25 junho, 2011

A traição do mestre André


Depois das públicas juras de eterno amor de André Villas Boas ao FCPorto, e da abrupta - ou brutal, também serve -, fuga para o Chelsea do russo Abramovich, a nação portista foi célere e implacável a proferir a sentença: traidor! Foi a palavra mais lida. Quem tiver dúvidas da quase unanimidade da sentença, só tem que consultar a caixa de comentários da blogosfera portista e retirar as suas próprias conclusões. Eu não tenho.

Também eu me incluo nesse respeitável grupo de enganados e repudio a tese daqueles que procurando dar-se ares de tolerantes, ou se quiserem, de gente esperta e muito realista, não hesitam em nos assegurar de que qualquer um, no lugar do André tomaria a mesma decisão que ele tomou.

Se há coisa que pessoalmente não me falta é o cepticismo. Cepticismo assente no realismo, mas mesmo assim cepticismo, de facto. Por isso, também compreendo aqueles que já não acreditam que haja no planeta alguém capaz de um acto de grande nobreza. Na realidade, as coisas caminham mais nesse sentido do que no sentido contrário, e este exemplo de André Villas Boas vai contribuir, e muito, para aumentar a lista dos cépticos  sobre o carácter humano.

As questões de carácter são impossíveis de dissociar das coisas mais simples da nossa vida. É o carácter que nos serve de freio aos instintos mais perversos, e é o refinamento da consciência entre o que é correcto e incorrecto que o consolida. Por isso, os portistas se sentem enganados. Sentem-se quase tão traídos por Villas Boas, como se de uma traição conjugal se tratasse. E por quê? Porque Villas Boas se identificou com eles, afirmou muitas vezes o seu portismo, nasceu no Porto e conhece, como eles, o que significa o FCPorto, sobretudo no contexto actual, onde à excepção de Pinto da Costa, a cidade vive orfã de líderes que a saibam defender. Villas Boas fez questão de se afirmar não apenas como mais um treinador, mas como um treinador portista.

Ora, no futebol, como em quase tudo, de resto, não se pode querer estar no melhor de dois mundos sem se perceber que o mais certo é termos de abandonar um deles. Foi o que aconteceu. Villas Boas era portista, teve sucesso, mas foi incapaz de continuar a colaborar com o seu clube apenas por mais uma época, quando tudo já estava planeado por si e para si. Um treinador confiante e adepto, só teria a ganhar se aceitasse cumprir o que tinha prometido, e ficasse. Mesmo não ganhando tudo o que ganhou na época que passou [isso seria quase impossível], ia ter a mesma equipa reforçada com novos e talentosos elementos, e as mesmas condições para vencer, e se calhar até reforçar o seu prestígio internacional com óbvias vantagens financeiras, quer para si, quer para o clube da cadeira de sonho...

Assim, a decisão que tomou pode dar ensejo a duas interpretações. A mais imediata: ao oportunismo e à desconsideração face ao afecto que angariou junto dos adeptos. A interpretação futura [a confirmar]: arriscar sair do Chelsea sem sucesso, mas com os bolsos cheios de dinheiro. Desportivamente, Mourinho, não foi capaz de ganhar no Chelsea, num clube que lhe deu os jogadores  que quis [caríssimos] tanto como ganhou no FCPorto, e acabou despedido por Abramovich [isto são só louros para Pinto da Costa]. Será Villas Boas homem para se reafirmar em Londres? O tempo o dirá.

Como quer que seja, por muitos méritos que um homem tenha, há um que nenhuma montanha de petrodólares permite acrescentar, quando não existe: o carácter. Mesmo que se mantenha curta a memória do povo.

Lembram-se do jogador peseteiro, não lembram? Eu também. Chama-se: Luís Figo. Terá ele carácter? Eu acho que não, que o que tem mais é dinheiro. Mas também sei que se está a marimbar para a minha opinião. Que o dinheiro é o mais poderoso travesti do carácter dos homens, isso também eu sei.  É a vida, dirão os mais conformistas. Mas o curioso, é que há sempre um momento em que até os mais afortunados gostam de evocar as questões de carácter. Será o peso da consciência?

6 comentários:

  1. Assunto requentado,foi um traidor não por ter saído mas pela forma que saiu.Não gostava de estar sentado ao lado dele a ver o nosso grande PORTO.Não é Portista quem quer só quem pode.Que goze as libras que nós ficámos com o orgulho de ser TRIPEIRO!

