A política de terceiro-mundo dos EUA
Por Dani Rodrik [Público]
Com o fim das eleições presidenciais, os Estados
Unidos podem, finalmente, fazer uma pausa das campanhas políticas, pelo
menos por uns tempos. Mas há uma pergunta incómoda que persiste: como é
que é possível que o país mais poderoso do mundo e a sua mais antiga
contínua democracia apresentem um discurso político que mais faz lembrar
o de um estado africano fracassado?
Talvez seja uma avaliação muito dura das
democracias que começam a aparecer em África. Se acha que estou a
exagerar, então não tem prestado muita atenção. A conivência com os
grupos extremistas, a rejeição da ciência, as mentiras sem rodeios e as
distorções, e a fuga às verdadeiras questões que caracterizaram o mais
recente ciclo eleitoral marcam um novo mau período para a política
democrática.
Não há dúvida de que os grandes responsáveis são os republicanos norte-americanos, cujos líderes ficaram, de alguma forma, entusiasmados com ideias que são inaceitáveis noutros países desenvolvidos. Dos doze candidatos do partido à presidência, apenas dois (Mitt Romney e Jon Huntsman) recusaram-se a rejeitar a evidência científica referente ao aquecimento global e às suas causas humanas. Mas, quando confrontado com a questão, Romney mostrou-se tão desconfortável em relação à sua posição, que perdeu a confiança.
A teoria da evolução de Darwin há muito que é também uma obscenidade entre os republicanos. Rick Perry, governador do Texas e o primeiro favorito nas eleições primárias republicanas, chamou-lhe apenas uma “teoria que anda por aí”, enquanto o próprio Romney teve de argumentar que a teoria é consistente com o criacionismo – a ideia de que uma força inteligente criou o universo e toda a existência.
Da mesma forma, se houver uma ideia arcaica em economia, é a de que os EUA deveriam regressar ao padrão ouro. No entanto, esta ideia tem, também, um forte apoio dentro do partido republicano – liderado por Ron Paul, outro candidato para a nomeação presidencial do partido. Ninguém ficou surpreendido quando o programa eleitoral do partido fez um aceno com a cabeça ao padrão ouro, na sua Convenção em Agosto.
A maioria das pessoas que não são norte-americanas acharia uma loucura ao facto de Romney e de Barack Obama não terem apoiado as leis mais rigorosas de controlo de armas (com Obama a fazer uma excepção apenas para as armas de assalto, como as AK-47), num país onde, por vezes, é mais fácil comprar armas do que votar. A maioria dos europeus não consegue entender como é que, num país civilizado, ambos os candidatos podem favorecer a pena de morte. E nem sequer vou mencionar o debate sobre o aborto.
O candidato Romney foi tão intimidado pela obsessão do seu partido com os baixos impostos, que nunca apresentou um orçamento que fizesse sentido. Coube, aos seus contadores de histórias, a tarefa de explicarem, tal como escreveu The Economist, que isto foi “um disparate necessário, engendrado para persuadir os fanáticos que votaram nas primárias republicanas”.
Obama, por seu lado, tratou dos nacionalistas económicos ao atacar Romney como sendo um “pioneiro no outsourcing” e ao dizer que ele era “ principalmente, um contratante” – como se o outsourcing pudesse ser detido, ao ser algo perverso, ou que Obama tinha feito muito para o desencorajar.
Foram tão desvairados os equívocos, as falsidades e as puras mentiras, de ambos os lados, que muitos meios de comunicação e grupos não partidários mantiveram listas actualizadas de distorções concretas. Uma das mais conhecidas, FactCheck.org, uma iniciativa do Centro de Políticas Públicas Annenberg da Universidade da Pensilvânia, admitiu que esta campanha os tinha mantido excepcionalmente ocupados.
Alguns dos exemplos mais flagrantes incluíam as reivindicações de Obama de que Romney estava a planear aumentar os impostos em cerca de 2 mil dólares, aos contribuintes com rendimentos médios, e/ou reduzir os impostos em cerca de 5 biliões de dólares; e que Romney tinha apoiado uma lei que proibiria “todos os casos de aborto, mesmo em caso de violação e incesto”. Romney ainda foi mais longe, ao declarar que Obama planeava aumentar os impostos em cerca de 4 mil dólares aos contribuintes com rendimentos médios; que Obama planeava “esventrar a reforma da segurança social, ao diminuir as exigências laborais”; e que a Chrysler, socorrida pelo governo de Obama, estava a deslocar toda a sua produção do modelo Jeep para a China.Nenhuma destas alegações era verdadeira.
“Tem sido esse tipo de campanha”, escreveram os analistas da FactCheck.org, “cheia, do princípio ao fim, de ataques e contra-ataques enganosos e de reivindicações dúbias”.
Enquanto isso, ao longo dos três debates presidenciais e um vice-presidencial televisionados, as alterações climáticas, a questão que marca a nossa época e o problema mais grave que o nosso planeta enfrenta, não foram mencionadas uma única vez.
