18 outubro, 2012

Maldita ingratidão

Otelo Saraiva de Carvalho, o mal amado
Às vezes passo-me com o que se escreve nos jornais. A última página do JN de hoje, na coluna dedicada à Figura do Dia, alguém não identificado, escreveu o seguinte, sobre Otelo Saraiva de Carvalho:

«A exemplo de D. Quixote, imagina-se a combater moínhos de vento. O capitão de Abril já antevê uma revolução e tem a certeza que não será pacífica. Haverá, portanto, derramamento de sangue. Olha para as manifestações populares com ansiedade e pede às Forças Armadas que organizem uma acção militar para derrubar o Governo. A sorte de Otelo é que, tal como as personagens de ficção, é inimputável.»

Ponto um. Não vejo Otelo Saraiva de Carvalho, como o vê o jornalista anónimo que escreveu esta piadinha sem sal a seu respeito, não obstante o considere um homem temperamental com - como se diz na gíria - o coração ao pé da boca. Contudo, uma coisa tem de lhe ser obrigatoriamente reconhecida pelos portugueses: é graças a ele, e a um grupo de jovens militares, que devemos o 25 de Abril, data  a partir da qual pudemos conquistar a liberdade e o direito de votar sem batotice. É igualmente verdade que a população aderiu naturalmente ao golpe militar, o que constituiu preciosa ajuda para ele não fracassar, mas não foi quem o concebeu.  Agora, se a democracia não é tão sólida como nós a imaginávamos [e não é, de facto], a culpa não é de Otelo, nem dos outros militares.

Ponto dois.Tenho idade suficiente para saber o que realmente aconteceu em Abril de 1974 e da evolução que a partir dessa data, até hoje, o chamado processo revolucionário sofreu. Portanto, não é qualquer imbecil, mesmo jornalista, que tem o direito de ridicularizar um homem, que, por mais polémico que seja, não enriqueceu com a revolução, e que afinal mais não expressou que aquilo que o povo nas ruas não pára de dizer: « que isto precisa, é de um novo 25 de Abril!».

Ponto três. Tenho bem fresca na memória a reviravolta que determinadas figuras públicas tiveram de dar às suas concepções de liberdade para poderem permanecer no país e não terem de fugir para o Brasil, como Marcelo Caetano, que apesar de tudo, era bem melhor que muitos desse tempo que ainda andam por aí e já mudaram tantas vezes de partido como as "mulheres de vida" mudam de parceiro. Por essa razão muitos deles, se viram forçados a "aceitar" a vida democrática para poderem salvaguardar o seu património. É bom não esquecer isso! Hoje, essas mesmas figurinhas até já se sentem à vontade para dizer que o 25 de Abril não pertence a ninguém, que é de todos, mas nada há de mais falso! Tal como hoje, à época, o povo sozinho nada podia fazer para derrubar o poder, e muito menos os jornalistas que agora se arrogam ao direito de se sentir superiores a alguém que deu, como se costuma dizer, o corpo às balas e... arriscou a própria vida, para fazer aquilo que só ele e os seus companheiros se atreveram a fazer. Se estivéssemos à espera dos jornalistas e dos que restam do antigo regime, acham que teríamos saído tão cedo de uma ditadura? Não se iludam. Não!

No chamado PREC [Período Revolucionário em Curso] cometeram-se excessos e muitas injustiças? Cometeram-se, sim senhor. E o meu saudoso amigo Rui Farinas foi vítima de algumas. No entanto, era das pessoas mais inconformadas que conheci nos últimos tempos.  Mas é esse o risco próprio de qualquer revolução. Há sempre algo que se perde. Mas, pergunto: e agora, decorridos 38 anos, o que é ganhámos? De significativo, nada! E a culpa disso, também será do Otelo? Terá sido ele porventura [e todos os outros militares de Abril] quem governou o país? Não foi, pois não? Então, senhores jornalistas, ridicularizem-se a si mesmos, porque ainda estão muito longe de subir ao pódio da integridade.

 

7 comentários:

  1. Ainda tenho bem fresca na memória a pressa que muitos políticos tinham no fim do Conselho da Revolução... Agora, passados tantos anos, percebo bem porquê... Apontem-me militares de Abril ricos e estabeleçam uma comparação com políticos que chegaram sem nada e hoje estão cheios de pasta, vivem como nababos?...