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  2. Ser tripeiro não é sinónimo de ser portista, assim como já sairam muitos jogadores do porto por causa dos euros e nunca se viu tamanha celeuma, talvez ele tenha exagerado nas juras de amor eterno mas continuo a pensar que não existe ninguém em Portugal a treinar que, mediante uma proposta de um mega clube em orçamento, não parta...há demasiado dramatismo em torno deste assunto, ele não deixa de ser um profissional, ganha em função do trabalho prestado e propostas destas são irrecusáveis, além do mais o porto não é clube de dramas, isso é 300 Km's mais a sul, trabalha-se podem existir reveses mas no final é este o destino: Vencer!
    Quanto ao resto já dizia o anúncio publicitário...carga nisso!

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  3. Anónimo:

    Essa, de ser tripeiro não ser sinónimo de ser portista, vem um tanto descontextualizada. Até porque falamos de André Villas Boas, um treinador que assumiu ser as duas coisas. Talvez, isso, se aplique a si, digo eu, não sei.

    Meu caro, a questão não se pode colocar dando como certa a opinião de que só toma boas decisões quem coloca o dinheiro à frente de outros valores, de [por exemplo] ordem intelectual e moral. Já sei no que está a pensar, não se apresse. Você pertence àquela classe de pessoas que tem como burros todos os que ligam a essa "futilidade" chamada carácter.
    Pois é essa ardilosa fronteira que separa uns dos outros.

    Villas Boas, tem todo o direito de olhar pela vida, pelo lado económico,ninguém o nega. Mas, quanto a mim, escolheu mal o timing. E mal, por quê? Porque se tinha comprometido com o clube a ficar mais uma época. Ele é novo, tinha tempo para prosperar e se calhar até a ganhar com mais um ano de maturação como treinador.

    Mas, sobre isto, creio já ter escrito o suficiente para o explicar. O problema, pode colocar-se também ao contrário. E se fosse o clube a incumprir SEM JUSTA CAUSA, c/ o treinador, também estaria de acordo?

    Essa «do nosso destino é vencer» soa muito bem, é muito assertiva, muito corajosa, quero ver, é se um dia a maré do FCPorto "papa títulos" passa, ainda que por poucos anos, e se o discurso optimista não dará uma súbita voltinha de 180º! Como portista, não é isso que espero, mas ninguém é infalível, percebe. Há que começar a dar valor aos compromissos à palavra dada.

    É por sermos um país de bandalhos que a Troika anda por cá. Não duvide.

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  4. Caro Sr. Rui Valente
    ...do que eu estou mesmo a gostar(tanto como gosto de lagosta!) é do sítio que pergunta : "Villas-Boas já foi despedido?".
    Cumprimentos
    João Carreira

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  5. "Você pertence àquela classe de pessoas que tem como burros todos os que ligam a essa "futilidade" chamada carácter."

    Este comentário pertence-lhe por inteiro e é um juízo que faz sem qualquer tipo de fundamento, não me conhece e portanto não sabe o que diz, quanto ao ser tripeiro não ser sinónimo de ser portista era só uma achega ao "Luis" pois ele disse "Que goze as libras que nós ficámos com o orgulho de ser TRIPEIRO!" e eu repito o que disse ser portista não é sinónimo de ser tripeiro, quando muito ficam com o orgulho de ser portistas, assim seria mais correcto, quanto ao mais fiz um comentário a desdramatizar pois só faz falta quem cá está...não entendo tanta agressividade por um simples comentário...

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  6. Caro Anónimo,

    não o conheço, nem conhecerei provavelmente, se continuar a conservar o anonimato.

    Lamento que tenha lido como agressiva a resposta que dei ao seu comentário, mas não era essa a minha intenção.

    O que quis realçar foi a importância de assumirmos a responsabilidade pelos nossos compromissos, dado ser essa a tendência a que os maus hábitos conduzem. Ontem foi o Villas Boas, amanhã estará outro na fila preparado para o imitar. Será isso que nós queremos? É mesmo inevitável agir quebrando sempre compromissos? O dinheiro desculpa tudo? Por este andar, nem no nosso cão podemos confiar, independentemente da companhia que nos faz. Villas Boas fez bem o seu trabalho, mas saiu do clube pela porta pequena. Não havia necessidade...

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