06 novembro, 2007

"AZAR DE JARDIM GONÇALVES..."

Já passaram várias luas sobre aquele fatídico dia em que o poderoso Jardim Gonçalves, figura importante da irmandade de Josemaria Escrivá de Balaguer y Albás (Opus Dei), estava comodamente sentado à sua secretária no magnífico gabinete da presidência, instalado na sede do banco comercial que já é a instituição milionária do milénio, que fundara juntamente com outros veneráveis "irmãos".

Pois nesse dia, em dado momento, um pouco ensonado, passando pelas brasas, ele nem se deu conta que o filho mais velho, com pezinhos de lã, se aproximou e reparando que ele estava descalço lhe enfiou uma peçonhenta bota desencontrada no seu delicado pé. Tendo o filho procedido com engenho, o papá Gonçalves, na altura, não se apercebeu da complicada operação efectuada pelo expedito filhote. O que também, da parte do rebento, terá sido brincadeira desrespeitosa e de mau gosto.

Acontece que sendo o conhecido banqueiro empedernido conservador, facilmente Jardim Gonçalves e bota se acomodaram reciprocamente. E nessa acomodação o objecto bota e a pessoa Gonçalves se foram habituando a compartilhar posições e movimentos de uma e do outro.

Até que há dias um anónimo espertalhaço com grande golpe de vista de longo alcance, atrevido e bisbilhoteiro, notou que o velho Gonçalves andava manco e que a bota estava deformada como se tivesse cedido à pressão de joanete, sem ele disso tomar piedosa consciência. Dir-se-ia que a criatura não sentia dor. Então, o perspicaz observador pôs a boca no trombone e deu o alarme público. O que causou grande alvoroço nos domínios do banco, na Prelatura do santificado Escrivá e no meio exterior. Para agravar a situação, todo o mundo que gravita à volta de Gonçalves ficou preocupado com as suas hesitantes oscilações.

Quando Gonçalves, finalmente sacudido pelos seus amigos de estimação e chamado à realidade do objecto em desconformidade com a sua altiva postura, se deu conta do problema, ficou algo perturbado. Aí, nesse ponto crucial, também se avolumaram as apreensões do banco, dos companheiros da administração, dos camareiros, assistentes e secretárias. Ocorreu um alarme geral. Rapidamente se apurou que o filhote que tanta arte evidenciara a calçar a bota no pé do papá, na actualidade, em tempo de perca de aptidões, não mostra interesse e engenho em a descalçar. Ingrato, deixa o papá com as dores do aperto da botifarra. Suspeita-se que, até ao presente, nem derramou uma lágrima… Sequer, teve um gesto de arrependimento… Ninguém lhe viu um aceno de simpatia para com o debilitado pai.

Alguém escutou palavras de encorajamento dirigidas pelo filho ao progenitor? Surpreendente! Sobretudo, quando cotejamos atitudes de uns e outros e tomamos conhecimento das aflições que se apoderaram de dezenas de pobres diabos que vivem em permanente sobressalto, atemorizados com o resguardo e aplicação dos seus avantajados capitais, sempre com o credo na boca - de acordo com as suas profissões de fé – não vá acontecer queda nas cotações do mercado bolsista ou falência no banco onde estão plantados os seus dinheiros como se fossem flores de estufa e que continuam sendo as pessoas que chamaram a si as incómodas dores de Gonçalves e mais receiam as complicações advindas no seu restrito e selecto mundo que, a cada dia que passa, mais se avolumam.

Assim é a vida cheia de contrastes em sociedade. Aqui radicado um paradigma que a todos deixa em estado de inquietação. Enquanto acontece a indiferença do filhote, acentua-se a consternação do público face ao infortúnio do velho Gonçalves. E não só. Consta que no seio da santa irmandade há "irmãos" que, receando as cenas dos próximos capítulos, à cautela, vão chorando lágrimas de crocodilo…
Insólito e pior que tudo o que ocorreu decorrente do impressionante acontecimento é o facto de papá Gonçalves, igualmente, não atinar como descalçá-la… a dita, cuja, maldita e peçonhenta bota.

Há pouco tempo foi anunciado que Jardim Gonçalves se sujeitou a uma dispendiosa operação técnica que lhe custou os "olhos da cara"; aquilo que se chama um rombo na recheada carteira. Nada menos que 12 milhões de euros. Consta que – em contrapartida - a dita intervenção cirúrgica o terá deixado mais aliviado no ininterrupto sofrimento do aperto que vem suportando estoicamente, sem dar o braço a torcer ou a esconder a mão. Porém, a bota continua colada à pele… Está muito difícil descalçá-la.

Quem imaginaria tão grande desgraça… Logo causada pela existência de uma malfadada ideia em má hora trazida pelo filhote e por terem sucedido ocasional sonolência e uma simples distracção de papá extremoso e complacente…
Talvez caso para se parafrasear velho provérbio e se dizer que na melhor nódoa cai a pior bota…



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