukako Takata, pianista, rumarem ao Porto, acompanhados de Chizu Fukui, a responsável pelo desenvolvimento do serviço educativo da Tokyo Bunka Kaikan e por todo este intercâmbio estar a acontecer.
Chizu Fukui, antiga pianista, é a única dos quatro que fala inglês, e passa parte do tempo a servir de intérprete. Viveu em Itália durante alguns anos, investigando a educação musical em serviços públicos, e acabou por se deparar com a experiência da Casa da Música numa conferência em Berlim, Alemanha, desenvolvida pela RESEO, a rede europeia para a educação de ópera e dança de que a instituição do Porto faz parte e em que a japonesa participou de forma independente. “Disseram-me que a última conferência, organizada pela Casa da Música, tinha sido maravilhosa e que tinham ficado todos muito emocionados. Eu ia regressar ao Japão e ainda não sabia o que ia fazer, mas perguntei ao Jorge Prendas se podia vir cá, ver o trabalho que faziam”, diz. O director do serviço educativo “disse logo que gostava de colaborar”, relembra Chizu Fukui.
Quando, em Abril de 2011 regressou definitivamente ao Japão e começou a trabalhar com a casa de concertos de Tóquio, as sementes estavam lançadas. Em 2013, as viagens Porto-Tóquio-Porto começaram. “Tem sido um enorme privilégio e honra sermos reconhecidos por uma instituição como a Tokyo Bunka Kaikan”, diz Jorge Prendas, que já esteve seis vezes no Japão e se prepara para regressar, com a equipa de formadores, em Julho deste ano. “O grande desafio é conseguir adaptar o nosso modelo ao que é a realidade cultural e a mentalidade japonesas. Não poderíamos pura e simplesmente copiar o modelo português, não é essa a nossa perspectiva”, diz.
Chizu Fukui explica que foi exactamente essa ideia que Jorge Prendas lhe transmitiu, quando lhe disse que poderia continuar a ir ao Japão desenvolver workshops, mas que isso não iria fazer crescer raízes. Que o mais importante era ter japoneses a fazê-lo. A Casa da Música podia ensiná-los, mas depois o trabalho teria sempre de continuar em casa.
É isso que tem sido feito. Devagar, com a implementação, em Tóquio, do projecto Outreach, que é, para já, a face visível do serviço educativo japonês e que tem já envolvido algumas escolas da cidade. Nobutaka, Yukako e Akiko descrevem, com facilidade, o que mais os marcou no intercâmbio com os portugueses e riem-se quando descrevem experiências que não lhes passariam pela cabeça, se não tivesse existido o contacto com a equipa da Casa da Música.
Como mascararem-se de animais num workshop para crianças. Nobutaka ri-se abertamente enquanto descreve como actuou “com um fato de gato” para um grupo de crianças. A Casa da Música desafiou o grupo a desenvolver uma actividade para apresentarem na visita ao Porto. O resultado foi Nyao nyao chu chu, o equivalente a “miau miau” e seja qual for o ruído que um rato fará. Nobutaka vestiu-se de gato, Yukako, ao piano, de rato. Aprenderam algumas expressões em português, que agora repetem sem grande dificuldade – “bom dia”, “como te chamas”, “vamos cantar juntos”, “vamos semear”, “vamos ao circo” – e entraram num mundo novo. Nobutaka garante que quer levar este gato português até ao Japão, para ver como corre.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...