Justiça à portuguesa (3)
A história é conhecida e até já foi noticiada abundantemente pela comunicação social. O que não é conhecido é o seu final. Um final que demora e que tem muito a ver com a justiça - a justiça do caso e a justiça enquanto sistema. Vejamos então.
Na sequência de investigações sobre tráfico de droga a Polícia Judiciária de Lisboa apreendeu, em finais de 2006, uma quantia de quase cem mil euros. Essas verbas ficaram na posse da PJ, mais concretamente, depositadas num cofre localizado no gabinete da inspectora coordenadora do departamento encarregado do combate ao tráfico de estupefacientes.
No ano seguinte, durante o mês de Maio, surgiram suspeitas de que algum desse dinheiro teria desaparecido, facto que veio a confirmar-se. Então, inspectores da Direcção Central de Investigação à Corrupção e Crime Económico-Financeiro detiveram a sua colega inspectora coordenadora da Direcção Central de Investigação ao tráfico de Estupefacientes e apresentaram-na a um juiz que determinou a sua prisão preventiva. Ela foi acusada de se ter apropriado em benefício próprio de mais de 86 mil euros que tinham sido apreendidos à ordem do processo de tráfico de estupefacientes. Mais tarde foi julgada e acabou condenada a uma pena de prisão efectiva, bem como, obviamente, a restituir a quantia desviada. Porém, no julgamento relativo ao tráfico de droga, o arguido a quem tinham sido apreendidos os quase cem mil euros acabou ilibado tendo o tribunal decretado que lhe fosse devolvido o dinheiro apreendido. Só que esse dinheiro já não estava na posse da PJ, pois a inspectora coordenadora que o apreendera tinha-se se apoderado dele e tinha-o gastado em benefício próprio.
A situação é tanto mais caricata quanto é certo que a audiência de julgamento que decretou a restituição dos 86 mil euros foi realizada em Outubro de 2009, há quase três anos, e o dono do dinheiro ainda nem lhe viu o cor. O dinheiro não está no processo e, portanto, ninguém devolve nada a ninguém porque, simplesmente, não há nada para devolver. A inspectora que se apropriara ilicitamente do dinheiro não o restituiu ao processo, a PJ aparentemente não assume a responsabilidade pelo desaparecimento do dinheiro e o ministério da justiça assobia para o lado como se não fosse nada com ele.
O prejudicado já escreveu, através do seu advogado, várias cartas ao ministério da justiça, mas nada, a não ser um esclarecimento feito em Agosto de 2010 em resposta a uma notícia do jornal Público, segundo o qual o ministério e a PJ não tinham sido notificados para efectuar o pagamento do montante apreendido. E o gabinete do ministro Alberto Martins acrescentava: «Se e quando tal ocorrer, será dado célere cumprimento ao determinado». Sucede que até hoje a decisão do tribunal ainda não foi cumprida, ou seja, o dinheiro ainda não foi restituído ao seu legítimo dono - ou porque o tribunal ainda não notificou o ministério da justiça ou então porque este se faz de desentendido e não cumpre a decisão judicial.
De qualquer forma este episódio é bem elucidativo dos pesos e medidas que o estado português usa nas suas relações com os cidadãos. Quando são estes a dever ao estado tudo vale para os obrigar a pagar, incluindo, penhoras, juros quase usurários e taxas de justiça elevadíssimas para quem se quiser opor a essa pretensão. Quando, porém, é o estado a dever, pura e simplesmente não paga e até finge que não é nada com ele.
O estado, através dos órgãos que investigam e perseguem a criminalidade, apreendeu uma determinada quantia como se ela tivesse origem criminosa. Posteriormente, demonstrou-se que esse dinheiro não estava relacionado com qualquer crime, pelo que o mesmo estado, agora através dos órgãos que administram a justiça, determinou a sua restituição ao dono. Só que, entretanto, um funcionário do estado apropriou-se do dinheiro e gastou-o em benefício próprio e agora o estado não o devolve e já lá vão quase três anos. Sublinhe-se que a PJ é um órgão do ministério da justiça.
Enfim. Está tudo dito. Não é só internacionalmente que o estado português perdeu respeito e credibilidade; é também internamente, perante o seu próprio povo.
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