Há duas conclusões possíveis que se podem tirar das eleições dos Estados Unidos. Uma delas é que os EUA irão acabar por ser derrotados pela baixa qualidade do seu discurso democrático; e isso estará apenas no início de um declínio inevitável. Os sintomas estão lá, mesmo que a doença ainda não tenha infectado todo o corpo.
A outra possibilidade é que o que é dito e feito durante uma eleição, pouca diferença faz para a saúde de um governo. As campanhas são sempre um momento de populismo barato e para bajularem a única questão dos fundamentalistas. Talvez o que realmente importa é aquilo que acontece depois de um candidato tomar posse: a qualidade dos controlos e dos balanços com os quais ele ou ela trabalha, os aconselhamentos propostos, as decisões tomadas e, finalmente, as políticas realizadas.
Mas, se as eleições norte-americanas não são nada além de entretenimento, por que razão é gasto tanto dinheiro com elas; e por que razão tantas pessoas se ocupam delas? Será que a resposta é: caso contrário o resultado seria ainda pior?
Parafraseando Winston Churchill, as eleições são a pior maneira de se escolher um líder político, salvo por todos os outros métodos que foram experimentados – sobretudo nos EUA.
Não há dúvida de que os grandes responsáveis são os republicanos norte-americanos, cujos líderes ficaram, de alguma forma, entusiasmados com ideias que são inaceitáveis noutros países desenvolvidos. Dos doze candidatos do partido à presidência, apenas dois (Mitt Romney e Jon Huntsman) recusaram-se a rejeitar a evidência científica referente ao aquecimento global e às suas causas humanas. Mas, quando confrontado com a questão, Romney mostrou-se tão desconfortável em relação à sua posição, que perdeu a confiança.
A teoria da evolução de Darwin há muito que é também uma obscenidade entre os republicanos. Rick Perry, governador do Texas e o primeiro favorito nas eleições primárias republicanas, chamou-lhe apenas uma “teoria que anda por aí”, enquanto o próprio Romney teve de argumentar que a teoria é consistente com o criacionismo – a ideia de que uma força inteligente criou o universo e toda a existência.
Da mesma forma, se houver uma ideia arcaica em economia, é a de que os EUA deveriam regressar ao padrão ouro. No entanto, esta ideia tem, também, um forte apoio dentro do partido republicano – liderado por Ron Paul, outro candidato para a nomeação presidencial do partido. Ninguém ficou surpreendido quando o programa eleitoral do partido fez um aceno com a cabeça ao padrão ouro, na sua Convenção em Agosto.
A maioria das pessoas que não são norte-americanas acharia uma loucura ao facto de Romney e de Barack Obama não terem apoiado as leis mais rigorosas de controlo de armas (com Obama a fazer uma excepção apenas para as armas de assalto, como as AK-47), num país onde, por vezes, é mais fácil comprar armas do que votar. A maioria dos europeus não consegue entender como é que, num país civilizado, ambos os candidatos podem favorecer a pena de morte. E nem sequer vou mencionar o debate sobre o aborto.
O candidato Romney foi tão intimidado pela obsessão do seu partido com os baixos impostos, que nunca apresentou um orçamento que fizesse sentido. Coube, aos seus contadores de histórias, a tarefa de explicarem, tal como escreveu The Economist, que isto foi “um disparate necessário, engendrado para persuadir os fanáticos que votaram nas primárias republicanas”.
Obama, por seu lado, tratou dos nacionalistas económicos ao atacar Romney como sendo um “pioneiro no outsourcing” e ao dizer que ele era “ principalmente, um contratante” – como se o outsourcing pudesse ser detido, ao ser algo perverso, ou que Obama tinha feito muito para o desencorajar.
Foram tão desvairados os equívocos, as falsidades e as puras mentiras, de ambos os lados, que muitos meios de comunicação e grupos não partidários mantiveram listas actualizadas de distorções concretas. Uma das mais conhecidas, FactCheck.org, uma iniciativa do Centro de Políticas Públicas Annenberg da Universidade da Pensilvânia, admitiu que esta campanha os tinha mantido excepcionalmente ocupados.
Alguns dos exemplos mais flagrantes incluíam as reivindicações de Obama de que Romney estava a planear aumentar os impostos em cerca de 2 mil dólares, aos contribuintes com rendimentos médios, e/ou reduzir os impostos em cerca de 5 biliões de dólares; e que Romney tinha apoiado uma lei que proibiria “todos os casos de aborto, mesmo em caso de violação e incesto”. Romney ainda foi mais longe, ao declarar que Obama planeava aumentar os impostos em cerca de 4 mil dólares aos contribuintes com rendimentos médios; que Obama planeava “esventrar a reforma da segurança social, ao diminuir as exigências laborais”; e que a Chrysler, socorrida pelo governo de Obama, estava a deslocar toda a sua produção do modelo Jeep para a China.Nenhuma destas alegações era verdadeira.