    Abraço

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  2. Excelente post Rui Valente,são os netos do salazar a vingarem-se de quem os apeou do poder podre que tinhamos no país, eles agora estão muito orgulhosos com esta politica, que nos está a arruinar a todos, já agora gostava de dizer a esse senhor jornalista, que participei no 25 de Abril com muito orgulho, e estou pronto a participar noutro para livrar o país, destes corruptos que nos têm roubado escandalosamente.
    Abraço
    manuel moutinho

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  3. Caro Manuel,

    o "jornalista" chamou D. Quixote ao Otelo, mas nem sequer coragem teve para assinar o comentário.

    Se estão è espera que me solidarize c/ eles por estarem a ser saneados dos jornais bem podem esperar sentados. Têm o que merecem!

    Um abraço

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  4. já somos 2, assarapantados com estes "valentões" dos jornais, que insultam gratuitamente, a coberto do anonimato. Para jornalistas não está mal, mas como cada vez são mais os "jornalistas" já se compreende esta postura de valentia.
    Mas eu tenho uma desconfiança sobre a identidade do escriba...

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  5. Embora cometesse alguns erros uma coisa é certa, Otelo Saraiva de Carvalho foi um dos grandes militares do 25 de Abril. Hoje o país está como está, de certeza que não é por culpa dele, mas sim por culpa de ignorantes, ladrões, incompetentes que passam pela nossa democracia, ou seja políticos de merda que infelizmente este país tem.
    Quando Otelo fala assim eu até compreendo, como diz o povo: Só não sente quem não é filho de boa gente.

    O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO.

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  6. Silva Pereira19/10/12, 18:48

    Boa tarde,
    Sofri na pele as agruras da guerra colonial, por isso sei bem as razões porque se fez a Revolução de 25 Abril. O cerne desse movimento foi a diferença de condições de guerra que os milicianos estavam sujeitos, o palco de atividades e as questões salariais. Considero que esse movimento foi relevante e importante para o povo português.
    Mas também é verdade que não conheço nenhum regime ditatorial que em toda a história tivesse a sua origem nas forças militares quer por imposição quer por manutenção.
    Defendo que num país empobrecido e nas atuais condicionantes internacionais, não tem condições para manter forças armadas cada vez mais dependentes de equipamentos tecnológicos caríssimos muito mais sem uma industria militar.
    Embora os nossos gastos se tenham mantido mais ou menos constantes (em 1989 era 2,42% do PIB e em 2010 2,22%), são no entanto demasiados para a nossa economia. Como exemplo a Suíça gastou em 1989 1,67% do PIB e em 2010 0,87% do PIB, a Alemanha tem-se mantido entre 1,3 e 1,4% do PIB.
    Se compararmos o PIB per capita (dólar norte-americano constante 2000) segundo os dados do Banco Mundial referentes a 2011 temos:
    Suíça … $38059,75
    Alemanha… $26080,52
    Portugal…$11558,95
    Se extrapolássemos esses dados verificamos que gastamos 8,4 vezes mais (840%) do que a Suíça e 3,58 vezes mais (358%) do que a Alemanha.
    Por isso advogo que face à conjuntura internacional, não se justifica umas forças armadas organizadas com base no tempo da guerra fria, deveriam ser reorganizadas tendo como principio base a vigilância do território nacional incluindo a plataforma marítima na base das 300 milhas (pretensão de Portugal na ONU).
    Todos nós sabemos que uma das razões para o grande desenvolvimento da Alemanha e Japão foram as condições impostas pelos aliados vencedores da 2ª guerra Mundial que não lhes permitia gastar mais de 1 a 1,5% do PIB.
    Cumprimentos

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  7. Silva Pereira,

    é verdade o que diz, sobre a génese que inspirou os militares para a revolução. Mas para a história é irrelevante. A questão que sempre coloco quando alguém procura desvalorizar - não estou a dizer que seja o seu caso, atenção - o papel dos militares de Abril, é: quantos anos mais teríamos de esperar para acabar com o Estado Novo?
    Não penso que nos tenha valido de muito, mas hoje sempre temos alguma liberdade, ainda que ela não nos sirva para grande coisa.

    Cumpts

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...