08 dezembro, 2011

A revolução, amanhã


Daniel Deusdado [no JN]
1 Mário Soares, 1983. Uma campanha eleitoral épica. Um mote: salvar o país da bancarrota, através da austeridade. No final, os portugueses escolheram uma minoria de 36%. Nasce o governo do bloco central com o PSD. A história é bem conhecida: Portugal chamou o FMI, Ernâni Lopes cortou 28% do subsídio de Natal de todos os portugueses, desvalorizou a moeda fortemente e a economia afundou. O valor dos salários caiu, e muito.

2. Sem surpresa, Cavaco Silva tirou o tapete a um governo que colocou Portugal na CEE e o fez sair da bancarrota. Apenas dois anos depois. Do ponto vista histórico, o trabalho de Soares não foi coisa pouca, mas revela até que ponto austeridade e lealdade são coisas que não rimam nem dão votos.

3. O actual presidente governou o país durante quase 10 anos no momento mais extraordinário da história recente: dinheiro da Europa, baixo preço do petróleo, crescimento económico mundial e europeu ímpar (até 1993). A pergunta é sempre esta: que modelo era o de Cavaco Silva? O da mudança das infra-estruturas do país: desde estradas a novas universidades, um novo sistema financeiro e o legado do "mercado". E, em simultâneo, melhores serviços públicos - o chamado Estado Social.

4. Como discutimos o presente, parece que tudo começou hoje. Que foi com Guterres, Durão Barroso e Sócrates que o caos surgiu. O problema da bola de neve no topo da montanha... Mas é difícil esquecer os 100 mil funcionários públicos precários do tempo do cavaquismo admitidos por Guterres - "não existiam" estatisticamente. Ou lembrar também a política do escudo forte iniciada em 1992 que condicionou fortemente a balança comercial. E ainda as baixas taxas de juro resultado desse escudo forte que potenciou o 'boom' do crédito à habitação, consumo, etc..

5. Guterres chegou com um sonho: diminuir as desigualdades do cavaquismo. Criou dependências difíceis de curar. Durão Barroso (através de Ferreira Leite) tentou começar a travar a espiral de endividamento do Estado, mas foi-se embora a meio do processo e deixou uma solução política sem sentido - Santana Lopes. Veio depois Sócrates e insistiu na opção do crescimento pelo investimento público, além do orgulho no aumento da despesa social em 4% do PIB... Naturalmente chegamos aqui, ao dia de amanhã, à cimeira do caos do euro. Não dependemos de nós.

6. E agora? Se Portugal cumprisse o défice de 2012 e crescesse mais que o previsto, talvez aspirasse a alguma independência, a médio prazo. Mas esse caminho não é o da revolução de Mário Soares - a revolução dos que têm dívida e não têm culpa. Tal como em 1983, a melhor revolução é sair da zona de dependência dos mercados financeiros através de uma maior credibilidade económica. Estamos sob uma ameaça de "guerra soberana" que nos empobrecerá caso fiquemos sem financiamento nem moeda (minimamente forte) para comprar coisas essenciais - petróleo, alimentação e tecnologia. A maior revolução é conseguirmos fazer crescer o valor do que produzimos e aumentar a qualificação dos estudantes, trabalhadores e empresários portugueses. Coisas quase impossíveis neste contexto de desânimo.

7. Para já, a revolução poderia começar contra estes mercados: - os do dinheiro, contraindo menos dívida. Contra as multinacionais da alimentação e consumo industrial, pelas consequências tóxicas que têm na saúde das pessoas. Contra as grandes empresas que destroem o território fingindo criar emprego. E contra o mercado da doença, que encharca os portugueses de medicamentos e desânimo. Ou o mercado da conflitualidade, que cria uma espiral monstruosa de advogados e juízes em redor do negócio da justiça. Mas disto pouca gente quer saber, apesar de poder ter efeitos práticos, imediatos. Contra "os mercados".

8. Deveríamos continuar a comemorar o dia 1 de Dezembro de 1640 em vez de um 10 de Junho salazarento. Há coisas que uma geração não tem o direito de apagar. Até porque vamos sobreviver ao euro. Só não sabemos como.

1 comentário:

  1. Considerando, que estamos a perder a independência nacional política e económica, concluímos, que estamos perante mais um Vasconcelos que nos está roubar para agradar aos donos da Europa a dupla MERkOZI.

    VIVA 1640 VIVA

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.

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