“Tem sido esse tipo de campanha”, escreveram os analistas da FactCheck.org, “cheia, do princípio ao fim, de ataques e contra-ataques enganosos e de reivindicações dúbias”.
Enquanto isso, ao longo dos três debates presidenciais e um vice-presidencial televisionados, as alterações climáticas, a questão que marca a nossa época e o problema mais grave que o nosso planeta enfrenta, não foram mencionadas uma única vez.
Há duas conclusões possíveis que se podem tirar das eleições dos Estados Unidos. Uma delas é que os EUA irão acabar por ser derrotados pela baixa qualidade do seu discurso democrático; e isso estará apenas no início de um declínio inevitável. Os sintomas estão lá, mesmo que a doença ainda não tenha infectado todo o corpo.
A outra possibilidade é que o que é dito e feito durante uma eleição, pouca diferença faz para a saúde de um governo. As campanhas são sempre um momento de populismo barato e para bajularem a única questão dos fundamentalistas. Talvez o que realmente importa é aquilo que acontece depois de um candidato tomar posse: a qualidade dos controlos e dos balanços com os quais ele ou ela trabalha, os aconselhamentos propostos, as decisões tomadas e, finalmente, as políticas realizadas.
Mas, se as eleições norte-americanas não são nada além de entretenimento, por que razão é gasto tanto dinheiro com elas; e por que razão tantas pessoas se ocupam delas? Será que a resposta é: caso contrário o resultado seria ainda pior?
Parafraseando Winston Churchill, as eleições são a pior maneira de se escolher um líder político, salvo por todos os outros métodos que foram experimentados – sobretudo nos EUA.
Boa tarde,
ResponderEliminarVou ser tão sintético como o autor isto é ficar pela rama.
Desculpe mas não concordo.
No meu ponto de vista a baixa qualidade é a de Portugal porque os políticos mentem nas campanhas, prometem sabendo que não vão cumprir e o espantoso deste país é que sucede desde o 25 Abril e os mentirosos de hoje passam a fazedores de promessas e vice-versa.
Quem conhece os EUA sabe que são uma nação que reúne todos os credos e todas as raças, por isso qualquer que seja o discurso desagrada sempre a alguém, assim sendo evitasse o polémico e o enfoque é feito no essencial que toca a toda sociedade, economia e segurança social e politica militar.
Todos os candidatos sabem que se fizesse o que se faz na Europa estavam condenados a abandonar a política.
O que fazem certos ditos fazedores da opinião em Portugal que pregam hoje o que não fizeram no passado eram no mínimo chamados de mentirosos, se é que não estavam na cadeia nos EUA.
É preciso não esquecer que os EUA sempre viveram mais para a política interna do que externa, só mudaram com a 2ª guerra mundial.
Não quero ser redutor mas a análise no mínimo é superficial.
Não é como nós compararmos o Porto com Lisboa, nem sequer o Continente com a Madeira.
É mais como compararem o FCP com o SLB e o SCP (claro extrapolando)
Cumprimentos
Viva, S. Pereira!
ResponderEliminarconheço mal os EUA. Já lá estive,mas apenas na qualidade de visitante esporádico. Por isso não posso alongar-me muito sobre as virtudes do regime, mas reconheço que é bem mais eficaz que o português. Mesmo assim, sou mais apreciador do estilo nórdico, mais sóbrio e mais civilizado. A América não é o meu paradigma social.
Quanto ao autor da crónica, deve saber do que fala, porque alguma experiência terá da vida naquele país. Senão, pode confirmá-lo aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Dani_Rodrik
Cunpts
Vejam bem, que nem o Salazar queria nada com Comunistas nem com Americanos.
ResponderEliminarEles estão em todo lado, logo que seja para sacar, que digam os Africanos e os Árabes.
É verdade, que ao contrário daqui, qualquer politico que mije fora do penico, leva logo para contar, mas também é verdade, que se compram armas com a mesma facilidade que se compra leite.
Os EUA é uma Nação que não é fácil de governar. Há Estados com a pena de morte (já abolida em todos os países civilizados) porque tem todo o tipo de raças; brancos, negros, vermelhos, amarelos espalhados principalmente nas grandes cidades, já para não falarmos com a vizinhança com quem fazem fronteira.
Um país assim só pode ser governado e criar riqueza com Estados, ou seja é quase como criar Regiões Regionalizar.
É um país de grandes contrastes, riqueza e miséria.
A maioria dos militares que são recrutados como carne para canhão vêm precisamente desses Estados pobres em que não há trabalho.
Estes grandes festivais de carnaval para as eleições do presidente EUA quem paga para lá os meter!? são as tais grandes Financeiras, como as Goldman Sachs, esta-se mesmo a ver.
Nunca lá estive mas leio vejo.
Mesmo, com tudo de bom e mau é a Maior potência Mundial.
O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO.